Ontem, enquanto o Flamengo comemorava os títulos brasileiro e da
Libertadores, a Câmara aprovou a transformação dos clubes em empresas.O brasileiro é basicamente um povo que abdica, como talvez nenhum outro, de construir a sua nação.
A Cemig e o Cruzeiro
“O
povo que abdica do seu direito não pode queixar-se dos seus
opressores.” (Luís Felipe de Saldanha da Gama, 7 de dezembro de 1893.)
Nesta
quarta-feira 27/9/17 dois acontecimentos importantes aconteceram para
Minas Gerais. O primeiro foi o leilão de quatro usinas hidrelétricas da
Cemig – Companhia Energética de Minas Gerais pelo governo federal; o
segundo, a conquista da Copa do Brasil pelo Cruzeiro sobre o Flamengo,
nos pênaltis. A vitória do clube belo-horizontino, tarde da noite,
mobilizou e foi festejada com foguetes por uma quantidade tão numerosa
de torcedores que, se quisessem, sozinhos, eles teriam derrubado o
presidente golpista Temer. Ainda agora, no dia seguinte, espocam
foguetes e ecoam gritos de torcedores. Já a venda das usinas da Cemig
foi ignorada.
Os mineiros assistiram impassíveis à entrega a
investidores chineses de hidrelétricas construídas com recursos,
tecnologia e mão de obra nacionais, ao longo de seis décadas, para gerar
energia para o estado e para o país. Sem as usinas, a Cemig, uma
estatal gigante do setor, criada nos anos 50 do século passado para
promover o desenvolvimento de Minas e do Brasil, torna-se uma empresa
menor, quase anã. O preço da hidreletricidade fornecida aos mineiros e
brasileiros tende a aumentar e a participação do negócio energia no
desenvolvimento tende a diminuir. O governo federal vendeu as usinas
para fazer caixa e pagar suas contas do ano, como quem vende o
apartamento em que mora para pagar a taxa de condomínio e as contas em
atraso.
Um terceiro fato importante aconteceu no mesmo dia: o
Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou por 6 votos a 5, com o voto de
minerva da presidenta Cármen Lúcia, mineira, o ensino religioso nas
escolas públicas.
Vale lembrar que na Monarquia brasileira o
Estado e a religião católica estavam unidas, o catolicismo era religião
oficial e o imperador era o chefe da igreja. A República, implantada a
partir de 1889, separou Estado e religião, estabeleceu o Estado laico.
Estamos voltando, portanto, 128 anos depois, ao século XIX. O golpe em
curso no Brasil, desde 2016, faz a nação retroceder aceleradamente a
etapas superadas do seu desenvolvimento. Neste caso, ao século XIX; no
caso das riquezas nacionais, o retrocesso é ainda maior: voltamos ao
período colonial, aos tempos anteriores à chegada da família real
portuguesa ao Brasil, em 1808.
Observo também alguns detalhes
significativos que expressam a extensão do golpe. O golpe não é só do
presidente ilegítimo Temer, nele estão envolvidas todas as instituições
republicanas: os governos estaduais, o judiciário, o legislativo, o
empresariado, a imprensa.
O governador, Fernando Pimentel, do PT,
fez pronunciamento divulgado em vídeo lamentando a venda das usinas e
afirmando que o tempo dirá se foi boa para o Brasil, que com certeza não
foi para Minas. Ponto final. Em outros tempos, quando o então
presidente FHC quis vender Furnas, o governador Itamar Franco respondeu
que reagiria com armas.
Quem não reage ao golpe também participa dele.
O
golpe contra o caráter laico do Estado foi dado pelo STF. O golpe
primeiro, da destituição da presidente Dilma, foi dado pelo Congresso. O
golpe antes do golpe, a não aceitação do resultado da eleição, foi dado
pelo candidato derrotado, pelo então principal partido de oposição. O
golpe da “legitimação popular” foi dado nas ruas pela minoria derrotada
nas urnas. A mobilização popular para apoio ao golpe foi estimulada pela
imprensa. O golpe de destruição do principal partido político nacional e
do maior líder da história brasileira foi feita pelo Judiciário, pela
Procuradoria Geral da República, pelo Ministério Público, pela Polícia
Federal e pela imprensa.
É da cultura dos brasileiros se
mobilizarem no futebol e no carnaval e ignorarem a política. Faz parte
da cultura dos brasileiros agirem apaixonadamente na vida privada e com
apatia na vida pública. É claro que o espaço que os brasileiros do povo
não ocupam na política é ocupado por outros brasileiros, das elites
econômicas e sociais.