Desmatamento e violações aos direitos humanos atingiram o recorde no
governo Bolsonaro; a democracia, desprezada em discursos das
autoridades, sofreu com o desmantelamento das instituições e a
perseguição à imprensa.
O ano que pôs o jornalismo à prova
A violência de discurso contra mulheres, gays,
indígenas, quilombolas, nordestinos – e contra a própria imprensa – fez
soar o alarme ainda na campanha eleitoral. Se o presidente Jair
Bolsonaro ganhasse, teríamos um governo de extrema direita e
radicalmente misógino, como notou o intelectual português Manuel Loff .
Na redação, nos preparamos para uma cobertura ampla do governo de um
candidato eleito sob o símbolo das armas, com a marca do autoritarismo, e
que, como estratégia de comunicação com a sociedade, promovia a
perseguição aos jornalistas – e aos fatos – e elegia como missão o
ataque à cultura, aos movimentos e às organizações sociais.
Uma
de nossas primeiras reportagens do ano mostrou o desvirtuamento do
Ministério de Direitos Humanos, que passou a se chamar Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ao ser liderado por uma
pastora que defende a imagem bíblica da “mulher virtuosa”, submissa ao
homem e desinteressada de seus direitos. Seus secretários foram
escolhidos entre evangélicos e católicos militantes, contrários aos
direitos LGBT e ao aborto. Um general, que se posicionou contra a
Comissão da Verdade, passou a presidir a Comissão da Anistia.
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do que viria. Em abril, o ministério foi acusado de impedir inspeções a
presídios no Ceará pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção ao
Combate à Tortura, demitidos em massa por Bolsonaro dois meses depois.
Os conselhos que contavam com a participação da sociedade civil, entre
eles o do trabalho escravo, foram extintos. A promessa de combater a
violência contra a mulher traduziu-se na prática em desmonte dessas
políticas, abandono da rede de proteção e criminalização das vítimas. Um
exemplo contundente: confrontada com o holocausto das meninas
estupradas na Ilha de Marajó, Damares atribuiu o problema ao fato de as
meninas “não usarem calcinha”. A reportagem da Pública visitou a região e
mostrou problema bem diverso e complexo, que a ministra deveria
conhecer.
“Terrivelmente evangélica”, Damares ampliou
sua cruzada para além das atribuições do ministério. Atuou nos
bastidores da eleição do Conselho de Psicologia por uma chapa pró-cura
gay, que acabou perdendo. Entregou a tarefa de fazer o texto-base do 4o
Plano dos Direitos Humanos à Anajure – Associação Nacional de Juristas
Evangélicos. Damares foi uma das fundadoras da associação, que reúne
cerca de 700 juristas e faz lobby no Congresso e nas audiências do STF
em prol das bandeiras das igrejas evangélicas. Sua próxima façanha pode
ser a nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, como
prometeu o presidente Bolsonaro. O plano de poder dos evangélicos, como
vem mostrando o projeto Transnacionais da Fé, uma colaboração entre
jornalistas de 16 países sob a liderança da Escola de Jornalismo da
Universidade Columbia, é continental. E é impulsionado pelos Estados
Unidos de Trump.
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