Nos últimos dias vi três entrevistas muito boas no canal Rivo Talks no Youtube com Alexandre Frota, Ciro Gomes e Lobão. São entrevistas longas e não são recentes, o YT tem essa vantagem, a gente pode ver quando quiser. Cada vez mais a exibição é interrompida por anúncios e eu tenho de clicar no “pular”; alguns anunciantes põem uma opção de aparência idêntica mas escrito “comprar”, uma armadilha. É um saco ficar “pulando” toda hora; depois de algumas vezes, o YT oferece a opção de assinatura, sem anúncios, que é o que ele quer, que a gente assine, mas eu me nego a pagar assinaturas de serviços na internet, não pelos produtores de conteúdo, mas porque as “big techs” pegam a maior fatia; prefiro continuar “pulando”, e está cada vez mais chato. Esse é um problema que pouco se discute, todo mundo foi se adaptando ao modelo que tomou conta da internet e que é controlado por meia dúzia de empresas americanas de alcance mundial que se tornaram bilionárias e superpoderosas. Pouco se discute os assuntos mais importantes do mundo contemporâneo e era sobre isso que eu queria escrever ao falar das entrevistas citadas no começo, mas o tema volta também aqui.
O controle da inteligência pelas empresas de tecnologia é um dos dois fenômenos mais importantes da nossa época e pouco falamos dele. Como disse, todo mundo se adaptou à condição de “produtor de conteúdo”, que de fato foi um avanço impressionante, porque a divulgação de informações (conhecimentos) multiplicou-se infinitamente ao mesmo tempo que saiu do controle de meia dúzia de empresas como acontecia antes, na era da televisão, do rádio e da imprensa impressa. Eu sou um consumidor ávido do YT, como disse, a única “rede social” que me parece interessante, além do zap, que, para mim, funciona para telefonemas e mensagens individuais; não uso outras redes. O YT, porém é um veículo fantástico de informação, especialmente de informações não imediatas; para noticiários ainda é insuficiente, mas para conteúdos diversos, ele cumpre o que se esperava da internet: que todo mundo pudesse transmitir seus conhecimentos diretamente para todo mundo, sem depender das grandes empresas “de mídia” tradicional, como se dizia.
Qual é o problema? O problema é o controle dessa “nova mídia” por meia dúzia de empresas gigantes multinacionais de origem americana. Não é um controle com o da velha mídia, mas na essência é o mesmo: dominação econômica e manipulação da informação. Do ponto de vista da informação, as empresas direcionam os conteúdos que o público vê, por meio dos famosos algoritmos. Do ponto de vista econômico, o controle é muito maior do que antes, porque meia dúzia de empresas americanas detêm a comunicação mundial, o que as levou a se tornarem as empresas mais ricas do mundo neste século. E o que elas produzem? Nada. Elas desenvolvem tecnologias para a população em geral consumir conteúdos que alguns profissionais produzem.
O que significa isso?
Em primeiro lugar, os profissionais que desenvolvem tecnologias, isto é, os trabalhadores dessas empresas, são poucos e estão sendo substituídos por uma tecnologia que eles mesmos desenvolveram, a chamada “inteligência artificial”. Em segundo lugar, os produtores de conteúdos não são empregados das “bich tchs”, produzem gratuitamente para elas e ainda repassam a elas a maior parte dos seus ganhos gerados pelo consumo de toda a população. Ou seja, o modelo de negócio desenvolvimento pelas “big tchs” que dominam a internet transformou um enorme contingente de trabalhadores em produtores não remunerados de conteúdos que elas vendem; quem paga é o público que consome e a maior fatia fica com as empresas, não com os produtores. E quase ninguém discute isso, ninguém se revolta, ninguém se insurge, ninguém se organiza contras as empresas. As “big techs” inventaram o modelo de negócios capitalista perfeito. E está tudo bem, não há “conflitos de classe” como há no capitalismo industrial, não há sindicatos, não há regulamentação do trabalho, não há direitos trabalhistas, não há greves, nada. Não é à toa que nesse ambiente a ideologia da “teologia da prosperidade” das igrejas protestantes prospera.
O segundo fenômeno fundamental da nossa época é a origem deste texto: a destruição das condições de vida na Terra pela espécie humana. Vendo as três entrevistas citadas pensei nisso: são três indivíduos muito importantes no Brasil contemporâneo, inteligentes, famosos, ricos, cultos, integrantes das elites nacionais nas últimas cinco décadas e principalmente brasileiros que tiveram vidas admiráveis, o que não significa concordar com eles e com suas ações, mas reconhecer que são indivíduos que experimentaram vidas muito mais, digamos, ricas do que as pessoas comuns. E as entrevistas refletem isso, são muito interessantes. No entanto em nenhum momento se falou do assunto mais importante do nosso tempo. Isso expressa como a consciência das catástrofes que já acontecem e nos aguardam nos próximos anos inexoravelmente e que nos levarão para o “fim do mundo”, não no sentido religioso, mas no sentido ambiental, essa consciência não faz parte do nosso dia a dia, todo mundo continua vivendo suas vidas individuais que, em síntese, significam fazer o capitalismo funcionar (e destruir cada vez mais), produzindo, ganhando dinheiro, trabalhando, se divertindo, consumindo etc. O mundo contemporâneo é um mundo de entretenimento – a internet tornou-se parte da indústria de entretenimento, a parte mais dinâmica dela, e falar da catástrofe ambiental não diverte, não entretém. Talvez as pessoas mais conscientes e verdadeiramente comprometidas com “a pauta ambiental”, como se diz hoje, ainda não saibam como fazer isso: constatam, se preocupam, mas não sabem o que fazer.
O fato é que a questão mais importante da nossa época não entrou nas três excelentes entrevistas. Os três entrevistados célebres e os dois entrevistadores muito bons falaram de feitos e ideias notáveis, mas a catástrofe ambiental não faz parte das suas vidas aparentemente.
PS: O Rivo News, só descobri hoje, 16/6, é um canal que se cala diante do genocídio dos palestinos pelos judeus e faz comentários simpáticos a Israel, o que é decepcionante.