terça-feira, 7 de outubro de 2025

Kid games and nursery rhymes

Da trilha musical de Beto Rockfeller. Shirley and Alfred são Shirley Mae Goodman e Alfred Jesse Smith (Brenton Wood). Deu algum trabalho descobrir isso. Alfred morreu no começo deste ano, aos 83 anos, Shirley em 2005, aos 69. Ela fez vocais em Exile on Main St., o álbum dos Stones. Curiosamente, essa música parece só ter feito sucesso no Brasil, como outras estrangeiras, aliás, selecionadas para trilhas sonoras de telenovelas. A propósito, a trilha sonora de Beto Rockfeller, a melhor telenovela brasileira de todos os tempos, é de primeira, tem de Beatles a Janis Joplin, passando por pérolas como I started a joke (Bee Gees), F... comme femme (Adamo), Dio come ti amo (Gigliola Cinquetti), Sympaty for the devil (Rolling Stones), Sentado à beira do caminho, a depressiva e marcante canção de Roberto e Erasmo Carlos, as esquecidas Abraham, Martin and John (Moms Mabley), You've got your troubles (Jack Jones), Surfer Dan (The Turtles) e Just a dream ago (Rita Moss), curiosidades como I'm gonna get married, do peculiar Sunday, além desta divertida e inesquecível Kid games and nursery rhymes. Enfim, grandes sucessos que ficaram na minha memória, ainda que nunca mais os ouvisse. Talvez seja por causa da novela que o Largo do Concerto para piano em fá menor BWV 1056 de J. S. Bach é a primeira música da minha lista de músicas prediletas. Não encontrei referência a ela, mas tenho certeza de estava na trilha. Ou talvez fosse outra música de Bach, a Aria da corda sol da suíte nº 3 em ré maior BWV 1068. São duas músicas que estão na minha memória profunda e o que sei é que foi assim, na trilha de BR, que conhecei o compositor alemão. A novela durou um ano inteiro, de novembro de 1968 a novembro de 1969, ou seja, viu o Brasil mudar radicalmente, pois entre um ano e outro teve o AI-5. 

Você conhece Gaza?

Clique no link abaixo e veja o que o Google nos oferece sobre Gaza. Imagens antigas de uma cidade de 600 mil habitantes belíssima, que foi destruída pelas bombas de Israel.  

https://share.google/B0UQUKJPWFGvKhubp 

O genocídio dos palestinos em Gaza por Israel é o maior crime da história

Gostaria que todos os indivíduos da espécie humana se levantassem espontaneamente no mundo inteiro contra isso, porque é essa a resposta que o genocídio dos palestinos em Gaza pelos judeus sionistas de Israel deve ter. Se ainda houver história, porque os acontecimentos contemporâneos superam qualquer barbárie histórica anterior e indicam um futuro próximo catastrófico, esse genocídio será lembrado como o maior crime da história. Pior do que o extermínio dos judeus pela Alemanha nazista. 

Nenhum genocídio foi tão violento quanto o que vemos acontecer hoje de forma descarada e desavergonhada, aos olhares da população mundial, transmitido pela televisão há dois anos, do conhecimento de todos os governos, inclusive a ONU e as nações mais poderosas, que nada fazem contra isso. Por muito menos, ou sob pretextos muito mais fracos, os EUA, o império britânico e outras nações imperialistas invadiram inúmeros países e fizeram guerra contra outros povos. 

A flotilha internacional não governamental tentava levar alimentos e remédios para os palestinos, que estão sob cerco e extermínio de Israel em Gaza, mas o exército israelense a interceptou, prendeu os pacifistas humanitaristas e confiscou a ajuda. Milhares de crianças, mulheres e homens morrem de fome diariamente. O exército de Israel cercou a cidade, despeja bombas nela, cortou água e energia, impede que seus moradores recebam alimentos. São esses os crimes dos judeus sionistas de Israel há dois anos, a que governos de todo o mundo assistem passivamente. Foi a maior flotilha interceptada até agora, mas não foi a única, isso vem acontecendo sistematicamente, em dois anos de genocídio. Os judeus sionistas que vivem em Israel, como o grande intelectual Yuval Harari, autor do livro Sapiens, acham normal eliminarem crianças. Se a espécie humana, o Homo sapiens, não se levanta em todo o mundo contra o genocídio dos palestinos pelos judeus sionistas de Israel, vai se levantar pelo quê? 

 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Meu trauma profissional

Do alto do palanque improvisado na estância hidromineral, o presidente da República discursava para a pequena multidão que se aglomerou em torno, na tarde daquela sexta-feira. Em certo momento, vociferou contra seus opositores políticos, ameaçando-os com palavras duras. Eu prestei atenção nelas e anotei-as com minha caneta bic no maço de laudas do jornal que carregava. Após cinco anos trabalhando na sucursal belo-horizontina do melhor jornal do Brasil, batizado na cobertura do Plano Cruzado, já experiente em todo tipo de matéria e aprovado com louvor na intensa e trepidante campanha para a eleição presidencial de 1989, a primeira depois de mais de duas décadas de ditadura militar, eu tinha ouvidos bem treinados para notícias e sabia muito bem distinguir o que era importante do que não era. Olhei meus colegas dos três jornais concorrentes, os quais cumprimentara gentilmente, mas sem intimidade nem cumplicidade, e me mantive à distância, pois eles eram de Brasília, repórteres acostumados a cobrir o presidente diariamente, amigos entre si, e eu só os conhecia pelos nomes impressos nas matérias assinadas. Na minha soberba característica, não me sentia inferior a eles, ao contrário, pois tinha uma trajetória bem-sucedida e relações de respeito mútuo com colegas e chefes, de forma que me sentia seguro no meu trabalho. Exatamente um ano antes, tinha publicado minha única manchete no jornal, cobrindo uma inspeção do ministro da Saúde em hospitais públicos da capital mineira; atento, anotei o diálogo do ministro com o diretor da unidade e o transmiti por telefone diretamente ao editor no Rio, que o reproduziu literalmente com destaque. A matéria, mostrando como os pontos dos médicos ausentes tinham sido cortados pessoalmente pela maior autoridade em Saúde do país, repercutiu, meus colegas não tinham sido tão detalhistas nos seus relatos, e recebi elogios. Fiquei satisfeito, mas não me gabei, eu sabia que jornalismo é uma empreitada diária, a manchete de hoje já está velha, o repórter tem que matar um leão todos os dias, como se diz.

De forma diferente, isso se repetiu naquele fim de semana fatídico em que cobri o presidente da República em Araxá. No momento em que, à parte, olhava meus três colegas de Brasília, percebi que eles “trocavam figurinhas”, expressão que a gente usava para se referir às impressões de cada um sobre o que todos tinham presenciado, o que considerava importante, o que era novo e o que não era e como pretendia escrever seu lide. Para nós, do JB, essa prática não era importante. Não que não fizéssemos isso, mas estávamos acostumados a confiar no nosso taco e não temer levar furo, pois éramos quase sempre nós que dávamos o furo, uma vez que nos sentíamos seguros para fazer avaliações próprias, cavar fontes, buscar informações exclusivas. Não havia na sucursal aquela paranoia que tinham os colegas do principal jornal concorrente, instruídos a colar em nós, os do JB, para não serem furados. O sentimento que me tomava era muito diferente: um profundo desprezo por aquele presidente ególatra, falaz, sequestrador da poupança dos brasileiros e superficial como um pires. E bravateiro. Seu discurso agressivo não passava de bazófia, ele procurava animar seus admiradores, bastante desanimados e reduzidos, depois do plano econômico aterrador que implantara um ano antes e já fracassara. Ele dissera que só tinha uma bala para matar a fera da inflação – e errara o tiro. Continuava, porém insistindo no seu estilo de se apresentar como uma espécie de estrela de Hollywood, criando fatos, dando declarações bombásticas, produzindo imagens que os jornais e revistas estampavam e as televisões exibiam, explorando seu dinamismo, jovialidade e coragem, como, por exemplo, ao pilotar um avião supersônico. Ali mesmo, tinha se exibido numa corrida matinal por um parque, em trajes esportes, seguido por uma multidão de repórteres e abordado por eleitores fanáticos. Seu governo, a primeira experiência de um presidente eleito pelo voto direto, era assim, uma espécie de espetáculo diário estrelado pelo presidente, e os jornalistas estavam sempre correndo atrás dele, fotógrafos e cinegrafistas, para registrar a melhor imagem, repórteres para produzir manchetes. Nesse show, a imprensa se transformava numa espécie de máquina de propaganda do governo cujo funcionamento eu tinha oportunidade de acompanhar de perto naquele fim de semana. A docilidade dos meus coleguinhas chamara minha atenção, em especial a intimidade da repórter do principal concorrente com o presidente: ele a chamava pelo nome, lhe sorria, confidenciava palavras no ouvido. No dia seguinte, essa camaradagem ficaria descarada, quando um emissário do presidente a procurou entre nós, disse que ele queria falar com ela e ela o acompanhou à suíte presidencial; eu nunca soube o que conversaram, mas achei aquilo também desprezível.

O fato é que, enquanto observava meus coleguinhas de Brasília – a repórter predileta do presidente e os repórteres dos outros dois jornais de circulação nacional – conversarem naquele fim de tarde, depois do discurso presidencial, eu tomei uma decisão: não mandaria uma nova matéria. Aquele ataque não passava de retórica, seu objetivo, além de animar a plateia, era produzir manchetes na imprensa e criar um fato político. Nós, jornalistas, estávamos sendo usados pelo presidente, que queria se promover e enviar um recado à oposição. Eu não me prestaria a esse papel.

Se eu fosse um sujeito importante, se o episódio tivesse tido relevância, o título do alto seria: “A verdade sobre a cobertura do presidente em Araxá”, mas o episódio não teve importância na política brasileira, muito menos eu fui um repórter de destaque. A única importância que o fato teve foi para a minha vida profissional e a minha vida pessoal, porque, percebo agora, as duas sempre andaram juntas, nos momentos decisivos. Eu nunca soube distingui-las, sempre tomei decisões subjetivas em relação à minha profissão.

Naquela tarde em Araxá, eu tomei minha equivocada decisão com soberba tranquilidade. Como disse, nós, repórteres da sucursal do JB em BH, sempre gozamos de uma exemplar segurança, proporcionada pela excelência do nosso trabalho, e eu, pessoalmente, nunca tinha sofrido sequer uma admoestação por levar um furo. Eu sabia – e não me enganei – que aquelas palavras bombásticas pronunciadas pelo presidente no palanque estariam esquecidas no dia seguinte, sequer teriam consequência, caso a imprensa não as reproduzisse, atuando como máquina de propaganda do governo. Se o editor me questionasse, eu as tinha anotado para o jornal publicar, mas não o faria por minha conta. Obviamente, essa decisão era equivocada, porque, fosse como fosse, eu não tinha direito de privar os leitores do JB daquela demagogia presidencial. Pelo menos não deveria fazer isso sozinho, no mínimo tinha obrigação de telefonar para meu subchefe e lhe narrar o que tinha ouvido, transferir para ele a responsabilidade de publicar ou não aquele destempero. Se eu estivesse preocupado com meu emprego, era o que deveria, prudentemente, fazer. Mas não fiz. Já tinha mandado uma matéria com bastidores da viagem presidencial, cheia de fontes, exclusiva, saborosa, como se dizia, tão boa que no dia seguinte mereceu elogios eloquentes do editor regional, e decidi não enviar outra; sequer liguei para a redação, assumi a responsabilidade sozinho.

Ajuda a explicar minha atitude temerária o fato de que, naqueles dias, a sucursal andava tumultuada, nossa equipe estava insatisfeita e eu mesmo queria sair do jornal, embora não tivesse coragem para pedir demissão. O ambiente no JB mudara radicalmente depois da eleição do presidente. A cobertura da eleição presidencial de 1989 foi o canto do cisne de um jornal que era então o melhor do país e deu um banho nos concorrentes naquela campanha histórica. A equipe foi reforçada, especialmente a sucursal de Belo Horizonte, pois os candidatos privilegiavam Minas Gerais, considerado estado decisivo, como realmente foi naquela e em todas as eleições presidenciais desde então. Minas é uma espécie de síntese do Brasil e o candidato que vence no estado vence também no país, geralmente com percentuais de votos bem próximos. Aquela eleição teve mais de duas dezenas de candidatos e frequentemente vários percorriam o estado ao mesmo tempo em busca de votos. Por ser uma novidade para a maioria dos brasileiros, eleitores e jornalistas, além dos candidatos, havia muito tempo aguardada, a eleição de 1989 foi uma verdadeira festa cívica, repleta de imprevistos. Com empenho dedicado do editor regional, nós, da sucursal do JB em BH, acompanhávamos tudo e nos esmerávamos em produzir notícias exclusivas, abordando os mais diversos aspectos do pleito, presentes nos locais mais improváveis, interferindo, com nossas matérias, até mesmo no rumo da campanha. Foi, por exemplo, a matéria exclusiva de uma colega atenta que derrubou definitivamente as pretensões de um candidato famoso e metido a engraçado, que, num debate noturno numa faculdade, soltou o famoso comentário: “Tá com vontade sexual, estupra, mas não mata”. Ele não imaginou que tinha jornalista na plateia, mas tinha, porque, na eleição presidencial de 1989, em Minas, onde tinha um candidato, tinha um repórter do JB. Foi uma cobertura inesquecível e eu me lembro bem como terminou. No segundo turno, fui escalado para cobrir um lugarejo onde Lula tinha eleitores tão pobres quanto fiéis. Quando liguei para a sucursal para passar a matéria, o editor regional, o mesmo, me disse: “Esquece, não precisa mandar a matéria, pode voltar, Lula perdeu”.

O editor era petista. A equipe, no todo, estava dividida; embora o número de petistas fosse maior, havia também eleitores do Covas, do Brizola e do Freire, mas, no segundo turno, que eu me lembre, Collor recebeu só um voto. Nossas simpatias, porém não prejudicavam nosso trabalho, ao contrário, possibilitavam que não fôssemos cegos para a estrutura crescente do candidato eleito e ajudavam a equilibrar a cobertura. No começo, a preferência do eleitorado brasileiro foi se alternando e a cada semana aparecia um azarão para fazer frente aos consistentemente preferidos: Collor, Brizola e Lula. A eleição seria em dois turnos, o que alimentava duas dúvidas: algum candidato conseguiria maioria no primeiro turno? Se não, quais seriam os dois adversários no segundo turno? Desde o começo, ficou evidente que Collor era o preferido, mas obter a maioria dos votos era outra coisa. Seus concorrentes se alternavam, de repente algum disparava e ameaçava superá-lo. Além disso, pesquisas indicavam chances de candidatos mais fracos o derrotarem no segundo turno. Eu não tinha candidato, escolhi o meu na cobertura, observando-o, ouvindo-o, entrevistando-o, ponderando, comparando. Votei no Covas, mas reconheço hoje que Brizola teria sido o melhor presidente, pois era o mais experiente e tinha um bom programa de governo. O empresariado que apoiara a ditadura militar não o aceitava, porém. 

Reconheço também que, além de contar com a simpatia de muitos jornalistas, Lula, então um ex-operário metalúrgico, exercia fascínio sobre os eleitores, especialmente os mais simples. Ele era o candidato mais parecido com as pessoas comuns, dava atenção a todos, conversava com muitos, ia coletando informações sobre a vida do povo da localidade que visitava e, quando subia no palanque, juntava tudo num discurso coloquial que encantava a plateia. Foi a ele que eu pedi o primeiro autógrafo da minha vida, para minhas filhas pequenas – e ele escreveu, numa lauda do JB: “Para Flora e Marina, um abraço do Lula”. Naquela eleição, participei indiretamente de outro episódio importante. Foi quando Collor apresentou na sua propaganda eleitoral uma ex-namorada do Lula que o acusava de ter lhe pedido para fazer um aborto. O candidato petista estava num comício em BH no mesmo horário e o editor regional me mandou lá para ouvi-lo a respeito. Como ninguém no palanque tivesse visto o programa, precisei narrá-lo. Nas suas memórias, ao lembrar a história, o assessor de imprensa Ricardo Kotscho afirma que aquele foi o ponto de inflexão da campanha do Lula, “que até então só pegava sinal verde”.

Embora quase todos os candidatos fizessem questão de ser simpáticos com os jornalistas, entre os quais os do JB não recebiam as menores atenções, alguns transpareciam integridade, honestidade, sinceridade, enquanto outros eram evidentemente espertalhões e inconfiáveis. O líder nas pesquisas tornou-se o pior candidato para se cobrir, não só pelas multidões que arrastava, mas também pelo aparato de segurança mobilizado ao seu redor, responsável por violências contra opositores, maus tratos a eleitores e até desrespeito ao trabalho dos jornalistas. Salvo exceções, oportunistas ou sinceras, a animosidade mútua entre repórteres e o futuro presidente, incluindo sua entourage, ficou logo escancarada. Todos os seus defeitos de ordem pessoal já eram então conhecidos e comentados e apareciam em matérias. As graves acusações que mais tarde seriam abordadas pela imprensa e levariam ao seu impeachment também já eram conhecidas. Enfim, na imprensa, todo mundo sabia, já na campanha eleitoral, quem era aquele que viria a ser o futuro presidente, mas, diante do risco da eleição dos esquerdistas Brizola ou Lula, os empresários da imprensa escolheram ignorar seus defeitos.

A cobertura do JB destoava dessa escolha e por isso era tachada de “petista”. Quando a eleição se consumou, o jornal viu-se em situação difícil, mudou sua chefia de redação e sua linha editorial, cada vez mais governista, o que afetou o ambiente de trabalho. Somava-se a isso o comportamento pessoal do editor regional, infrequente no trabalho, às vezes ausente durante dias. Foi numa situação assim e por força de uma série de coincidências que eu, que não era repórter de política, cobri a visita presidencial em Araxá: enquanto o presidente passava um fim de semana em Minas Gerais, o editor regional tinha sumido, a primeira repórter de política se demitira, o segundo teve um súbito problema pessoal e o subchefe me escalou de última hora para viajar. Nenhum de nós poderia supor, porém, muito menos eu, considerando nosso brilhante currículo coletivo e meu confiável currículo individual, o que estava para acontecer: que eu faria o que fiz e que me tornaria um bode expiatório. Depois de ouvir os elogios do chefe, no sábado de manhã, eu baixei sua bola, perguntando-lhe se tinha visto os outros jornais, ele respondeu que não, e eu lhe disse para ver. Ele não disse mais nada. Fiz e enviei a minha matéria do dia; apesar da discrepância entre a manchete do JB e as dos outros jornais, o assunto não repercutiu, porque havia rumor forte de uma bomba, que monopolizou as atenções dos jornalistas no fim de semana: a possível demissão da ministra da Economia, que eu tratei de apurar e, dessa vez, não destoei dos meus colegas.

Quando, na segunda-feira, o presidente voltou para Brasília e eu cheguei em Belo Horizonte, o editor regional me chamou à sua sala e foi curto e grosso: “Você está demitido. Sinto muito, mas não posso fazer nada. É a sua cabeça ou a minha”, me disse. Eu me resignei, como me resignava sempre, e na verdade senti alívio por me ver livre daquele suplício em que vivia desde 1990, querendo sair do jornal e sem poder pedir demissão. Apesar do trauma que me amargurou, pela situação em que a demissão se dava, eu tinha a desculpa de ela ter sido drástica e injusta. Mais difícil foi, nos dias seguintes, recusar as propostas de emprego que me foram feitas: eu não queria mais ser jornalista e considerava incogitável trabalhar em outros jornais depois de trabalhar no JB: todos me pareciam menores, quase insignificantes.

(Capítulo do livro inédito Nada é o que parece ser.) 

domingo, 5 de outubro de 2025

Uma carta aberta antidemocrática e ridícula

Uma carta aberta encabeçada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) com mais de uma centena de signatários dignos de respeito e com passado relevante em defesa da liberdade de informação e da democracia é um dos documentos desse tipo mais equivocados que eu já li. Divulgada no final de setembro passado (9/25), a carta, que pode ser lida na íntegra na página do Fórum, clicando aqui, faz afirmações corretas e considerações pertinentes antes de assumir uma posição descaradamente antidemocrática e atacar um dos podcasts mais interessantes dos últimos tempos, o Três Irmãos. Pelo espaço que o ataque ocupa na carta, parece que a intenção era mesmo essa. Em resumo, o texto afirma que o podcast faz muito sucesso e é de extrema direita, que pessoas progressistas e de esquerda não devem participar dele, só devem participar dos veículos de comunicação progressistas. Discordo radicalmente dessa ideia. Em primeiro lugar, não considero que o podcast é de extrema direita. Seus apresentadores expressam nítidas divergências entre si e, mesmo que um deles demonstre simpatias com ideias de direita e até, talvez, de extrema direita, ambos são respeitosos com as opiniões alheias. Esse respeito não é de extrema direita. Correntes stalinistas da esquerda sempre tiveram dificuldade de aceitar a liberdade de expressão dos que discordam delas. Discordo muitas vezes do que os dois apresentadores dizem, mas discordo também do que dizem muitas vezes os entrevistados e debatedores. Desse e de outros podcasts. Aliás, no Três Irmãos, entrevistados e debatedores são muito mais importantes e têm muito mais tempo para falar do que os apresentadores. O podcast tem promovido debates e entrevistas esclarecedores com presenças dos intelectuais mais lúcidos na atual conjuntura, entre eles Vladimir Safatle, Breno Altman, Jones Manoel, Elias Jabbour, José Kobori, Frederico Keper e outros. A propósito, Altman, Manoel e Jabbour manifestam explícita admiração por Stalin e Jabbour é um entusiasmado defensor da China dita comunista, Kobori também. Os debates do Altman com um deputado, este sim, de extrema direita e com um rabino podem ser considerados históricos e prestaram excelentes serviços à informação e às bandeiras da esquerda. O podcast deveria servir de modelo para programas insossos ditos de esquerda e progressistas, mas frequentemente chapas-brancas, e por isso pouco interessantes. Fico imaginando se os inúmeros signatários da carta a leram, compreenderam e concordam de fato com seu conteúdo. Se a resposta é sim, sugiro que a releiam, repensem e divulguem uma nova carta à altura desses tempos que exigem muito mais da esquerda do que a repetição de chavões. Um tema relevante para discussão é por que os que lutam pela democratização da comunicação pouco avançaram nas duas últimas décadas, a despeito dos governos pretensamente de esquerda e progressistas. 

sábado, 4 de outubro de 2025

A primeira publicação do jornalaico

Foi esta abaixo, no dia 17 de setembro de 2009. Uau! Há mais de 16 anos! Quanta coisa mudou desde então, inclusive na internet, que se anunciava como o reino da liberdade de informação. 

Jornalismo agora é uma atitude

Com a internet, todo mundo tem seu jornal pessoal, o jornalismo se transformou. Não importa a visão antiga de jornalismo, ela não serve para enxergarmos a realidade. Se as pessoas leem blogs, sítios, portais etc., se veem youtube, google videos etc., se se comunicam por e-mail, orkut, msn, celular etc., a comunicação mudou. Não adianta a imprensa impressa espernear, não adianta a televisão reagir, as pessoas não estão prestando atenção nelas. Cada um vai ler o que lhe interessa, cada um vai se ocupar com o que lhe agrada. Jornal virou peça de museu, revista virou objeto de sala de espera. Se o jornalismo está na internet, ele agora é feito de outra forma, com as características da internet. Todo mundo pode ter seu jornal, a leitura é dispersa, a informação é interativa.

Cenas finais

Alguns filmes valem só pela sua sequência final. Já escrevi aqui que a melhor sequência final de um filme para mim é a de Viver por viver, do francês Claude Lelouch (1967), mas me recordo de outras que me impressionaram fortemente, como a de Pequenos Assassinatos, do americano Alan Arkin (1971), e deste Butch Cassidy and the Sundance Kid, do americano George Roy Hill (1969). As três têm em comum não serem epilogares. A cena final epilogar é a mais comum, ela arremata a história. Penso, por exemplo, num filme que também me maravilhou, e até mais, na mesma época, Romeu e Julieta, do Franco Zeffirelli (1968). Claro, o filme recria (formidavelmente, pelo menos para jovens com eu era) a tragédia do Shakespeare e não poderia terminar de outra forma, mas é um modelo de narrativa: a história acabou no funeral dos protagonistas, fazendo referência às consequências daquelas mortes. Os filmes que citei não têm, como disse, sequências finais epilogares, elas sugerem a continuação das histórias, de diferentes formas, deixam-nas em suspense, ainda que em Butch... isso aconteça de forma artificial, por um efeito cinematográfico, e o final seja presumível. Mesmo depois de ver a cena final, vale a pena ver o filme. Embora, no caso de Viver por viver, eu aconselho começar pelo começo.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Como emendas parlamentares viraram canal de irregularidades

O Brasil apodreceu e esse modelo de emendas parlamentares é o mais fiel retrato disso. 

Três instituições funcionam e impedem que este projeto de nação nunca executado desmorone completamente: o STF, a Polícia Federal e a imprensa. Nenhuma delas é impecável, mas elas cumprem seu papel, pelo menos parcialmente, enquanto outras, como o Congresso, são o oposto do que deveriam ser. O Congresso deveria representar o povo que o elegeu, mas atua em benefício próprio, se apoderando do dinheiro público para fins pessoais, transformou-se num covil de bandidos, os quais, recentemente, tentaram incluir na Constituição sua impunidade, o que legalizaria o poder do crime organizado, que já domina amplamente o Estado brasileiro, dentro do qual as instituições ainda funcionam parcial e porcamente graças à dedicação de valorosos trabalhadores, não por empenho dos seus superiores. 

É preciso acrescentar que esse quadro medonho acontece e é resultado de quase 37 anos de governos civis, quatro de um governo civil-militar, quase 36 de governos eleitos pelo voto direto, dos quais 16 do PT, três de um vice aliado do PT, 11 deles do Lula. Não se pode dizer, portanto que Lula e o PT, a dita esquerda, não tenham nada a ver com isso. De fato, pode-se incluir nos já 27 anos de governos de esquerda, os oito anos do presidente FHC, pois este foi um destacado opositor da ditadura militar e inaugurou o modelo econômico e político ao qual Lula depois deu seguimento. Ficam na conta da direita os cinco anos do governo Collor (mas nem todos, uma vez que Itamar Franco governou dois anos, assim como temer, o minúsculo, governou dois dos quatro anos do segundo mandato da Dilma) e na conta da extrema direita os quatro anos do governo do bozo. 

Penso que basta listar os fatos para compreender o Brasil contemporâneo. Não foi a extrema direita nem a direita quem transformou o Brasil no que é hoje, foi a esquerda submissa ao projeto neoliberal. A direita começou a obra, com o Collor, mas FHC e Lula continuaram a executar o modelo, e a extrema direita tornou o modelo pavorosamente pior, mas o terceiro governo Lula não reverteu o quadro da desproteção do trabalho, destruição ambiental e desmonte do Estado. O Brasil, nesses 40 anos após o fim da ditadura militar, tornou-se a nação dos banqueiros, do agrotoxiconegócio e do crime organizado. A nação apodreceu, o Estado desmanchou, a sociedade degenerou. A esquerda não tem e nunca teve um projeto nacional, a não ser a volta da democracia burguesa. Tampouco a extrema direita tem, como tinham os militares sanguinários, seu projeto se limita a liberar o crime, e o projeto do centro é a pilhagem simplesmente. Além das instituições que funcionam ainda, como as citadas, mas que também são castas privilegiadas do serviço público, algumas vozes se fazem ouvir na esquerda, clamando pela revolução que o país nunca teve, que começou em 1930, mas não completou, pela revolução socialista. O povo, porém ouve as vozes dos pastores evangélicos e parece muito mais perto da extrema direita do que da extrema esquerda ou dos nacionalistas. Penso que só a substituição dessa geração que derrubou a ditadura e governa desde então por outra, dos seus netos, poderá trazer boas mudanças para o Brasil. Que nação, porém a nova geração herdará?   

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Estátua de Trump de mãos dadas com Jeffrey Epstein em Washington

Sem comentário.

Historiador israelense Ilan Pappe desmente Israel em entrevista a Breno Altiman

Uma entrevista brilhante. Em poucas palavras e admirável clareza, o historiador israelense explica as origens do Estado de Israel e como ele se tornou o que é. Israel se autodenomina -- e seus defensores repetem isso -- "a única democracia do Oriente Médio", mas de fato nunca foi uma democracia, como revela Ilan Pappe. Ele próprio foi expulso da universidade em que trabalhava e proibido de lecionar em Israel depois de publicar livro em que desmentia a versão oficial do Estado sionista sobre o começo do conflito dos israelenses com os palestinos, em 1948. Israel é uma invenção do Império Britâncio, um enclave ocidental no mundo árabe, os israelenses se consideram superiores aos árabes, por isso são racistas, assim como os alemães, sob o nazismo, se consideravam superiores a outros povos, assim como os africânderes de origem holandesa se consideravam superiores aos africanos da África do Sul, assim como os portugueses colonizadores deste continente se consideravam superiores aos indígenas e aos africanos escravizados, assim como os magas se consideram superiores aos afrodescendentes e latinos. O racismo contemporâneo é uma ideologia europeia. Ilan Pappe é considerado traidor em Israel, posição típica dos governantes racistas contra os integrantes do seu grupo social que desmascaram o racismo. 

Sendo como é um Estado inaugurado pela limpeza étnica e que prosseguiu pelo apartheid, condição tolerada, acobertada e apoiada há quase oitenta anos pelos governos norte-americanos e europeus, com a submissão da ONU, fico pensando se o que acontece nos EUA e muitos outros países hoje, isto é, a ascensão de autocracias, o aumento sem limites do poder de governos eleitos e os desmandos despudorados dos bilionários, não é uma "israelização" do mundo. Israel é caso único de um Estado que se estabeleceu nas terras de outro povo, como uma colônia em permanente expansão, que se impõe pela força das armas e do dinheiro com apoio do chamado "mundo ocidental". O regime da África do Sul não durou tanto (começou em 1948, como Israel, e terminou há 31 anos) nem contou com tanta simpatia e cumplicidade para seus crimes de genocídio.  

Salém Nasser - Mossad Controla Trump com o Caso Epstein?

Que Israel controla a política norte-americana eu leio desde os anos 70 na imprensa que merece esse nome. Que influencia a imprensa mundial decisivamente e desequilibra o noticiário, também. Que o serviço secreto israelense é poderosíssimo e está por trás de fatos políticos que a gente nem imagina, todo mundo sabe. O genocídio em Gaza é uma comprovação diária há dois anos do poder israelense na economia, na política e na imprensa mundiais. Ainda assim é impressionante a história desse americano, Jeffrey Epstein, que mesmo depois de morto continua sob censura, por suas ligações com todo o (sub)mundo do poder estadunidense.  

O veneno mora ao lado

Xeque-Mate EP6, O veneno mora ao lado, podcast de Giovanna Nader.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Sionismo x antissionismo, um excelente debate

Vale por mais do que uma aula sobre as causas do genocídio dos palestinos por Israel em Gaza, que completa dois anos: é um curso inteiro de história do sionismo, do judaísmo e do mundo contemporâneo. Tenho críticas ao Breno Altman por sua simpatia ao stalinismo, mas suas falas e seu comportamento nesse debate são admiráveis. Sobre o rabino, o melhor que se pode dizer foi dito no final: ele foi o único sionista que aceitou debater o assunto. E demonstrou diversas vezes as características morais e intelectuais dos extremistas. Seja como for, é útil entender como funciona a cabeça dessas pessoas. A cegueira dos fanáticos aos fatos (como não condenar o genocídio em Gaza e manter a dignidade? Como dormir em paz? Como continuar sendo um religioso?) é tão grande que fica evidente a impossibilidade de entendimento racional. O que vale para Israel vale também para os negacionistas norte-americanos, para não dizer dos bozoístas, que estão em baixa. 

Fiquei pensando também o quanto esses debates e podcasts na internet não só contribuem para a politização de quem se interessa, mas também são avanços na democracia liberal burguesa, cuja decadência é assustadora. E olha que o Brasil hoje anda sendo exemplo para o mundo. O mérito, porém é do Judiciário, que conduziu corretamente o julgamento dos golpistas e não se intimidou com as pressões externas (exceto um ministro do STF), e da sociedade, que saiu às ruas para dizer não à impunidade e à anistia. Foram reações importantes, que mantêm a democracia e impedem que o Brasil se transforme também numa autocracia, como tantas nações já se tornaram, mas foram reações, o que significa que a iniciativa continua com a extrema direita golpista e com os políticos corruptos, corrupção que hoje já se encontra misturada com o crime organizado. É preciso muito mais, é preciso um projeto de nação alternativo e melhor do que o Estado atual para derrotar a ascensão da extrema direita.  

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Certeza de boa leitura

 

Uma das das reportagens mais interessantes que eu fiz no período em que trabalhei no Jornal do Brasil foi sobre cassinos clandestinos. Não me lembro a data exata, provavelmente em 1988. Foi uma pauta encomendada, isto é, veio diretamente da sede, no Rio, e eu fui escalado, provavelmente porque andava cobrindo o jogo do bicho, que, apesar de ilegal, agia escancaradamente em BH. Eu e o repórter fotográfico Mazico viajamos para o Sul de Minas e passamos quase uma semana à procura de cassinos clandestinos. Tínhamos boas indicações de fontes e cidades, principalmente estâncias hidrominerais, mas não foi fácil encontrar um. Obviamente, sendo clandestinos, não estavam à mostra, mas existiam, todo mundo sabia, e conseguimos boas entrevistas, uma delas, me lembro bem, com um "ex-bicheiro" carioca que estava vivendo em Minas. Outra entrevista curiosa foi com um crupiê veterano, dos tempos em que cassinos funcionavam livremente, inclusive em BH, onde hoje está instalado o Museu de Arte da Pampulha, antes que o então presidente Dutra decretasse sua ilegalidade, em 1946. Essas e outras fontes defenderam a legalização dos cassinos como atividade turística importante, mas negaram a existência de cassinos clandestinos na região. O velho crupiê, homem elegante e de boa conversa, falou com nostalgia daqueles tempos glamourosos e lamentou que tivessem passado. Na noite do mesmo dia em que o entrevistamos conseguimos chegar a um cassino clandestino: precisamos sair de Minas, entrar em São Paulo e voltar para território mineiro por outra estrada; o cassino ficava na zona rural, mas o acesso era bom. Funcionava num galpão, que, externamente, parecia um celeiro, a não ser pela iluminação e pelos carros luxuosos estacionados no seu entorno. Do lado de dentro, porém era um salão suntuoso, repleto de gente bem vestida, em volta de mesas de jogos, servida por garçons alinhados. Cena de cinema. Quando entramos, Mazico e eu, demos de cara com o velho crupiê, trabalhando na primeira roleta... Com essa pérola, voltamos para BH no dia seguinte, eu redigi a extensa reportagem, enviada pelo telex ponta a ponta, e Mazico despachou as fotos, não me lembro se pelo malote ou transmitidas pela telefoto. Ficamos muito satisfeitos com o trabalho, que foi elogiado, e aguardamos ansiosos a edição de domingo, na qual a reportagem deveria sair, revelando aos leitores do JB que, embora proibidos há mais de quarenta anos, os cassinos continuavam funcionando no Brasil, pelo menos em Minas Gerais, provavelmente operados por bicheiros do Rio. A reportagem não saiu naquele domingo, nem na segunda-feira, quando às vezes saíam dominicais que tinham sobrado por falta de espaço, nem no domingo seguinte nem dia nenhum. 

Lembrei dessa história lendo Sucursal das Incertezas (foto acima), livro do José de Souza Castro, um dos melhores jornalistas com quem convivi, um dos grandes de todos os tempos no jornalismo mineiro. José de Souza Castro, o Zé de Castro, como o chamam os colegas, ou JC, como ele rubricava suas pautas, foi o editor regional do JB que me enviou para o Sul de Minas e copidescou minha reportagem. Nas últimas páginas do seu livro, ele narra reportagem semelhante que escreveu para O Globo, no começo da década de 1990. Sua matéria, provavelmente melhor, também não foi publicada, embora tivesse até chamada na TV Globo no sábado à noite, naquele tradicional "Leia amanhã em O Globo", e, por descuido, chamada na primeira página do jornal de domingo. No lugar, entrou um calhau, um anúncio de página inteira, por ordem, presume-se, do mais alto escalão do jornal. Por que será? 

Sucursal das Incertezas é um livro primoroso. Nele, JC narra inúmeras reportagens relevantes das décadas de 1970, 1980 e 1990. Embora possa ser lido como memórias pessoais, o trabalho incluiu pesquisas e se tornou um compêndio do jornalismo "nos tempos do telex ponta a ponta". É um retrato do trabalho da sucursal belo-horizontina do melhor jornal brasileiro da época, quando as sucursais eram importantes e o jornalismo era muito diferente do que é hoje. Nele, estão citados inúmeros jornalistas que trabalharam nos veículos mineiros e brasileiros no período e as reportagens que escreveram, devidamente circunstanciadas. Além disso, o autor situa as histórias no contexto nacional e faz observações sagazes sobre o jornalismo, a política e a sociedade da nossa época. Tudo isso num texto ágil, limpo e atraente, que prende do começo ao final. É, enfim, um livro surpreendente, mesmo para aqueles que conviveram com o jornalista e conhecem bem sua competência profissional. 

Escrito em 2007 e, inicialmente, disponibilizado pela internet, Sucursal das Incertezas, a história vista por um jornalista dos tempos do telex ponta a ponta está agora publicado em papel, felizmente, e merece ser lido por todos os jornalistas, mas não só. Tem 316 páginas, incluindo um apêndice de fotografias. A nova edição foi revisada pela jornalista Cristina Moreno de Castro, filha do JC e com quem ele divide o Blg da Kika Castro, por meio do qual o livro pode ser adquirido. A apresentação é do Acílio Lara Resende, diretor da sucursal do JB em Belo Horizonte durante mais de duas décadas. 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Calma urgente e a reação popular ao projeto da impunidade e à anistia

Esse trio é muito inteligente e bem informado, a análise da Alessandra Orofino, em especial, é excelente, por isso mesmo eu não entendo sua ingenuidade em relação ao lulismo. Eles continuam torcendo pelo que o Lula não vai fazer. "A única forma de aprovar pautas populares é trazer o povo para fazer pressão", diz ela a certa altura. Mas é isso que esperávamos em 2002 e nunca aconteceu, ao contrário, os governos do PT trocaram as massas e as ruas pelas negociações de bastidores e os corredores do poder. Foi o governo lulopetista que escancarou o caminho para o fisiologismo atual que deu no crime organizado no poder, hoje, que pretendia garantir sua impunidade permanente com a PEC aprovada pela Câmara. O governo Lula é um governo neoliberal de centro-direita, longe de ser de esquerda. Eles ficam falando de uma coisa imaginária, o "governo de esquerda". O Torturra diz que com mais 3% "a gente ganha a eleição". A gente quem? Essa centro-direita? Não tem lugar para a esquerda no governo do Lula! Quando será que a nova esquerda festiva vai entender que o buraco é mais embaixo?  

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A democracia não liberal da China, segundo Elias Jabbour

Boa entrevista do Elias Jabbour, a quem tenho críticas e julgava ser dogmático, já que elogia Stalin, mas demonstra ser um intelectual sério. Há uma convergência na esquerda, de Vladimir Safatle a Jones Manoel, passando pelo Jabbour, de que é preciso formular um projeto nacional nacional de desenvolvimento. Por que esses intelectuais políticos não se juntaram ao Ciro, em vez de continuar fieis ao Lula, eu não entendo. Será que o cerco lulista está se rompendo, sem o Ciro, obviamente, que já foi destruído? 

domingo, 21 de setembro de 2025

Uma aula sobre a China contemporânea

E uma introdução histórica de uma civilização de 3.500 anos. 

A ascensão da China e seu impacto sobre o mundo - Cláudia Trevisan e Yili Wang.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Esquerda no século XXI

Num dos momentos dessa conversa do vídeo abaixo, Vladimir Safatle observa que os governos do PT levaram os movimentos sociais para dentro do governo, para ajudar a gerenciar o Estado, e não é função dos movimentos sociais gerenciar o Estado capitalista, eles devem estar de fora, pressionando o governo a fazer o que ele não quer fazer. Dessa forma a esquerda brasileira -- melhor dizendo, o PT e partidos satélites, dizendo melhor ainda, Lula e os lulistas -- tornou-se gerente das crises do capitalismo, como ainda hoje, enquanto a extrema direita assumiu a posição de revolucionária ou reformista do Estado. A observação do Safatle, o melhor pensador brasileiro da atualidade, na minha opinião, me fez lembrar da minha posição, no final dos anos 70, quando a ditadura militar, nos seus estertores, extinguiu o bipartidarismo, com o objetivo claro de fracionar o MDB, que crescia como partido da oposição, e impedi-lo de tomar o poder mesmo dentro das regras do regime autoritário. E funcionou, novos partidos foram fundados. Foi quando a esquerda passou a discutir a organização de um partido com ideologia socialista e revolucionária, sustentado pelos movimentos sociais cuja força crescia então na oposição à ditadura militar, cujo resultado acabou sendo o PT. Muitas coisas nesse processo podem ser discutidas e me parecem óbvias quase cinquenta anos depois, mas o que eu quero dizer é que minha posição era contrária à criação de um partido de esquerda. Eu achava que os movimentos sociais deviam ser preservados à parte dos partidos. Achava que a esquerda devia incentivar a formação e crescimento dos movimentos sociais, disputar sua liderança e mantê-los independentes dos Estado burguês, inclusive dos partidos. Eu achava que os movimentos sociais eram a fonte do poder popular e se contrapunham ao poder burguês, que, quando se tornassem suficientemente fortes e representativos dos trabalhadores, se tornariam eles próprios o poder, um poder popular, base de outra sociedade, uma sociedade socialista, igualitária e democrática. Não é mais ou menos isso que Safatle está dizendo, quando afirma que os movimentos sociais têm que conservar sua independência em relação ao governo lulista? Seu argumento me parece óbvio, como aquela ideia que eu defendia há quase meio século: os movimentos sociais precisam ser independentes para serem fortes, e precisam ser fortes para empurrar o governo, qualquer governo, acrescento eu, agora como naquela época, para a esquerda, para exigir que ele atenda suas reivindicações. Os movimentos sociais de meio século atrás canalizaram suas forças para o PT, o PT virou o partido do Lula, Lula se tornou presidente, os movimentos sociais foram com ele para o governo, mas não transformaram radicalmente o Estado num Estado socialista, passaram a gerenciar o Estado burguês, se desarticularam e perderam sua força como movimentos sociais. É o que temos hoje: um governo dito de esquerda, empurrado cada vez mais para a direita, defendendo desesperadamente a ordem burguesa da destruição que lhe impõe a extrema direita fascista neoliberal, com apoio... popular! O que mais me impressiona é que a jovem que dialoga com o Safatle, que não conheço, mas parece ser uma liderança do PSOL, não tem a menor consciência de classe, como declara lá pelos 30 minutos e mais um pouco. Como foi que isso aconteceu? O PSOL está à esquerda do PT, é um racha à esquerda do PT, mas ela não tem a menor noção, consciente pelo menos, do que é consciência de classe. Ela tem consciência de que é mulher negra, mas não de que é trabalhadora e que os trabalhadores não se conciliam com o capital. 

Uma história exemplar do Brasil contemporâneo

Eu diria que o Brasil contemporâneo está dividido entre três forças políticas (a política é expressão da sociedade): a primeira, pujante, é a do crime organizado, que expressa o neoliberalismo desenfreado, assumiu o poder com o golpe do temer em 2016, continuou no governo do bozo, ocupou diversos governos estaduais, conta com o apoio eleitoral crescente do povão liderado pelas igrejas evangélicas (que prometem progresso aos pobres como o desta história, e sabemos com provas agora como esse progresso se dá) e manipulado pelas redes sociais, apesar da derrota eleitoral em 2022 e do processo exemplar que condenou os golpistas de extrema direita, tenho dúvida se não voltará ao poder federal no ano que vem; a segunda é a força rendida ao neoliberalismo que tenta desesperadamente manter o Estado sob rédeas civilizadas, inclusive na corrupção e no crime, que se traduz em instituições como o STF, a PF, o Lula (sim, Lula se transformou numa instituição brasileira), parte da imprensa e outras instituições republicanas; a terceira é uma força emergente, que diz que não é possível controlar a ordem burguesa neoliberal corrupta, criminosa e destruidora e que o sistema capitalista precisa ser substituído por outra ordem que coloque a conservação do ambiente, a igualdade e a democracia em primeiro lugar.  

O destruidor da Serra do Curral 

O destruidor da Serra do Curral 

Quem é Alan Cavalcante do Nascimento, empresário que a PF aponta como líder de um esquema que corrompia funcionários públicos e fraudava licenças ambientais em Minas Gerais

Por Allan de Abreu, revista Piauí, 17 set 2025, 11h31 

Na manhã desta quarta-feira (17), a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram uma operação que investiga a corrupção de servidores públicos na área ambiental e de mineração em Minas Gerais. A suspeita é de que empresários pagavam propina para liberar projetos e fraudar licenças ambientais. Segundo a PF, o líder desse grupo criminoso é Alan Cavalcante do Nascimento, um alagoano que fez fortuna na mineração e deixou um rastro de devastação no estado. A piauí publica, abaixo, o trecho de uma reportagem de outubro de 2023 que conta a história de Nascimento e seus rolos na Justiça.



A festa de Réveillon do empresário Alan Cavalcante do Nascimento talvez seja a coisa mais parecida com as luxuosas farras de O grande Gatsby que Alagoas já viu. Na sua mansão de três andares, no Laguna Heliport, o condomínio com o metro quadrado mais caro do estado, o empresário promove três semanas de festa, com direito a pool party e passeios de catamarã. O ponto alto é o dia da virada para o Ano-Novo, quando cerca de quinhentos convidados costumam assistir a shows ao vivo – o último foi o da banda Saia Rodada, cujo cachê pode chegar a 400 mil reais por apresentação. O notável é que, há apenas dez anos, a diversão de Alan Cavalcante – ele prefere ser chamado pelo primeiro sobrenome – limitava-se a corridas de motocross e comemorações no modesto quintal da casa em que vivia, uma edícula em Arapiraca, no agreste alagoano.  

“Eu não era pobre, eu era muito pobre”, disse ele, em conversa com a piauí. “Eu enriqueci com muito trabalho, de segunda a segunda, mais de doze horas por dia.” Em abril do ano passado, numa festa de aniversário, o empresário se emocionou, abraçado à sua mulher, Monica, e à sua irmã Alany, a aniversariante do dia, quando a dupla sertaneja César Menotti & Fabiano, em um show na mansão do Laguna, cantou Tá chorando por quê?. A letra fala de como a prosperidade chega com a bênção divina: Lembra de onde você veio e aonde que você chegou/Lembra de todos os livramentos que você já passou/Nem era para você estar aqui/Mas Deus falou assim:/“Esse aí vou levantar”/“E onde colocar a mão ele vai prosperar.”

E Cavalcante prosperou. Seu patrimônio formal inclui um conglomerado de 38 empresas, entre mineradoras, construtoras e imobiliárias, a maioria em Minas Gerais, e uma multiplicidade de sócios. O capital social de suas empresas, somado, passa de 100 milhões de reais. Em junho passado, seu rosto tornou-se mais conhecido nas redes sociais quando deu o maior lance no leilão beneficente do atacante Neymar, em São Paulo: 1,2 milhão de reais pelo blazer e pelo cordão de ouro e diamantes que o jogador usava no evento. O valor incluiu ainda o Rolex de um empresário amigo do jogador.

Clique aqui para continuar lendo na piauí. Não identifiquei, na revista, o crédito da foto. 

Como mineradoras e governos corrompidos destroem Minas Gerais

Acima da lei e dos partidos: 

"Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos)."  

Tudo que nós precisamos saber sobre a operação da PF que desbaratou a corrupção intrínseca entre mineradoras e autoridades que destroem Minas Gerais impunemente. Basta querer e funcionar, que o Estado tem instituições para, senão impedir, pelo menos intimidar o crime e punir os criminosos. Essa operação, assim como aquela há algumas semanas atingiu o coração do capital financeiro em SP, mostra como o crime organizado tomou conta do próprio Estado. Como isso aconteceu? Que candidato e partido se dispõem a enfrentar a podridão da democracia que abre as portas para a autocracia? 

Por Daniel Carmgos / Capivara de Paletó  

Minas de corrupção 

Deflagrada pela Polícia Federal na última quarta-feira (17/9/25), a Operação Rejeito revelou um esquema bilionário de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais. A investigação aponta a existência de uma organização criminosa que fraudava processos de licenciamento ambiental e minerário, cooptando servidores públicos, pagando propina e abrindo empresas de fachada para lavar dinheiro.

Foram 22 prisões preventivas e 79 mandados de busca e apreensão. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 1,5 bilhão em bens e a suspensão das atividades de mais de 40 empresas ligadas ao grupo. A PF bateu em portas poderosas: escritórios de advocacia, residências de luxo e até a Cidade Administrativa, sede do governo de Romeu Zema (Novo).

Quem era o líder?

O empresário Alan Cavalcante do Nascimento é apontado pela PF como o chefe de uma rede de mais de 40 empresas usada para movimentar dinheiro e ocultar patrimônio. Documentos judiciais mostram que, depois de se tornar réu na Operação Poeira Vermelha, em 2020, Alan acelerou a criação de sociedades em nome de laranjas para frustrar investigações e manter o esquema ativo.

Alan chegou a comprar imóveis vizinhos a juízas que conduziam ações contra ele: um apartamento no mesmo prédio de uma juíza federal e uma casa em frente à residência de uma juíza estadual. Contei essa história em matéria publicada na Repórter Brasil, onde destaco também que ele arrematou um blazer, um colar e um relógio Rolex por R$ 1,2 milhão durante um leilão beneficente promovido por Neymar.


Alan Cavalcante do Nascimento é apontado pela Polícia Federal como líder de organização criminosa que fraudava licenças ambientais na mineração em MInas Gerais (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Alan foi perfilado pela revista piauí, em outubro de 2023, que descreveu festas em sua mansão de três andares em Maceió (AL), equipada com piscina, heliponto e lago artificial com carpas.

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Até um chefão da PF foi preso

O trem foi tão grande que peixes graúdos foram parar na cadeia. Entre eles, o delegado federal Rodrigo Teixeira, que já foi superintendente da PF em Minas Gerais. Na época, comandou as investigações do atentado a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora e do desastre da Vale em Brumadinho.

Teixeira chegou a ser diretor de Polícia Administrativa da PF em Brasília, número 2 da corporação, até o fim de 2024, no governo Lula (PT). Antes, havia ocupado cargos de confiança em Minas, como secretário adjunto na Prefeitura de Belo Horizonte, na gestão de Alexandre Kalil (PDT), e até a presidência da Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente) no governo Fernando Pimentel (PT).

Segundo a investigação, Teixeira era o administrador de fato de empresas de fachada ligadas ao esquema, participando de decisões estratégicas, convocando reuniões e controlando negócios que lhe renderiam ganhos milionários sem precisar tirar um centavo do bolso.

Interceptações telefônicas mostraram que, ao assumir a diretoria em Brasília, Teixeira estaria “mandando e desmandando na PF”, como disseram em diálogo dois lobistas. Nessas conversas, discutiram inclusive a indicação de nomes para a Superintendência da PF em Minas, de forma a “não complicar a vida da mineração”.

Dobradinha com Pacheco

Outro preso foi o ex-deputado estadual e advogado João Alberto Paixão Lages (MDB), apresentado pela PF como o responsável pela articulação política do esquema. Nas planilhas internas, ele aparecia como “diretor de relações interinstitucionais” da organização criminosa.

Segundo os inquéritos, Lages era o elo com autoridades e órgãos públicos. Foi ele quem abriu portas na Assembleia, em secretarias estaduais e até em conselhos ambientais, garantindo votos e decisões que favoreceram empresas do grupo. Mensagens interceptadas mostram que ele tratava diretamente com dirigentes da Feam, da ANM e até do Iphan, discutindo pagamentos e ajustando pareceres técnicos.

Em 2014, Lages fez campanha para deputado estadual em dobradinha com o senador Rodrigo Pacheco (PSD), que foi eleito deputado federal. O próprio Pacheco aparece como principal doador da candidatura de Lages em 2018, com R$ 67 mil. Contudo, não há qualquer acusação contra Pacheco na Operação Rejeito.

Nas conversas captadas pela PF, Lages era tratado como “chefe” por servidores e até por diretores da ANM, além de ser o responsável por repassar a Alan Cavalcante informações vazadas de operações policiais.

O homem de Silveira na ANM

Também foi preso o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Trivellato Seabra Filho, apontado pela PF como parte do núcleo institucional do esquema. Segundo a Folha de S.Paulo, ele é visto como homem de confiança do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), na agência.

De acordo com as investigações, Trivellato mantinha contato frequente com o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, um dos líderes da organização, a quem se referia como “chefe”.

Há registros de reuniões presenciais e de sua participação em votações que favoreceram uma mineradora, em desacordo com pareceres técnicos da própria ANM. A PF também atribui a ele a prática de retardar processos estratégicos, por meio de pedidos de vista, para alinhar decisões ao interesse da organização criminosa.

Estadão acrescenta que Silveira indicou não só Trivellato para a ANM, mas também o delegado Rodrigo Teixeira para a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e para um comitê da Petrobras. Além disso, Silveira recebeu R$ 100 mil de doação eleitoral em 2022 de Lages. Não há menção, porém, de que tais doações ou nomeações estejam relacionadas diretamente aos fatos investigados na Operação Rejeito.

“Não vou cair sozinho”

Também caiu na rede o ex-presidente da Feam Rodrigo Gonçalves Franco. Ele tinha sido exonerado por Zema quatro dias antes da operação. O secretário de Comunicação do governo mineiro, Bernardo Santos (engenheiro de formação), disse que a saída de Franco foi para evitar riscos em meio a “burburinhos, vamos dizer, fofoca”.

Dias depois, a PF bateu à porta.

Interceptações indicam que Franco recebia propinas regulares e interferia pessoalmente em processos de licenciamento. O colunista Orion Teixeira, do Estado de Minas, revelou que, às vésperas da operação, Franco desabafava dizendo que não queria “cair sozinho”, que apenas “cumpria ordens” e que as decisões vinham “de cima”.

O candidato de Nikolas, Bolsonaro e Cleitinho

Outro preso foi Gilberto Henrique Horta de Carvalho. A PF o aponta como articulador do esquema, Horta ganhou projeção em 2023 ao disputar a presidência do Crea-MG com apoio de Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Cleitinho Azevedo e outros nomes da extrema-direita, que gravaram vídeos pedindo votos.

Ele perdeu a eleição, mas consolidou espaço nesse campo político. Relatei essa história em detalhes em reportagem publicada na Repórter Brasil.


Preso em Operação Rejeito da PF teve apoio de Bolsonaro e Nikolas para o Crea-MG (Imagem: Reprodução/Redes Sociais)

O que dizem as defesas

As defesas dos principais presos tentam reverter as decisões judiciais decorrentes da Operação Rejeito. O ex-superintendente da PF Rodrigo Teixeira alega que as provas são “etéreas”. O ex-deputado João Alberto Lages pede prisão domiciliar por apresentar problemas de saúde. Já o diretor da ANM Caio Trivellato diz que agiu em decisão colegiada e defende que apenas o afastamento do cargo é suficiente. Os detalhes estão nos pedidos de habeas corpus publicados por O Fator.

Evitar a demonização

A Fiemg declarou apoio às prisões, mas emendou críticas ao que chamou de “demonização do setor mineral”. O Ibram, entidade que representa as grandes mineradoras, divulgou nota de “preocupação e repúdio” às práticas de corrupção reveladas pela PF.

Já o governador Romeu Zema só se manifestou mais de 24 horas depois. Em São Paulo, durante um leilão de rodovias, afirmou esperar “punição exemplar” dos envolvidos e disse que a Controladoria do Estado já acompanhava suspeitas sobre o caso. O vice-governador Mateus Simões, sempre eloquente e tido como o homem forte governo, só se manifestou depois do chefe.

Decreto sob medida

Um decreto de Zema publicado em 1º de novembro de 2024, mudou as regras de licenciamento ambiental em Minas. Até então, empresas multadas só conseguiam licença depois de quitar as sanções, detalha a repórter Alessandra Mello no jornal Estado de Minas. Com a alteração, passou a bastar apresentar uma justificativa dizendo não ser responsável pela infração. Segundo as investigações da Rejeito, a manobra foi articulada pelo então presidente da Feam, Rodrigo Franco, e pelo ex-deputado João Alberto Lages.

Mineração sem partido

A Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos).

As ramificações também chegam ao governo petista em Brasília, tiveram apoio de Bolsonaro e muitos foram nomeados pela dupla Zema-Simões. A lama, no caso da mineração, não encontra barragens ideológicas e ajuda a entender por que o setor sempre escapou de controles mais rígidos.

Aliás, uma das matérias de que mais gostei de escrever foi publicada há seis anos, logo depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, com o título: O ‘baile da lama’: as relações entre políticos e mineradoras em uma festa de casamento – e fora dela

Faria Limer

Quem procurar Zema em Minas corre o risco de perder a viagem. Desde que lançou a pré-candidatura à Presidência, ele tem passado mais tempo em São Paulo, circulando pelos arredores da Faria Lima. Foi de lá, inclusive, que se manifestou sobre a Operação Rejeito. Escrevi sobre isso na minha coluna desta semana na CartaCapital, em que mostro como o governador quer privatizar a água dos mineiros.

Timing perfeito

Enquanto Minas encara o maior escândalo de corrupção da mineração em décadas, a Rádio Itatiaia lançou o Eloos, projeto vendido como “espaço de conexão e protagonismo”, mas que funciona como vitrine para bajular mineradoras. O primeiro evento será nesta segunda (22), com Zema e o ministro Alexandre Silveira como estrelas, ao lado da secretária de Meio Ambiente, Marília Melo, em meio à prisão de servidores indicados por ela na Operação Rejeito. Entre os patrocinadores estão Vale, CSN, Samarco, Gerdau, Cedro Participações e até o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)

Estado fraco, lama forte

Pelas redes da Itatiaia, o público não deixou barato. Servidores em greve lembraram os casos de corrupção na área ambiental, denunciaram o sucateamento dos órgãos de fiscalização e ironizaram a ausência de Rodrigo Franco, ex-presidente da Feam, preso na Operação Rejeito.

A paralisação atinge o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), responsável por licenciamento e fiscalização no estado, e é organizada pelo Sindsema, sindicato da categoria. Os grevistas denunciam salários congelados há mais de uma década, a redução de mil servidores desde 2016 e técnicos que chegam a receber menos de um terço do que ganham colegas contratados por mineradoras.

“É um projeto de desmonte para abrir caminho ao lucro de empresas que devastam o território”, resumiu Wallace Oliveira, presidente do Sindsema, em entrevista ao Brasil de Fato.

Cadê o MPMG?

Se teve algo que chamou atenção na Rejeito foi a ausência do Ministério Público estadual. Quem puxou a fila foram os órgãos federais (PF, MPF, CGU e Receita), mesmo com boa parte das denúncias passando por órgãos estaduais. Em grande parte do período investigado quem estava no comando do MPMG era o então procurador-geral de Justiça Jarbas Soares Júnior.

Jarbas pegou duas caronas em jatos do empresário da mineração Lucas Kallas, como revelou a piauíEm julho de 2022, voltou de Miami; em abril de 2023, voou para o Caribe. Jarbas disse para a revista que eram “caronas entre amigos”.

Kallas aparece também nos documentos da Operação Rejeito. Ele tentou negociar US$ 70 milhões em direitos minerários com um braço da organização criminosa, mas o negócio naufragou em briga interna dos próprios investigados.

E tem ainda o registro de uma reunião de Kallas com o delegado Rodrigo Teixeira, que contou também com a presença de Alexandre Kalil e do advogado Gabriel Guimarães, ex-deputado federal pelo PT e filho de Virgílio Guimarães.

Para os investigadores, o encontro tratava de negócios ligados a uma mineradora. Já Teixeira disse que foi apenas uma “conversa informal sobre política”, em meio à pré-candidatura de Kalil ao governo de Minas.

Importante registrar: Lucas Kallas não é alvo da Operação Rejeito. Seu nome aparece nos autos apenas de forma incidental, em razão dessas negociações frustradas e encontros citados pela PF.

CPI na área

Segundo a oposição na Assembleia Legislativa, não faltaram alertas ao governo Zema sobre as irregularidades que culminaram na Operação Rejeito. Foram ações civis, audiências públicas, termos de ajustamento e denúncias formais que acabaram arquivadas ou ignoradas. Os deputados estaduais do bloco Democracia e Luta agora recolhem assinaturas para instalar uma CPI do Meio Ambiente.  

Em três minutos uma lição sobre drogas e capitalismo

Ela, Suzana Herculano-Houzel, não diz, mas para bom entendedor, fica óbvio: a ciência sabe como combater as drogas, esse suposto gigantesco problema social que mobiliza exércitos de recursos e policiais das nações, se a civilização não faz isso é porque não quer, porque drogas são um grande e lucrativo negócio, que interessa muito mais ao capital do que promover esportes, artes e bem-estar para os jovens, que são as presas frágeis desse braço criminoso do capital. Mas, afinal, o capital faz outra coisa, além de cometer crimes? Mais: não é esse um resumo do capitalismo, talvez uma síntese da história humana, se de fato o capitalismo for o fim da linha? O capitalismo é o sistema que proporciona prazer fácil e autodestruidor para o Hs.  

Por que amo Suzana Herculano-Houzel

Mas ela casou com outro. Eu procurava entender como se dão os efeitos do álcool no corpo e cheguei a essa pérola da minha musa da neurociência, a brasileira que já deveria ter sido laureada com um Prêmio Nobel, não sei por que não foi ainda, visto que contou nossos neurônios pela primeira vez e descobriu que são 86 milhões, não 100 milhões, como afirmava a ciência antes dela, mas esse foi só o brilhante começo da sua carreira genial.  

(Publicado na Folha de S. Paulo, em 9 de outubro de 2008. As coincidências: aniversário do John Lennon.) 

Mareada em Veneza 

Suzana Herculano-Houzel

[...] O hipocampo, que serve de agenda com alarme embutido, fica inibido, e por isso o álcool tem efeito ansiolítico, relaxante

Não costumo beber álcool, mas a ocasião era convidativa: nosso primeiro dia de lua-de-mel em Veneza. Sentados à beira do Grande Canal, as silhuetas das gôndolas enfeitando as casas iluminadas, um copo de vinho parecia uma boa pedida.
Mas os efeitos já se anunciavam com meio copo. Os músculos já haviam relaxado e se aquecido, eu tinha a nítida impressão de fazer esforço para manter os movimentos precisos e fluidos, e o sono crescente parecia trazer o chamado do meu travesseiro de umas oito estações de "vaporetto" mais adiante. Meio copo. Ainda encontrei força mental para calcular que, com uns 12% de álcool no vinho, eu não tinha ingerido mais do que uns 10 ml de etanol puro -o correspondente a um tubo pequeno no laboratório, do volume do dedo indicador. Meu marido mal começava a sentir o sabor do vinho, e eu já estava naquele estado patético.
Está certo que mulheres dispõem de quantidades menores de álcool e aldeído desidrogenases, as enzimas que "digerem" o álcool e impedem que ele caia na circulação, mas, pelo jeito, meus níveis dessas enzimas são mínimos, e o álcool rapidamente me sobe à cabeça. Chegando ao cérebro, ele potencializa os efeitos do GABA, substância que funciona como freio natural à atividade dos neurônios. O hipocampo, que serve de agenda com alarme embutido, fica inibido, e por isso o álcool tem efeito ansiolítico, relaxante; o cerebelo e o estriado, estruturas que dependem maciçamente do GABA para ajustar os movimentos, começam a padecer de excesso de inibição, donde a perda da coordenação motora fina e do equilíbrio; a motivação e o alerta minguam, cedendo vez ao sono.
Resultado: assim que chegamos ao hotel, adormeci, de casaco e tudo -mas não sem notar, já com a cabeça no travesseiro, que o quarto "balançava" como o "vaporetto". Meu cerebelo, já com problemas para se ajustar à alternância constante entre o chão sólido e o móvel sob os pés ao longo do dia, agora embriagado, tinha jogado a toalha: eu estava duplamente mareada (mas feliz!).
Parece uma fórmula mágica para relaxar e adormecer -só dura pouco. Acordei no meio da noite sentindo enjôo e mal-estar generalizados, que resultam dos aldeídos da digestão incompleta do álcool. Por isso, um tratamento moderno para o alcoolismo são inibidores enzimáticos, que fazem com que a menor dose de álcool já cause enjôo. É o meu consolo: desse jeito, não há como me tornar alcoólatra.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do saite "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)
 

Música do dia: Hard times (No one knows better than I), Ray Charles

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Operação da PF desbarata "grupos criminosos travestidos de mineradoras"

Operação Rejeito. Mineradoras e autoridades corrompidas comandam a destruição ambiental em Minas Gerais. Conforme diz o delegado, nós sabemos o que significa isso: os crimes de Mariana e Brumadinho, além das ameaças ao Gandarela, à Serra do Curral e muitos outros ambientes. A imprensa, conivente com as mineradoras e subserviente ao dinheiro que vem da sua publicidade e outros agrados, além da própria ideologia neoliberal que têm em comum, não dá à notícia a importância que tem, mas não pode ignorá-la. É a primeira vez que a PF faz uma operação desse porte contra o crime organizado que atua na mineração e tantas desgraças já trouxe e continua trazendo aos mineiros e brasileiros. 

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Jornalismo no coração da Amazônia: 3 anos de Sumaúma

Mais que jornalismo. Salve, Eliane Brum, eleita pensadora do ano (2024) pela revista britânica Prospect.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Calma urgente! Pacificação na era da má-fé

Desde quando escuto, este podcast, que reúne jovens brilhantes, é defensor ferrenho do Lula, mas aos poucos, parece, vai entendendo a história toda. Lá pelas tantas a Alessandra diz que os políticos, inclusive do PT, são todos iguais, que não existe mais ideologia na política. Na discussão sobre a indicação do ministro fux, feita pela ex-presidenta Dilma e apadrinhada pelo José Dirceu (pra gente colocar na conta das incompetências desses dois), o lulolátra Duvivier diz que naquela época não se sabia a importância que tem um ministro do STF para a democracia, no que é contestado pela Alessandra. Eles ainda não tiraram todas as consequências, mas estão aprofundando a discussão. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Um julgamento político

Todos são. Desde o de Sócrates, há 2.300 anos, e o de Jesus Cristo, há 2.000. O impeachment da Dilma foi. O mensalão foi. O impeachment do Collor também foi. O Brasil agora também tem o seu 11 de Setembro, a exemplo do Chile e dos EUA, mas o nosso é edificante para a democracia. Suscita várias reflexões e a primeira é sobre continuidade da própria democracia, que deu sua segunda demonstração de vigor, ao condenar à prisão militares golpistas pela primeira vez; a primeira demonstração de vigor foi o próprio desfecho da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. As análises agora vão focar nas repercussões do julgamento sobre a candidatura da extrema direita na eleição presidencial do ano que vem. Eu sou pessimista. Penso que, a despeito dos fatos, há um movimento social profundo que encaminha as massas populares para a direita e esse movimento deve favorecer o candidato da oposição da extrema direita, seja ele qual for. Lula será o candidato do sistema mais uma vez. Não há, por enquanto, candidato de oposição da esquerda. A tragédia brasileira do século XXI é que a esquerda não tem um projeto hegemônico. Os projetos de esquerda, dos quais o do Ciro Gomes, é o mais visível, assim como no passado foi o do Brizola, não conseguiram se impor ao que se tornou o projeto hegemônico da nossa época, que foi o neoliberalismo, e que se personificou na liderança política do Lula. Sem um projeto de esquerda vigoroso, as insatisfações populares são despejadas na esperança com candidatos de direita, como aconteceu na inimaginável eleição de 2018. A esquerda brasileira, depois do vigoroso movimento de massas iniciado nos anos 1970 e que levou ao fim de 21 anos de ditadura militar, optou por concentrar toda sua força na eleição do Lula, mas Lula e o PT caminharam cada vez mais para o centro, adotaram o projeto neoliberal e se converteram no próprio partido da ordem burguesa, ao mesmo tempo em que se afastaram das massas populares, cada vez mais conquistadas pelo movimento evangélico de extrema direita. Seja como for, a Era Lula está prestes a terminar. O presidente completa 80 anos no mês que vem e, dependendo do que virá, pode vencer a eleição de 2026 e começar um novo mandato, quem sabe encerrá-lo na glória, como aconteceu em 2010, quem saber encerrar sua carreira política com uma derrota. O julgamento do ex-presidente ex-capitão coloca o ministro Alexandre de Moraes na posição de herdeiro do Lula como líder do, digamos, centro democrático. Essa é a ideologia prevalecente no Brasil hoje, à qual adere pela primeira na história a imprensa empresarial, depois da traumática experiência no governo do bozo. A prisão do seu expoente máximo é um golpe duro para a extrema direita e projeta o Brasil mundialmente como nação democrática, o que não é pouca coisa na atual conjuntura e uma novidade na nossa história. Oxalá todas as frustrações das últimas décadas tenham essa compensação: uma democracia estável, capaz de resistir não só às turbulências de um governo de extrema direita e novas investidas militares, mas também a um posterior renascimento da esquerda. O fato que não se pode negar é que, graças ao STF, em especial ao ministro Moraes, mas também aos votos firmes da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Dino e Zanin e às manifestações do presidente Barroso e do ministro Mendes, o nosso 11 de Setembro será uma data a ser celebradas pela democracia, ou melhor, pelo que hoje chamamos de democracia. Democracia que tem muito a avançar para que possa ser realmente chamada assim, mas isso cabe ao povo fazer. Antes, porém ele precisa ser reconquistado pela esquerda. Faltou falar da figura lamentável do julgamento, o ministro fux. Acovardou-se diante das ameaças da extrema direita local e ianque, apostou na continuidade das coações do governo norte-americano e na vitória da extrema direita em 2026. Cometeu um crime mortal: traiu o espírito de corpo, os seus pares no STF. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

11 de Setembro

A "mídia" não fez o mesmo estardalhaço quando o terrorismo foi no Chile, 28 anos antes. Os episódios têm ligações. O terrorismo oriental tem a ver com o terrorismo ianque. As pessoas que ignoraram o terrorismo no Chile ficaram horrorizadas com o terrorismo nos EUA. Diziam que se sentiam em um filme, tamanho o horror. Entretanto não são capazes de aprender e mudar, não compreendem que o terror continua, que é muito maior hoje do que há 24 anos e que contribuímos para ele aderindo ao capitalismo. A tragédia humana é uma tragédia anunciada. 

11 de Setembro de 1973.   11 de Setembro de 2001.

Música do dia: Todo mundo vai ao circo, com Batatinha e Dona Ivone

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Influenciadores "marxistas"

Acompanho muitos podcasts, há uma efervescência de discussões na internet, especialmente no YT. São os revolucionários de redes sociais. Me distraio, me informo, admiro muitos participantes, “influenciadores”, mas minha admiração é limitada. Quer dizer, minha admiração considera o que as pessoas fazem, não o que dizem. Um dos influenciadores mais destacados, por exemplo, é um brilhante artista, ator, escritor, mas será que ele quer mudar o mundo, acabar com o capitalismo, salvar o ambiente, criar o socialismo que só pode ser ambientalista? Acho que não, porque não age para isso, acho que o que ele quer é viajar, apresentar seus espetáculos, ser admirado e aplaudido, ganhar dinheiro para manter sua arte, enfim, continuar levando uma boa vida no sistema capitalista.

E assim vai, influenciador após influenciador; todos estão sobrevivendo, o que significa ganhando dinheiro e mantendo vivo o sistema capitalista, produzindo entretenimento na internet. O conhecimento que difundem e a consequente elevação da consciência do público, se é que acontece, corresponde à formação de uma ideologia, mas que ideologia é essa? A que ela leva? No caso do podcast citado, não é muito mais do que condenar a extrema direita e apoiar o Lula, ou rejeitar o sionismo e apoiar os palestinos.

O que eu quero dizer é que não existe um horizonte, uma estratégia, um projeto do que se chama de esquerda e reverencia o pensamento marxista. As críticas, as análises, as discussões que acontecem na internet, inúmeras, não levam a um plano para mudar a sociedade, extinguir o capitalismo e criar o socialismo, embora todos se digam revolucionários ou pelo menos reformistas, comunistas ou socialistas. Todos estão extremamente preocupados com a sociedade, mas cuidam só das suas vidas individuais, todos estão apavorados com o futuro, mas se ocupam de gozar o presente, todos, enfim, se dizem socialistas, mas vivem vidas capitalistas.

Ok, no capitalismo só se pode viver de forma capitalista, mas é preciso reconhecer então que nada fazemos para a acabar com o capitalismo, ao contrário, estamos contribuindo para sua continuação e para a barbárie à qual ele nos conduz. A internet é um interessante meio de difusão de conhecimentos, mas a transformação social é outra coisa, não será feita por multidões de seguidores lideradas por influenciadores. Ou será? Penso que a "revolução" precisa ser feita por pessoas reais, em relações sociais reais, em ambientes reais. Mais do que isso: é preciso ter instituições concretas, formas de organização de pessoas físicas, na sociedade real. E mais ainda: é preciso ter um plano, um projeto para a sociedade, um programa bem concreto contemplando tudo que se quer mudar, com soluções melhores do que o conforto destruidor da civilização capitalista. Quem tem esse plano?