Ao final do programa, cujo nome não merece iniciais maiúsculas, fiquei me perguntando de que adianta Ciro Gomes ser a melhor cabeça da nossa geração, o político mais qualificado das últimas décadas, se não conseguir chegar à presidência da República.
Eu nem escreveria, porque não vejo o roda viva há muitos e muitos anos. Não é de hoje, o que já foi um excelente programa de entrevistas foi degradado pelo jornalismo de esgoto e pela manipulação política, a ponto de a Rede Minas há alguns anos ter criado um similar local, que não sobreviveu à atual administração do estado. E agora nem o entrevistado está presente no centro da roda, situação que matou o clima da entrevista. O nível dos apresentadores caiu e continua medíocre, embora tenha sido muito pior em fases anteriores, mas desanimadora mesmo é a bancada, porque ao escolhê-la o programa define o nível das perguntas. Foi o que vimos ontem.
A situação do Brasil é trágica. Estamos vivendo a pior crise das nossas vidas e para enfrentá-la temos o pior governo que já tivemos em todos os tempos. Era de se esperar um programa sério, que considerasse isso.
Eu poderia escrever um libelo irado contra o jornalismo
de esgoto, mas tudo já foi dito sobre isso, eu inclusive já escrevi
muito. Poderia escrever um comentário como Glenn Greenwald: "Foi assustador (assistir às perguntas dos jornalistas do roda viva)". Poderia analisar o comportamento da bancada do rd, um programa tucano numa emissora politizada pelos tucanos que governam SP: agora que até o governo do capitão excluído vai convocar médicos cubanos e que a direita diz que o governo acabou, é compreensível que ela assuma a nova missão de desgastar um político que pode despontar como alternativa. É possível e até provável que tenha sido esse o objetivo da escolha do líder pedetista para a entrevista de ontem -- nenhum nome é escolhido ao acaso.
O que me interessa, porém, é o principal, e o principal não é a imprensa
decadente, não são os jornalistas que desmerecem a profissão. O principal é que Ciro Gomes é o político que poderia começar a nos tirar
desse pesadelo em que nos meteram o governo Dilma, o golpe de 16 e o
desgoverno do capitão excluído.
Liguei a televisão porque queria ouvir o que ele
tinha a dizer sobre o pesadelo e esperava ouvir suas propostas; para sentir alguma
esperança, enfim. E porque pensei que o roda viva tinha superado a fase
esgoto, já que o esgoto agora é o próprio país, e até a Globo dá mostras
de que, pela primeira vez na oposição, tenta começar uma nova fase. O
que vi, a partir do segundo bloco (infelizmente, ou felizmente, perdi o
primeiro), no entanto, foi o de sempre.
E então, ao
final, depois de passar uma hora sem acreditar naquela sucessão de
perguntas despropositadas e irrelevantes, abandonei o que não tem
importância e fiquei pensando no Ciro. Na sua idade, com toda sua
experiência política, ele não tem direito de cair em armadilhas desse tipo. Com sua inteligência e seus grandes propósitos, ele não tem direito de se perder diante de ideias minúsculas e pessoas insignificantes.
Fiquei pensando se ele não tem
assessoria de imprensa, se não se preparou para a entrevista.
Humildemente, conhecendo a imprensa como conheço, tendo a mesma idade
que ele, e até um pouco mais velho, e sem ter nem um centésimo da
experiência política que ele tem, penso que deveria ter outro
comportamento: ir com determinação de não perder a paciência com
provocações, ignorâncias e mediocridades; manter o bom humor; responder
brevemente as perguntas afirmando sua irrelevância e passando ao que tem
importância; perguntando, ao ser interrompido, quem era o entrevistado,
se queriam ouvi-lo ou não; ensinando o que é importante discutir no
Brasil hoje, e passando ao que tem a dizer, independentemente de
perguntas, falando para os telespectadores (povo, eleitores) e não aos
jornalistas da bancada. Dando o exemplo do comportamento que o país precisa e espera, depois de seis anos de intolerância, violências, desgoverno, abismo. Poderia reverter o circo que foi montado para ele e brilhar no picadeiro. Talvez estivesse numa noite ruim (e eu perdi o começo, que talvez tenha esclarecido alguma coisa), mas por isso mesmo precisava ter sabedoria.
Eu entendo que um brasileiro de
bem, hoje, perca a paciência diante da boçalidade que
domina os quatro poderes, mas lamento que Ciro Gomes tenha perdido a oportunidade que perdeu ontem. E espero que consiga
superar seus defeitos evidentes, a ira e a soberba, para fazer
prevalecer suas qualidades, e conquistar os
votos da maioria em 2022. Para o bem das novas gerações. E se houver 2022.