sábado, 21 de março de 2020

O mercado nos salvará da pandemia?

Neoliberais nos dizem que a pandemia é bobagem, neopentecostais afirmam que é coisa de Satanás. Para serem coerentes, neoliberais e neopentecostais deveriam continuar tocando o barco como pregam, esperando que o mercado resolva os problemas econômicos e o esforço individual seja recompensado, conduzindo-nos ao paraíso da prosperidade. No entanto, os neoliberais já apelam para o Estado e até abandonam a "responsabilidade fiscal", em nome da qual, há menos de quatro anos, derrubaram uma presidenta reeleita. Neopentecostais continuam convocando multidões para cultos -- resistirão à ordem do Estado contra aglomerações? Por coerência, deveriam liderar a desobediência civil, pois sustentam que a pandemia é coisa de Satanás e que a prece coletiva guiada pelo pastor os salvará. Assim como os neoliberais, também por dever de coerência, deveriam deixar que os planos de saúde privados -- e não o SUS -- combatam a pandemia, sem interferência do Estado.

terça-feira, 17 de março de 2020

'Acabou. Você não é presidente mais, você não é presidente mais'

Mais um lamentável roda viva

Ao final do programa, cujo nome não merece iniciais maiúsculas, fiquei me perguntando de que adianta Ciro Gomes ser a melhor cabeça da nossa geração, o político mais qualificado das últimas décadas, se não conseguir chegar à presidência da República.

Eu nem escreveria, porque não vejo o roda viva há muitos e muitos anos. Não é de hoje, o que já foi um excelente programa de entrevistas foi degradado pelo jornalismo de esgoto e pela manipulação política, a ponto de a Rede Minas há alguns anos ter criado um similar local, que não sobreviveu à atual administração do estado. E agora nem o entrevistado está presente no centro da roda, situação que matou o clima da entrevista. O nível dos apresentadores caiu e continua medíocre, embora tenha sido muito pior em fases anteriores, mas desanimadora mesmo é a bancada, porque ao escolhê-la o programa define o nível das perguntas. Foi o que vimos ontem.

A situação do Brasil é trágica. Estamos vivendo a pior crise das nossas vidas e para enfrentá-la temos o pior governo que já tivemos em todos os tempos. Era de se esperar um programa sério, que considerasse isso.

Eu poderia escrever um libelo irado contra o jornalismo de esgoto, mas tudo já foi dito sobre isso, eu inclusive já escrevi muito. Poderia escrever um comentário como Glenn Greenwald: "Foi assustador (assistir às perguntas dos jornalistas do roda viva)". Poderia analisar o comportamento da bancada do rd, um programa tucano numa emissora politizada pelos tucanos que governam SP: agora que até o governo do capitão excluído vai convocar médicos cubanos e que a direita diz que o governo acabou, é compreensível que ela assuma a nova missão de desgastar um político que pode despontar como alternativa. É possível e até provável que tenha sido esse o objetivo da escolha do líder pedetista para a entrevista de ontem -- nenhum nome é escolhido ao acaso.

O que me interessa, porém, é o principal, e o principal não é a imprensa decadente, não são os jornalistas que desmerecem a profissão. O principal é que Ciro Gomes é o político que poderia começar a nos tirar desse pesadelo em que nos meteram o governo Dilma, o golpe de 16 e o desgoverno do capitão excluído.

Liguei a televisão porque queria ouvir o que ele tinha a dizer sobre o pesadelo e esperava ouvir suas propostas; para sentir alguma esperança, enfim. E porque pensei que o roda viva tinha superado a fase esgoto, já que o esgoto agora é o próprio país, e até a Globo dá mostras de que, pela primeira vez na oposição, tenta começar uma nova fase. O que vi, a partir do segundo bloco (infelizmente, ou felizmente, perdi o primeiro), no entanto, foi o de sempre.

E então, ao final, depois de passar uma hora sem acreditar naquela sucessão de perguntas despropositadas e irrelevantes, abandonei o que não tem importância e fiquei pensando no Ciro. Na sua idade, com toda sua experiência política, ele não tem direito de cair em armadilhas desse tipo. Com sua inteligência e seus grandes propósitos, ele não tem direito de se perder diante de ideias minúsculas e pessoas insignificantes.

Fiquei pensando se ele não tem assessoria de imprensa, se não se preparou para a entrevista. Humildemente, conhecendo a imprensa como conheço, tendo a mesma idade que ele, e até um pouco mais velho, e sem ter nem um centésimo da experiência política que ele tem, penso que deveria ter outro comportamento: ir com determinação de não perder a paciência com provocações, ignorâncias e mediocridades; manter o bom humor; responder brevemente as perguntas afirmando sua irrelevância e passando ao que tem importância; perguntando, ao ser interrompido, quem era o entrevistado, se queriam ouvi-lo ou não; ensinando o que é importante discutir no Brasil hoje, e passando ao que tem a dizer, independentemente de perguntas, falando para os telespectadores (povo, eleitores) e não aos jornalistas da bancada. Dando o exemplo do comportamento que o país precisa e espera, depois de seis anos de intolerância, violências, desgoverno, abismo. Poderia reverter o circo que foi montado para ele e brilhar no picadeiro. Talvez estivesse numa noite ruim (e eu perdi o começo, que talvez tenha esclarecido alguma coisa), mas por isso mesmo precisava ter sabedoria.

Eu entendo que um brasileiro de bem, hoje, perca a paciência diante da boçalidade que domina os quatro poderes, mas lamento que Ciro Gomes tenha perdido a oportunidade que perdeu ontem. E espero que consiga superar seus defeitos evidentes, a ira e a soberba, para fazer prevalecer suas qualidades, e conquistar os votos da maioria em 2022. Para o bem das novas gerações. E se houver 2022.


terça-feira, 10 de março de 2020

O novo paradigma da comunicação

OBS: O texto ("post") abaixo, com o título acima, foi publicado no dia 12 de outubro de 2009, há dez anos e cinco meses, portanto. Continua correto. Passada uma década, o que era bom não aconteceu como poderia e o que era ruim aconteceu em escala maior. O que eu não imaginei, porque estava só começando, é que as redes sociais seriam os veículos da nova comunicação, transformando empresas como Facebook em potências mundiais. Mudou sobretudo o cenário político, com a ascensão da direita neoliberal e autoritária, que, derrotada seguidamente pelo voto popular, perseguiu e derrubou a esquerda em golpes via poderes judiciário e legislativo. E que nesse processo foi ela, muito mais do que a esquerda, quem soube usar a nova comunicação.  


O jornalista é um animal em extinção, porque demora a se adaptar às novas e revolucionárias condições de exercício da profissão

O jornalismo está mudando e o jornalista será talvez um dos últimos a perceber isso. Nós, que já denunciamos tantas espécies ameaçadas de extinção, não percebemos que somos uma também. Não me refiro ao fim da exigência do diploma, decretada por Gilmar, O Supremo, embora essa decisão reforce a tendência. Também não estou me referindo à péssima qualidade do jornalismo praticado do país, que, eliminando a reportagem, elimina também o repórter. Estou me referindo à internet.

A internet está criando um novo paradigma de comunicação. Quando as pessoas trocam um sistema por outro, quando este outro perde adeptos enquanto o novo prospera, há uma mudança de paradigma. É o que está acontecendo na comunicação. Rapidamente a internet está substituindo jornais, revistas, televisões e rádios como principal meio de comunicação. O modelo antigo tinha três características principais: 1) a propriedade dos meios de comunicação concentrada em grandes empresas; 2) a produção da informação por jornalistas profissionais; 3) o consumo de informações pelo público.

A internet subverteu esse modelo. Hoje, para produzir e difundir informações não é preciso mais ser dono de um jornal ou revista, concessionário de emissoras de tevê e rádio, não é preciso contratar uma grande equipe de profissionais, não é preciso gastar com a distribuição da publicação ou com a transmissão de sons e imagens. Não dependemos mais dos empresários (pelo menos do empresário tradicional da comunicação) para escrever, publicar e chegar ao leitor. Qualquer jornalista pode ter seu blog – seu jornal.

Também não é preciso ser profissional para produzir informações. Não é só o jornalista que pode ter seu blog, é qualquer pessoa. Qualquer pessoa reproduz informações e as distribui por meio do correio eletrônico, qualquer pessoa escreve textos e os distribuem aos amigos e conhecidos, entra em blogs e portais, comenta, critica e interfere na informação. Qualquer pessoa com um celular pode fotografar ou filmar um fato jornalístico e colocá-lo na rede com enorme repercussão. Todo mundo pode escrever, todo mundo pode participar da produção da informação.

Jornalismo se tornou uma atitude.

É por isso que o jornalista está em extinção. O jornalista tradicional, é claro. Continua existindo espaço e função para o jornalista – em certa medida, a internet ampliou extraordinariamente o “mercado” para o jornalista profissional, uma vez que, agora, qualquer organização pode tem seu próprio veículo de comunicação e falar diretamente ao seu público, sem depender da intermediação dos jornais, revistas, televisões e rádios.

Esse novo profissional, porém, não é mais o autor solitário da informação, não é o dono da verdade, não é o sujeito que seleciona o que o leitor vai ler (os donos dos veículos tradicionais fazem ainda uma triagem da triagem, seja na edição, seja na pauta, seja na “linha editorial”, seja na “falta de espaço”, seja na censura mesmo). Ele precisa trabalhar em cooperação permanente com o leitor. O novo jornalismo é um jornalismo colaborativo, no qual, além de produzir informação, o jornalista atua como intermediário, em contato com os leitores e as fontes, que também se misturam.

Agilidade, competência e conhecimento para produzir a informação correta de forma colaborativa com o leitor é o lema deste novo jornalismo. Na ausência de jornalistas formados ou profissionais atualizados, o novo paradigma se impõe com leigos, no fenômeno dos blogs. O melhor exemplo disso é o blog do Luís Nassif, certamente o jornalista brasileiro que melhor compreendeu e põe em prática o novo modelo, cercado de uma comunidade de leitores qualificados que já ultrapassou 6 mil membros, no momento em que escrevo. Em contraposição, sindicatos e Fenaj, que não criam nem estimulam a criação de jornais de jornalistas na internet, se comportam como pássaros de gaiola, que veem a portinha aberta, mas não sabem mais voar. São sindicatos de um animal em extinção.