sábado, 20 de outubro de 2018

Notícia do dia: TRT-MG condena mineradora por tentar obrigar funcionários a votar em Bolsonaro

Flapa Minerações e Incorporações, por intermédio de um comunicado afixado no mural da empresa, cobrou que os trabalhadores votassem no candidato militar.

Da revista Fórum.

O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) condenou a Flapa Minerações e Incorporações por tentar direcionar o voto de seus funcionários. A empresa, por intermédio de um comunicado afixado em seu mural, cobrou que os trabalhadores votassem em Jair Bolsonaro (PSL). O TRT puniu a empresa, obrigando-a a se retratar e terá que pagar multa diária de R$ 500 mil, no caso de descumprimento da decisão.

Na avaliação de Clarice dos Santos Castro, juíza da 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a ação consiste em “abuso do poder diretivo e da posição hierárquica” e leva os funcionários a “temerem por seus empregos, fazendo com que sejam potenciais alvos de pressões psicológicas das mais variadas espécies”.

A punição, segundo ela, tem o objetivo de demonstrar a “impossibilidade e ilegalidade de se realizar campanha pró ou contra determinado candidato, coagindo, intimidando, admoestando ou influenciando o voto de seus empregados, com abuso de poder diretivo”.

(Clique aqui para ler o original.)

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A geléia geral brasileira e a extrema direita

Matéria de Ana Virgínia Balloussier na Folha de hoje (30/5) diz que "extrema direita" rompeu com Scherazade, Constantino e MBL, antes seus gurus, porque estes criticaram a greve dos caminhoneiros. Bolsonaro, o candidato da extrema direita, apoiou a greve.
Quem é extrema direita então? Bolsonaro, Scherazade ou MBL? Os caminhoneiros? Ou a Folha, a Globo, o Estadão?
Por mais baixarias que Bolsonaro diga e faça, ele é só um político. E os militares estão se comportando de forma exemplar. Quem manda no Brasil, acima de todas as leis e adversários ou aliados, são a globoetc., os banqueiros e os juízes.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/mbl-princesa-do-conservadorismo-e-comandante-viram-alvo-da-direita.shtml?loggedpaywall

'Irmãos produtores de proteína', 'terroristas', repasse de custos, intervenção militar: fazendeiros divergem no apoio à greve

A matéria mais interessante hoje vem da Folha de São Paulo. Diz que houve bate-boca numa reunião de "ruralistas" (que será isso?) em Brasília ontem (29/5).

Donos de frigoríficos reclamaram que fazendeiros estão levando comida para os caminhoneiros na estrada. Disseram que seus bichos estão morrendo de fome por falta de ração. Difícil acreditar nisso: fazendas não têm estoque de comida para porcos e aves? Fazenda é que nem nem montadora de carros, produção just in time? Uau! Moderno demais! Será que eles querem que os caminhoneiros também morram de fome na estrada?

Produtor de soja que estava apoiando a greve agora está contra, diz que o tabelamento dos fretes que o governo concedeu aos caminhoneiros será repassado para ele.

Informação interessante: os "ruralistas" são contra a bandeira da "intervenção militar" que alguns grevistas levantam.

E uma curiosidade: um produtor de algodão (todos na reunião eram presidentes de alguma entidade de "produtores") chamou outros de "irmãos produtores de proteína". 

Mas o mais interessante mesmo são as estimativas de perdas. Só ingênuos acreditam nos números divulgados pela globoetc., assessoria de imprensa do governo e "setor produtivo". E a matéria da Folha comprova isso, ao dar novos números. É tudo especulação, tudo chute para criar manchete e assustar o leitor -- que, aparentemente, não faz parte do "setor produtivo". 

O link da matéria:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/ruralistas-batem-boca-em-reuniao-tensa-sobre-apoio-aos-caminhoneiros.shtml

As perdas bilionárias do 'setor produtivo'

Da série "peculareidades da imprensa capitalista".

"Setor produtivo tem perdas bilionárias com greve", diz O Globo na sua manchete de hoje (30/5). E eu fico pensando no que será "setor produtivo". Será que eu faço parte do setor produtivo? O leitor fará? O leitor, digamos, caminhoneiro, a leitora dona-de-casa, o leitor porteiro, a leitora cabeleireira, o leitor motorista de ônibus, a leitora professora, o leitor petroleiro, o leitor jornalista...

Lá dentro a notícia tem outro título, que nos dá pistas do que O Globo chama de "setor produtivo": "Da agricultura à aviação, todos os segmentos contabilizam prejuízos com greve dos caminhoneiros". Parece que não, os leitores citados não fazem parte do setor produtivo. Seremos então parte do setor improdutivo? Existe mais algum setor, que não seja produtivo ou improdutivo?

Se o leitor não faz parte do "setor produtivo", terá tido perdas? O Globo não as contabilizou pelo visto. Por quê? Ou será que quem não faz parte do "setor produtivo" não tem perdas? Ou essas perdas não importam?

De qualquer forma, a preocupação do O Globo com as "perdas bilionárias" do "setor produtivo" e seu desinteresse pelo leitor ficam na minha cabeça.

Para quem quiser ler a pérola, o link é este:
https://oglobo.globo.com/economia/da-agricultura-aviacao-todos-os-segmentos-contabilizam-prejuizos-com-greve-dos-caminhoneiros-22730910

terça-feira, 29 de maio de 2018

Manifestação, Anistia Internacional

A esperança está presa

O país afunda em crise sem perspectivas. Alguns se apegam à eleição presidencial, mas o povo – os caminhoneiros e aqueles que vão ao seu encontro apoiá-los – não acredita que ela vá resolver a situação. Mesmo porque todas as pesquisas mostram que Lula é o preferido, e o prenderam para que não seja candidato. Ou seja, para a maioria a eleição não é esperança, a esperança é Lula, a esperança está presa.

Quem não vê isso não vê o Brasil. Aliás, isso vale também para o PT. O PT não vê o Brasil, não entende a greve dos caminhoneiros. Os olhos do PT são Lula, o PT está cego porque Lula não pode ver o povo. E o que vemos nós? Uma esquerda apegada desesperadamente a Lula, a maioria do país esperando que Lula a salve. E outra parte minoritária, que se mobiliza, faz barulho e tem apoio da globoetc., de empresários, de castas do serviço público e do governo americano, que perdeu a última eleição e deu o golpe, mas não se entende, é incompetente para governar, faz um governo antipovo, antinacional, essa parte minoritária odeia Lula. E ela está no poder, representada por Temer e sua quadrilha. E esse governo corrupto e incompetente enfiou o Brasil no buraco.

E agora aparecem as consequências, nessa greve sem precedentes dos caminhoneiros, que parou o Brasil, que revelou quanto o país depende do transporte rodoviário de cargas. Praticamente todos os setores foram atingidos. E já há desabastecimento, risco para setores essenciais, perdas econômicas gigantescas. E a crise é tão profunda que mesmo o governo cedendo em tudo a greve continua, porque a insatisfação supera o problema do preço do diesel e da gasolina, e chega à situação geral do país. E quando os caminhoneiros estão voltando ao trabalho outras categorias aderem à paralisação.

Nenhuma categoria tem o impacto que têm os caminhoneiros, mas se estes não voltarem as adesões podem levar a uma greve geral como nunca aconteceu antes. Por isso o candidato da extrema direita, apoiado por parte dos caminhoneiros, já falou que a greve tem que acabar. E um dos “líderes” dos caminhoneiros denunciou “infiltração” no movimento.

Para onde vai o Brasil? O golpe criou uma situação pré-revolucionária, que pode ser vista na anomia, na falência das instituições políticas, na desorganização da economia, no desemprego, na miséria, na perda de direitos, na violência, na criminalidade, na falência dos partidos, dos políticos, das lideranças sociais.

O exército é uma ilusão, ele não tem mais a ideologia e os líderes que o fizeram intervir na política republicana durante um século, de 1889 a 1985. O maior partido político foi destruído pelo golpe, é odiado e perseguido pela minoria protofascista. A maior liderança nacional está presa. Nenhuma alternativa surgiu, nenhum líder, nenhum partido, nenhum movimento. O que há de mais organizado são o MST, o MTST, movimentos de mulheres, de negros, de minorias, de estudantes, além das decadentes centrais sindicais. É impossível dizer qual é o poder de mobilização da direita que levou milhões às ruas pelo impeachment dois anos depois. E não se pode esquecer a força social que os neopentecostais adquiriram nas últimas décadas, inclusive com muitos representantes na política. Aquela união alcançada pela direita, no entanto, não se mantém hoje.

Essa debilidade geral, esse esfacelamento político é que garante (?) a realização de eleições em outubro. Aliás, se a esquerda tivesse algum tirocínio, já teria levantado a bandeira da eleição, incluindo nela as reformas profundas que a sociedade quer – uma espécie de programa de salvação nacional que seria aprovado juntamente com a eleição presidencial. Mas o PT só pensa em Lula, sua única bandeira é Lula, e o PT é o partido mais influente da esquerda, ainda, e Lula aprisiona nele o futuro do país.

O futuro do Brasil está aprisionado em Lula. Os golpistas tiveram força para prender Lula, mas não têm força para impor sua alternativa a ele. Porque estão divididos, porque são corruptos, porque são impotentes, porque são entreguistas, porque não têm um projeto nacional. Enquanto isso a esquerda não vira o jogo porque não tem projeto alternativo ao golpe, seu projeto se resume a Lula, a protestar e apresentar Lula como solução.

No entanto, e na ausência de Lula, a nação está à espera de um Napoleão, de um salvador, de uma autoridade capaz de assaltar o poder e consertar o país. E para onde nos levará esse Napoleão, se e quando surgir? Que programa ele apresentará? Que rumo? Que liderança?

Os ridículos que pedem intervenção militar não veem, por um lado, que se o governo fosse militar eles não estariam nas ruas protestando, e, por outro lado, que os militares não têm a autoridade que esperam deles. Quando tiveram, não fizeram melhor do que o que temos hoje, entregaram o país tão caótico quanto ele está hoje, e não gostaram da experiência que tiveram. Os militares não querem voltar. Os ridículos que pedem intervenção militar não veem o pior: que pedem a força porque são fracos, incapazes de governar sua própria vida, decidir, pensar, escolher, assumir responsabilidades; têm que ser mandados, têm que obedecer como cãezinhos amestrados.

Os militares não são solução, os militares não vão voltar, e nós, brasileiros comuns, sem farda, cidadãos, é que temos de assumir a responsabilidade de governar esse país imenso e rico, que pode ser uma grande nação, se nos colocarmos à altura dela, à altura da missão de superar o caos atual e construí-la, democraticamente.

A juventude que vai matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem

"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!"
(Caetano Veloso, durante apresentação de "É proibido proibir", na eliminatória paulista do III Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, em 15 de setembro de 1968, no Tuca (Teatro da Universidade Católica de SP).
http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano
http://tropicalia.uol.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2010/10/e_proibido_proibir.mp3

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Greve ou locaute?

Diga lá: essa greve de caminhoneiros é de esquerda ou de direita? É greve ou locaute?
No Chile, em 73, um locaute de caminhoneiros ajudou a derrubar Allende.
Caminhoneiros normalmente não são progressistas, nem fazem greve, fazem locaute.
Mais uma vez é surpreendente, porque nenhuma categoria parou contra a reforma trabalhista, muito menos para impedir o golpe de 16.
Caminhoneiros fazem locaute como a classe média verde-amarela foi para as ruas aos milhões e jovens saíram, antes, em 2013.
O que é que faz as massas se moverem? Esse é o segredo pelo qual qualquer político, de direita ou esquerda, entregaria a alma ao diabo.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/24/politica/1527164449_389275.html

A mais expressiva manifestação pela liberdade de Lula e sua candidatura

Veio de líderes políticos importantes da Europa. Escreveram eles:

"A prisão apressada do presidente Lula, incansável arquiteto da redução das desigualdades no Brasil, defensor dos pobres de seu país, só pode despertar nossa emoção.

O impeachment de Dilma Rousseff, eleita democraticamente por seu povo e cuja integridade nunca foi questionada, já era uma preocupação séria. A luta legítima e necessária contra a corrupção não pode justificar uma operação que questiona os princípios da democracia e o direito dos povos de eleger os seus governantes.
Nós solenemente solicitamos que o presidente Lula possa se submeter livremente ao sufrágio do povo brasileiro.
François HOLLANDE, ex-presidente da República francesa
Massimo D’ALEMA, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
Elio DI RUPO, ex-primeiro-ministro da Bélgica
Enrico LETTA, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
Romano PRODI, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
José Luis RODRIGUEZ ZAPATERO, ex-presidente do Governo da Espanha"

https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/354964/L%C3%ADderes-europeus-pedem-Lula-livre-e-candidato.htm

Chegou a hora de Ciro Gomes, pergunta CartaCapital

Muitos certamente não entenderão o que vou dizer, mas eu não me surpreenderia se soltassem Lula para derrotar Ciro, como derrotou Brizola em 1989.
Lula não foi só o melhor presidente para os pobres, foi também o melhor presidente para o capital, e pode ser a última cartada das elites diante do caos que o Brasil virou nos últimos quatro anos. A não ser que prefiram Bosonaro e a volta dos militares. Pode ser, a canalhice das elites brasileiras não tem limite.
Roberto Marinho tinha pânico e ódio por Brizola. O que pensam os barões da mídia sobre Ciro?
A história não é linear. Lula disse que dava graças a Deus por não ter sido eleito em 1989. Hoje é evidente que o melhor resultado naquela eleição seria Brizola ir para o segundo turno e derrotar Collor (não sei o que a Globo teria feito, mas suspeito que Brizola venceria).
A história do Brasil teria adiantado vinte anos, a briga da nação com a Globo teria sido feita no tempo certo, Lula e o PT teriam chegado ao poder quando chegaram, talvez antes, quem sabe, mas não com o PMDB, talvez também teriam participado do governo Brizola, e talvez ainda o anão FHC nunca tivesse sido presidente. Enfim, não vejo como não teria sido melhor se Brizola tivesse ido ao segundo turno em 89.
Não sei o PT tem recuperação, me parece que o PSOL ocupa o lugar que foi dele no passado, sem os mesmos defeitos.
A única certeza que eu tenho é que em política, ao contrário do que pensam alguns, não é possível fazer previsão para o futuro, só para o passado, como fiz acima.

https://www.cartacapital.com.br/revista/1004/chegou-a-hora-de-Ciro-Gomes

segunda-feira, 21 de maio de 2018

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Da Lagoinha ao Mangabeiras: Panorâmica exibe documentários sobre bairros de BH

O programa Panorâmica, da TV Universitária, começou a exibir nesta terça-feira 15/5/18 uma série de documentários produzidos por alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG sobre diferentes bairros da capital mineira. Segundo o saite da UFMG https://ufmg.br/comunicacao/noticias/panoramica-exibe-documentarios-sobre-bairros-de-belo-horizonte, o objetivo é refletir sobre o crescimento acelerado de Belo Horizonte desde sua fundação. "Novas comunidades e, consequentemente, novos bairros surgiram nesse processo de urbanização. A cidade planejada no fim do século 19 -- e que em pouco tempo ultrapassou os limites da Avenida do Contorno -- continua sendo transformada por seus cidadãos."
O primeiro documentário focaliza o Bairro Mangabeiras. Realizado por Bruna Faria, Giulia Giarola, Isabella Morais e Leonardo Salvaterra, o filme explora a arquitetura do bairro com movimentos de câmara panorâmicos, enquadramentos de lugares icônicos, como a Praça do Papa e o Parque das Mangabeiras, e travelings dinâmicos pelas longas avenidas do bairro residencial.
Em seguida, o programa exibe documentário sobre a Lagoinha, produzido pelos estudantes Gabriel Leite, Luisa Lessa, Maria Clara Freitas e Pedro Lopes. Os moradores analisaram as transformações sofridas pelos entornos do bairro e como isso afetou diretamente a rotina da comunidade. Os depoimentos trazem, inclusive, reivindicações dos cidadãos, conferindo ao filme certo teor crítico. Ana Luisa Sales, Maria Elena Mattore, Raíssa Martins e Raquel Siman produziram um curta sobre o Bairro Concórdia, com viés histórico e cultural. O curta documenta a presença do congado na comunidade.
O Buritis, um dos mais novos da capital, é abordado na produção de Marco Antônio Benin, Júlio Andrade, Samuel Lorenzato e Giovana Lemos. O filme reúne impressões de adolescentes, jovens e adultos, retratando com pluralidade o cotidiano de seus moradores.
O último filme aborda o bairro Cidade Ozanam por meio de relatos de moradores. A produção é de Bernardo Duarte, Felipe Hardy, João Pedro Fernandes e Júnia Corradi.
O programa Panorâmica tem reprise na quarta e na sexta, às 19h30, e no sábado, às 20h. O Canal Universitário é o 12, da NET, e 14, da Oi TV.
Teaser: roteiro e direção: Ana Fatorelli; produção: Otávio Alves; direção de imagem: Márcia Milagre; imagens: Cássio de Jesus e Gabriel Santana; edição: Márcia Botelho.

Por um jornalismo de esquerda melhor do que o jornalismo de direita

Uma das limitações da esquerda (brasileira?) é não conseguir acompanhar tudo que acontece na sociedade. Fica limitada à política, à economia e a si mesma.
E a reuniões e mais reuniões, e a discursos sempre iguais, repetição de chavões. Era assim nos anos 70, quando fui militante, e certamente melhorou, mas acabou? Pelo menos em certas coisas não. Uma delas é a pauta jornalística.
O jornalismo supera essa limitação da esquerda, ao falar de tudo, ao não ter limitações de pauta, ao ver que "tudo é notícia". Mas o jornalismo é capitalista!
Por ser capitalista, o jornalismo de direita tem limitações.
O jornalismo de gabinete limita a pauta, quando fica olhando para si mesmo e para os outros, "os concorrentes", e daí todo mundo faz as mesmas matérias. O jornalismo globaetc. é limitado porque só vê o mundo oficial -- o modelo típico são os jornalões -- e o mundo dos ricos -- o modelo típico é o das vejinhas, que se espalhou por outras revistas e jornais.
Mas eu quero falar do jornalismo de esquerda. O jornalismo de esquerda precisa ser melhor do que o jornalismo de direita, assim como a política de esquerda e os políticos de esquerda precisam ser melhores do que a política e os políticos de esquerda.
Porque a esquerda quer melhorar o mundo para a maioria, enquanto a direita, preservando privilégios da minoria, faz o mundo ficar pior -- pelo menos para a maioria.
Simples assim. Mas a esquerda precisa fazer melhor para ser uma alternativa de um mundo melhor.
Esta é a questão mais difícil para a esquerda entender, eu acho.
No jornalismo, por exemplo. Como é que a esquerda pode ser uma alternativa de um mundo melhor, no jornalismo, se faz um jornalismo pior?
Ainda hoje, com toda a deterioração do PIG, toda a esquerda continua, ela própria, lendo o globoetc.
Por quê? Porque todos precisamos desses jornais (e suas versões na internet) para nos informarmos. Se o sujeito que quer se informar ficar somente na leitura dos blogs etc., estará mal informado. Sem falar que grande parte dos blogs de esquerda, em grande parte, reproduz e comenta notícias dos jornalões. Estes são, portanto, ainda, com toda a sua decadência, melhores do que os veículos alternativos.  
Não basta apresentar outro ponto de vista, o ponto de vista dos excluídos pela grande imprensa. A esquerda precisa produzir um jornalismo melhor.
É difícil? Sim, não é fácil. Faltam recursos? Sim, falta dinheiro. Mas esse deve ser o esforço, de produzir um jornalismo melhor do que o jornalismo de direita.
A esquerda não pode ficar limitada a reproduzir e comentar o jornalismo da direita, nem a produzir noticiário só sobre a própria esquerda e temas específicos. 
O que serve para o jornalismo em geral serve para o jornalismo de esquerda. Todo bom jornalista sabe que as notícias estão nas ruas.
É preciso cobrir tudo, escrever sobre tudo, perambular pela sociedade, descobrir coisas, contar histórias. 
O jornalismo de esquerda é limitado porque só vê política, economia e "luta". A sociedade é muito mais do que isso.
Fazer jornalismo deve ser narrar o que as pessoas -- todas as pessoas, de todas as classes sociais, todas as áreas, em todas as partes da cidade, das cidades, do estado, do país, do mundo -- estão fazendo, seus hábitos, seus interesses etc.
O que vai tornar o jornalismo de esquerda melhor do que o jornalismo da direita é superar os limites deste, isto é: não fazer jornalismo oficial, não falar só dos ricos, não excluir os pobres, não excluir minorias, não censurar temas. Ter compromisso com o leitor, com a diversidade, com a liberdade -- a começar pela liberdade de expressão --, com a justiça, com a igualdade, com a democracia.

Um saite curioso, um livro, o caos ortográfico e a imprensa

Um saite local, curioso, que eu não conhecia: http://moonbh.com.br/baixo-lourdes-um-lugar-pra-comer-ate-morrer-sem-pagar-muito-caro-em-bh/. Pela novidade e pelo "Baixo Lurdes", que eu também não conhecia

OBS: Lurdes, não Lourdes. Leio no ótimo livro "A imprensa e o caos na ortografia", do Marcos de Castro, veterano jornalista carioca, do JB e outras publicações, que o grande jornal brasileiro, falecido e renascido, responsável pela modernização do jornalismo no país, nos anos 70, começou também, duas décadas depois, essa coisa horrorosa que foi recuperar a ortografia arcaica. Pois é. Desde 1943, com a reforma ortográfica, o Brasil escrevia, por exemplo, Darci, e não Darcy. Mas o general Golberi, todo poderoso da ditadura, reclamou que seu nome era com y. E o Elio Gaspari, editor de política, amigão dele (sua tetralogia sobre a ditadura foi baseada nos arquivos de Golberi e Geisel, os dois herois da redemocratização, segundo o jornalista, desmascarados, na semana passada pela divulgação de documentos da CIA), levou o pleito à direção do jornal, que o acatou. E abriu a porteira, aos poucos arrombada, como notou um experiente redator da época. Logo, para ficar no exemplo acima, Lurdes voltou a ser Lourdes. Eu, que entrei no JB em 86, já peguei o retrocesso em vigor: devia-se saber a grafia dos nomes dos entrevistados, em vez de seguir a lei ortográfica. Agora que sei, resolvo um problema que sempre me incomodou e adiro (sim, existe adiro, fui ao dicionário), ainda que tarde, à lei modernizante de 1943.

sábado, 12 de maio de 2018

Todo mundo deve ver essa entrevista do Guilherme Boulos

A entrevista do Guilherme Boulos no roda morta é um retrato do golpe. A direita -- representada pelo apresentador, por um cientista político de quinta categoria, um empresário inexpressivo e dois jornalistas do PIG -- é destruída no debate. Todas as perguntas são provocações de baixo nível e o Boulos responde com informações e afirmações inquestionáveis.
A consequência -- no programa e na política brasileira -- é que a direita perde o debate e perde a eleição. Por isso apela para o baixo nível, para a conspiração, para o golpe, para o autoritarismo, para a repressão.
A direita brasileira e a democracia são incompatíveis.
A entrevista me provoca dois sentimentos opostos.
O primeiro é de esperança, porque fica claro que a esquerda avançou nos últimos anos e que temos um candidato e um partido que defendem a democracia, no sentido verdadeiro da palavra, que é o empoderamento do povo e a construção de uma sociedade igualitária, justa, com liberdade.
O segundo é que, justamente por isso, e porque a direita brasileira é incapaz de conviver com a democracia, talvez estejamos próximos de um golpe dentro do golpe, de um AI-5, de uma ditadura feroz, para destruir esse empoderamento popular inegável que o governo de conciliação de classes do PT gerou.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O Judiciário brasileiro é ocupado por uma casta

Quatro anos depois de começarem a destruir o país, dois anos depois de derrubarem o governo, um mês depois de prenderem o melhor presidente em meio século, às vésperas de uma eleição que não sabemos se haverá, finalmente uma reportagem mostrando quem são os sujeitos de um dos braços do golpe.
O Brasil não é só um país capitalista com empresários servis ao capital internacional, é também um país de castas que controlam os serviços públicos e os poderes da República. Para virar uma democracia, vai ter de acabar com os privilégios de muita gente.

Matéria da Agência Pública


Entrevista
Integrantes da Lava Jato vivem na “mesma bolha”, diz pesquisador da UFPR

O sociólogo Ricardo Oliveira, que pesquisou as biografias de magistrados, procuradores e advogados da operação, diz que eles têm as mesmas origens, às vezes se conhecem desde a infância e por isso atuariam em rede

9 de Maio de 2018
Amanda Audi

    Para pesquisador, força-tarefa é composta por “herdeiros da velha elite estatal”.
    Dinastia do Judiciário no Paraná inclui conexões com advogados e políticos
    Rosângela Moro, advogada e esposa do juiz, pertence ao clã de Beto Richa e Rafael Greca 



Para o professor de sociologia Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os integrantes da Lava Jato (incluindo magistrados, procuradores e advogados) operam em um circuito que chama de “fechado” e que funcionaria “em rede”.

O professor comanda um grupo de pesquisa chamado “República do Nepotismo”, que utiliza a técnica da prosopografia (biografia coletiva de determinado grupo social ou político) para demonstrar que pessoas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e advogados ligados às delações são herdeiros de figuras do Judiciário e da política paranaenses. O estudo será apresentado na segunda quinzena deste mês.

“Eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam. Frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista.
 

Reprodução: Equipe Lava Jato MPF. Equipe da Lava Jato

Quais as principais conclusões do estudo que o sr. desenvolve na UFPR?

Em primeiro lugar, quando a gente pensa na magistratura brasileira e do Paraná, sempre se deve entendê-la como unidades de parentesco. São famílias ao mesmo tempo jurídicas e políticas, uma unidade que sempre opera em rede. Não existe aquela figura, como alguns imaginam, de pessoas que são “novas”, ou “emergentes”, ou “renovadoras”. Os resultados mostram que são todos herdeiros de uma velha elite estatal.

Isso inclui os integrantes da Lava Jato?

Sim, o juiz Sérgio Moro e todo mundo, temos todos os documentos. É uma elite estatal hereditária porque eles apresentam parentescos no sistema judicial bastante significativos. Não apenas parentesco, mas também relações matrimoniais, de amizade e de sociabilidade. Há também a dimensão do corporativismo. Se forma um grande circuito formativo ideológico, de convivência, que tem determinados padrões e valores hereditários. O próprio Sérgio Moro, uma figura central, filho de um professor universitário, tem como primo um desembargador, o Hildebrando Moro. Ter um parente no Tribunal de Justiça, para os códigos internos, faz muita diferença. Na nossa interpretação, é um sistema pré-moderno. Ele não funciona através de regras impessoais ou de aspectos técnicos, mas com muito poder pessoal. De modo que o ator, na magistratura, tem uma capacidade incrível de determinar a agenda, a temporalidade dos processos, no sentido de escolher os que quer acelerar e aqueles que serão adiados.”

Existe relação de proximidade entre magistrados, procuradores e advogados da Lava Jato?

Sim, é o mesmo circuito. Tem o caso da esposa do Moro, a Rosângela Maria Wolff Quadros, que é advogada. Ela está situada dentro do clã da família Macedo, genealogia extremamente importante no Paraná, que atinge atores nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e no empresariado. Como Rafael Greca de Macedo [prefeito de Curitiba], o Beto Richa [governador do Paraná licenciado] e um conjunto de empresários e desembargadores do Tribunal de Justiça. Até se usa o termo “Macedônia”, dada a importância da família Macedo. E a família Wolff é típica do poder local de São Mateus do Sul [interior do Paraná], é uma estrutura que vem da República Velha, do coronelismo. Ela, como advogada, tem relações profissionais com a Apae. E aí há uma conexão direta com a família Arns. Flávio Arns foi senador, vice-governador, ator de atividades assistenciais. E com o advogado Marlus Arns de Oliveira, que é sobrinho do Flávio Arns.

Qual a relação entre eles?

É uma relação profissional [da esposa de Moro] com a família Arns e com as Apaes. Eles trabalharam juntos com as Apaes. O Marlus Arns é advogado de muitos acusados da Lava Jato nas delações premiadas. Chegou até a defender Eduardo Cunha. Em matérias da imprensa sobre advogados amigos do Sérgio Moro, como o Carlos Zucolotto, e as questões sobre Rodrigo Tacla Duran, mostra a partir do casal uma indústria jurídica da Lava Jato, em que muitos dos principais advogados da Lava Jato têm relações próximas com os operadores.

Quais casos foram identificados pelo grupo de pesquisa?

O do procurador Diogo Castor de Mattos, que era filho do falecido procurador Delívar Tadeu de Mattos. Ele foi casado com Maria Cristina Jobim Castor, que era irmã de Belmiro Valverde Jobim Castor, que foi empresário, secretário de Estado, do Bamerindus, um nome muito importante na política. No escritório da família, o Delívar de Mattos & Castor, trabalha um irmão do procurador, que se chama Rodrigo Castor de Mattos. Ele foi advogado do marqueteiro João Santana. É mais uma relação direta de parentesco, que corrobora que é uma indústria advocatícia da Lava Jato muito próxima dos seus protagonistas.

Há situações parecidas com outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba?

O Carlos Fernando dos Santos Lima é filho de Osvaldo Santos Lima, que foi procurador, deputado estadual da Arena e presidente da Assembleia Legislativa do Paraná em 1973. Ele também tem dois irmãos no Ministério Público. A esposa dele teve relação com o Banestado [banco paranaense que deu origem a escândalo de corrupção nos anos 1990 e Carlos Fernando investigou]. O Deltan Dallagnol é filho do ex-procurador Agenor Dallagnol. Ele passou no concurso sem ter os dois anos de formado, o pai foi o advogado [na apelação da União, em que a Justiça deu vitória ao procurador] . Todos os operadores da Lava Jato também são extremamente conservadores e têm perfil à direita, semelhante aos seus parentes que faziam parte do sistema na ditadura. Naquela época, seus pais eram gente do establishment. E eles herdam a mesma visão de mundo. É uma elite social, política e econômica.

Os integrantes da Lava Jato vivem em um meio comum?

Sim, eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam muitas vezes. Eles frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos que atuam no sistema judicial.

Na pesquisa, o sr. ouviu falar sobre advogados que conseguem acordos de delação com a Lava Jato fazerem parte de um mesmo grupo?

É exatamente o que os resultados revelam, porque alguns principais advogados da indústria da delação são nomes com conexão com as famílias da Lava Jato.

O mesmo se aplica aos tribunais superiores na Lava Jato?

O circuito é o mesmo quando você analisa o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [TRF-4]. Tem o João Pedro Gebran Neto, neto do ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná. Ele vem de uma das mais tradicionais famílias da Lapa, de onde sai boa parte das famílias que dominam a política paranaense nos anos 1970. Victor Luiz dos Santos Laus é bisneto do fundador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, é neto do desembargador ministro Thompson Flores, que foi do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a ditadura militar, uma das principais genealogias do Rio Grande do Sul. O ministro Felix Fischer, mesmo sendo alemão, é casado com uma procuradora de Justiça do Paraná aposentada. Ele tem três filhos no Judiciário paranaense. Depois, no STF, temos o Edson Fachin, que tem a mesma dinâmica familiar. É casado com uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná. A filha dele é advogada do escritório Fachin Advogados Associados e é casada com Marcos Alberto Rocha Gonçalves, filho de Marcos Gonçalves, executivo do grupo J&F, da família dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Há um verdadeiro circuito que começa no Moro e vai até o Fachin. Todos com o mesmo perfil: família, ação política, conexões empresariais, com escritórios advocatícios, ideologia propensa à direita, de uma elite estatal muito antiga que opera em redes familiares.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Jornalistas brasileiros não têm liberdade de expressão

O jornalista Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, publicou na Revista de Jornalismo ESPM um artigo excelente no qual demonstra de forma irrefutável o que está escrito no título acima. É urgente que a sociedade brasileira conheça essa realidade, é urgente que os jornalistas discutam o assunto. O artigo é longo, ocupa seis páginas da revista, razão pela qual não vou abordá-lo de forma minuciosa, mas destacar os pontos que considero essenciais e acrescentar meu ponto de vista.

Antes, algumas palavras sobre a revista.

A ESPM – não confundir com a ESPN, a emissora de esportes americana, que mantém canais por assinatura no Brasil, num nível de qualidade muito acima da televisão brasileira – é a Escola Superior de Propaganda e Marketing, tradicional instituição paulistana. Ela publica a Revista de Jornalismo ESPM, que está no seu número 21 (janeiro-junho de 2018), com periodicidade semestral, e tem os seguintes subtítulo e lema: “Edição brasileira da Columbia Journalism Review. Imprensa livre, democracia forte”.

Essa ligação com uma instituição americana, se deixa o leitor com a pulga atrás da orelha, é certamente um dos motivos da qualidade da publicação, incomum no Brasil. Aqui, as publicações ou são para público amplo e superficiais, ou são acadêmicas e chatas. Uma exceção é o Le Monde Diplomatique, também com inspiração estrangeira, no caso francesa. Com a internet, esse quadro vem mudando, mas entre veículos impressos se mantém. A edição nº 21 da Revista de Jornalismo da ESPM (é preciso escrever assim, por extenso, porque a ESPM tem outra revista) trata de diversos assuntos fundamentais para a prática do jornalismo no Brasil. Eu me pergunto quantos jornalistas a leram. Não conheço ninguém que tenha esse hábito (de resto, o leitor comum talvez se surpreenda ao saber que grande parte dos jornalistas lê pouco), e eu mesmo só tenho acesso à revista por acaso.

Mas meu assunto não é a revista de jornalismo da ESPM (que merece também outros textos, sobre outros dos seus artigos) e sim o artigo fundamental do presidente do sindicato dos jornalistas paulistas. Começo pelas revelações mais estarrecedoras. Zocchi nos conta que as principais empresas jornalísticas do país recomendam formalmente aos seus empregados jornalistas que não expressem suas opiniões e até proíbem que eles tenham militância política.

As principais empresas citadas por Paulo Zocchi são: Folha de S. Paulo, Editora Abril e TV Globo. A recomendação formal é feita por meio de orientações por escrito, guia interno e comunicados.

O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) confirma essa posição patronal ao se recusar a incluir na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) uma “cláusula de consciência”, pela qual o jornalista tem direito de se recusar a fazer matérias que firam o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

O fato mais recente que chamou atenção para essa prática foi a demissão do repórter Diego Bargas pela Folha, em outubro de 2017.

Bargas foi demitido no mesmo dia em que a Folha publicou matéria sua com o título “Criado por Danilo Gentili, comédia juvenil ri de bullying e pedofilia”. A matéria foi atacada nas redes sociais pelo comediante e alguns dos seus milhões de seguidores, que acusaram o repórter de ser “militante do PT”. Usaram para isso publicações de Bargas nas suas páginas nas redes sociais. E a acusação foi o pretexto do jornal para demiti-lo, pois, de acordo com orientação da direção de redação “sobre ações em redes sociais”, datada de 8 de setembro de 2015, “o jornalista da Folha deve evitar: manifestar posições político-partidárias; emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem da Folha”.

A Editora Abril afirma no seu guia interno que “considera a militância política do jornalista como desaconselhável” e a proíbe para jornalistas de política e economia. Determina ainda que “o jornalista não deve escrever em sua página nas redes sociais ou blogs nada que não escreveria nos títulos da Abril”.

E a Globo? A gigante da comunicação – esse polvo presente em todos os lugares, como não é permitido a nenhuma outra empresa do ramo em nenhuma outra grande nação, nem nos EUA, nem na Europa – definiu em comunicado recente, citado por Zocchi: “[a] participação de jornalistas do Grupo Globo em plataformas da internet e blogs pessoais, redes sociais e sites colaborativos deve levar em conta que os jornalistas são, em grande medida, responsáveis pela imagem dos veículos para os quais trabalham e, por isso, devem evitar em suas atividades públicas tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem a profissão com isenção e correção”.

Donos de jornais e revistas e concessionários de emissoras de televisão e rádio no Brasil não apenas são uma pequena elite que controla os meios de comunicação no país – como é sabido e confirmam diversas pesquisas, a mais recente e abrangente delas da organização internacional Monitor de Propriedade de Mídia, que pode ser lida no link https://brazil.mom-rsf.org/br/. Eles também se comportam em relação aos seus empregados como os latifundiários se comportavam em relação aos escravos: como propriedades suas. Assim, como propriedade, jornalista não tem opinião, sua função é expressar a opinião do seu patrão.

Mais estarrecedor ainda é constatar que tal opinião não se limita a uma parcela do empresariado e nem mesmo a todo empresariado. Ela atinge o Estado e é expressa por magistrados. Conforme citado no artigo de Paulo Zocchi, o ministro Emmanoel Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho, ao se pronunciar contra a “cláusula de consciência”, no dissídio coletivo dos funcionários da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), em 2016, afirmou, que, se fosse proprietário de um jornal e decidisse criticar um prefeito, ordenaria a um de seus jornalistas que o fizesse em reportagem, e ele, como empregado, teria a obrigação de obedecer.

Por que será que não nos espantamos com isso? De fato, o caso hipotético citado pelo ministro do TST faz parte do cotidiano do jornalista brasileiro.

Diz o ditado que o pior cego é o que não quer ver. Às vezes eu tenho impressão de que o jornalista não quer ver a realidade que envolve sua profissão, na qual sua liberdade é limitada pela liberdade do seu patrão. Realidade que nos coloca, como profissionais, na condição de escravidão que atinge a todos os trabalhadores brasileiros, conforme explica o sociólogo Jessé Souza no seu livro “A elite do atraso”. Talvez isso aconteça porque o jovem jornalista sonhou longamente em trabalhar numa grande grife jornalística, talvez porque o velho jornalista, premido pelas necessidades da sobrevivência, se resigne a conviver com o problema insidioso.

A realidade exposta por Paulo Zocchi sempre existiu ou faz parte do golpe de 2016?

Evidentemente, a internet criou uma situação que inexistia, a de o jornalista exercer sua liberdade de expressão em redes sociais, blogs pessoais etc., e atingir milhões de pessoas, muitas vezes público superior ao dos veículos em que trabalha. Antes, expressas apenas em rodas familiares e mesas de bar, as opiniões divergentes dos jornalistas não incomodavam os patrões, não podiam fazer frente à versão oficial, pública, publicada. Mas é verdade também que neste século as empresas jornalísticas assumiram mais francamente o papel de partido político da direita, estreitando os limites para opiniões divergentes dentro dos seus veículos. Isso é parte do golpe e se consolida com ele.

O fato é que, mais uma vez, um problema importante, ao ser analisado, revela como ele está enraizado na sociedade brasileira – na comunicação, nas empresas, no Estado, na ideologia. Para que a democracia avance no Brasil é preciso mexer em tudo. A ordem que temos hoje é uma deterioração do Estado que a Constituição de 1988 estabeleceu formalmente, tentando arranjar as diversas e conflitantes forças sociais que afloraram no fim da ditadura militar de 1964-1985, e que podem ser resumidas em dois grandes campos, o democrático e o liberal.

Não tenho dúvida de que o Brasil, como o mundo, avança em direção à democracia, mesmo porque o liberalismo já demonstrou, há um século, que suas consequências são guerras, revoluções, totalitarismo. A democracia, porém, parece vir muito devagar, e geração após geração só consegue ver parte dela, nunca o todo: o Estado democrático, organizado e estável. No qual, entre outras coisas, os jornalistas não são propriedade dos seus patrões e podem exercer a liberdade de expressão, fundamental ao exercício da profissão.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Qual é a única coisa que une os brasileiros e que o poder prefere esconder?

"Que idiota!" foi a expressão que me ocorreu ao ler o artigo abaixo.
Achar que o combate à corrupção é uma bandeira política nacional à essa altura da deterioração do país só mesmo um estrangeiro idiota. Ou será mal intencionado? E achar que a larva jato é uma cruzada contra a corrupção! Isso cabe num povo manipulado pela globoetc., mas não num jornalista de experiência internacional. A não ser que represente interesses estrangeiros que se apropriam do país desde o golpe.
Não vê, jornalista experiente, que Datafolha é para isso mesmo, sempre foi? A saber: fornecer pesquisas que embasem o conteúdo ideológico que a Folha propaga?
Não, o Brasil está dividido, sim, e o que pode uni-lo, como uniu a maioria na eleição de 2014, apesar de toda a manipulação da Folha e da Globo etc., é a redução de desigualdades, é a democracia. O combate à corrupção não está acima da democracia e muito menos é uma bandeira sincera da direita que derrubou o governo eleito.
E de uma vez por todas, ingênuo jornalista, quem esconde informações no Brasil não é (só) o poder, seja ele qual for, é (principalmente) a imprensa! E quem disse isso foi Roberto Marinho: "O Globo é importante pelo que não publica".


Juan Arias, 24 ABR 2018 - 11:39 BRT, El País.

Será verdade que, como injustamente se divulga no exterior, os brasileiros estão divididos em tudo? Que nada é capaz de unir os cidadãos de um lado e do outro do arco político? Há dois brasis irreconciliáveis em tudo? A julgar pelos resultados da última pesquisa nacional do Datafolha, a resposta é não.
De acordo com essa pesquisa, quem aposta em um Brasil dividido em tudo deve se sentir frustrado. Existe um tema que vem incendiando a opinião pública nos últimos anos e que se intensificou com a condenação e prisão de Lula: o apoio à Lava Jato, cuja continuidade é defendida por 84% dos brasileiros. Apenas insignificantes 12% acham que deve terminar. O Brasil todo parece unido na luta contra a corrupção e contra as tentativas de “estancar a sangria”, sonho de tantos políticos e poderosos e até mesmo de boa parte do Supremo Tribunal Federal. Entre esses 84% que querem que a Lava Jato continue estão, por exemplo, 77% dos eleitores de Lula, algo que o PT, que acusa a Justiça de ser seletiva com seu partido, deveria explicar, se de fato a grande maioria de seus eleitores também defende essa cruzada contra a corrupção.


Clique aqui para ler a íntegra no El País.

Coreias concordam em avançar para a “completa desnuclearização” da península

Outra boa notícia desta sexta. A pequena Coreia do Norte, tratada como o demônio pelos EUA e pela Europa (e sua imprensa, como El País), desistiu de destruir o mundo? Por que só a Coreia ameaça o mundo, com as bombas atômicas, se são os EUA que têm o maior arsenal, já jogaram bombas no Japão e fazem guerra em toda parte? Mistério da liberdade de imprensa.

Desconfio da paz, não por pessimismo, mas por experiência: onde o capitalismo leva a paz começa a guerra. Vide Iraque, Palestina, Síria, Afeganistão etc. Prevejo uma guerra, não nuclear, mas semelhante a estas outras, um conflito pelo qual o capital, os EUA, a indústria bélica e o crime organizado tentarão se impor.


Macarena Vidal Liy, Goyang (Coreia do Sul) 27 ABR 2018 - 10:58 BRT, El País. 

Os líderes das duas Coreias, Kim Jong-un (Norte) e Moon Jae-in (Sul), concordaram nesta sexta-feira, dia 27, em buscar “a completa desnuclearização” da península coreana durante a cúpula histórica realizada na fronteira entre os dois países. “O sul e o norte confirmaram seu objetivo comum de alcançar uma península livre de armas nucleares por meio da desnuclearização completa”, diz o comunicado assinado pelos dois líderes no final das negociações.

Os líderes dos dois países se reuniram em uma cúpula histórica na Casa da Paz do Sul, na zona desmilitarizada que separa os dois países tecnicamente em guerra. “Uma nova História começa a partir de agora. No momento em que começa uma era de paz”, escreveu Kim Jong-un, o líder supremo norte-coreano, no livro de honra. As portas do pavilhão Panmunjak foram abertas às 9h28 (21h28 hora de Brasília) para o líder norte-coreano, que chegou vestindo um terno risca de giz. Com rosto sério e acompanhado de uma grande comitiva de funcionários e guarda-costas, Kim desceu a escada que leva à linha de demarcação militar, o marco de cimento que separa as duas Coreias na Área de Segurança Conjunta. Lá, entre as cabines azuis reservadas para conversas militares, e do outro lado da fronteira, Moon esperava por ele. Imediatamente, os rostos tensos se transformaram em sorrisos.

Clique aqui para ler a íntegra no El País.

Justiça peruana ordena libertação do ex-presidente Humala e de sua esposa

As surpreendentes boas notícias desta sexta-feira. Peru dá lição democrática ao Brasil. 

Jacqueline Fowks, Lima 26 ABR 2018 - 21:08 BRT, El País.    

O ex-presidente do Peru Ollanta Humala e a ex-primeira-dama Nadine Heredia, em prisão preventiva em Lima desde julho de 2017, serão libertados. O Tribunal Constitucional aceitou um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa dos políticos, segundo informou nesta quinta-feira o presidente da Corte, Ernesto Blume.
Ano passado, o juiz Richard Concepción Carhuancho ordenou a prisão preventiva durante 18 meses para ambos, a pedido do Ministério Público, que os investiga por lavagem de dinheiro e organização criminosa, em razão das contribuições ilegais que receberam nas campanhas eleitorais de 2006 e 2011. Os fundos provinham sobretudo da construtora Odebrecht, envolvida em casos de corrupção em toda a América Latina.

Clique aqui para ler a íntegra no El País.

Marielle e a democracia

Marielle era brilhante (continua brilhando em vídeos).
"Cuida de quem? Do empresário ou do morador da favela?", diz sobre o prefeito do Rio eleito com os votos da favela e governando para os donos de ônibus.

A gente precisa entender como é que a direita se apropria das bandeiras da esquerda. A democracia, principalmente. A campanha do impeachment foi feita em nome da democracia! Derrubar a presidenta eleita pela maioria foi propagandeada como defesa da democracia.
Os golpistas foram para as ruas com as cores e a bandeira nacional. E o golpe está destruindo o Brasil e entregando as riquezas nacionais para as multinacionais.
A é contra o povo, mas faz o discurso a favor do povo.
E a esquerda? Foi para as ruas com a bandeira do PT e com a cor vermelha. O que possibilita que seja identificada com um partido já condenado e com uma cor de "comunistas".
A direita marca a esquerda como uma parte (comunistas, baderneiros, vagabundos etc.) que está contra o todo (o Brasil, os honestos, os que trabalham e produzem etc.).
Por que a esquerda não se apropria das cores nacionais? Por que não defende a democracia? Por que não faz a disputa das ideias, dos valores, dos símbolos? Por que não demonstra na prática que é ela quem é o que a direita diz que é, e que é a direita que é o que diz que a esquerda é?
Por que a direita é competente na disputa ideológica e a esquerda é incompetente?
Marielle tinha uma nova consciência, lúcida, prática, da experiência, sincera, popular.

Na onda dos anos 70 e 80, do acaso da ditadura, o PT irrigado pela igreja católica progressista, das comunidades de base, nas favelas, nos bairros pobres, nas periferias. Agora as comunidades pobres estão tomadas pelas igrejas evangélicas, que são predominantemente de direita. Como isso aconteceu? A esquerda precisa fazer a disputa com as igrejas evangélicas, precisa ser uma alternativa melhor para os pobres, precisa mostrar que os desejos dos pobres virão com a democracia e não a ideologia (teologia) da prosperidade. Mas para isso precisa ter uma prática coerente e um programa concreto de governo. O que a esquerda quer? Não é o socialismo utópico dos marxistas (!), é a democracia, com igualdade, liberdade, respeito.


Mais Marielle: lucidez e coragem raras

Por que ela foi assassinada, por que todos nós corremos perigo.
É guerra, e eles têm as armas.


[INÉDITO] Marielle Franco avisou: ‘democracia está ameaçada’ - Ponte Jor...

A eficiência da direita ao assassinar Marielle

Quanto mais conheço sobre Marielle mais me impressiono com sua força e constato como a direita foi eficiente ao assassiná-la.
Marielle não era uma líder comum, tinha potencial para ocupar a prefeitura, o governo do estado, a presidência. Sua morte foi uma perda irreparável para a democracia, isto é, para o povo brasileiro, para a esquerda.
A esquerda precisa aprender a ser eficiente assim, não matando lideranças de direita, não com a violência, mas garantindo a vida das lideranças populares e transformando em ação sua propaganda.
E principalmente criando instrumentos para ganhar a disputa pela narrativa.
Basta dizer que Marielle se tornou uma heroína da Globo, quando a Globo é responsável, em última instância, por sua morte.
A Globo é a instituição mais poderosa do Brasil, detém um poder paraestatal às avessas -- é particular, mas age como parte do Estado --, na comunicação, semelhante ao poder também paralelo das milícias, dos esquadrões da morte, do crime organizado.
A Globo é mais poderosa do que a presidência da república, o Congresso, o STF, a PGR, o MP, a PF, a PM, as Forças Armadas. Todos se curvam ao poder da Globo, que, com sua propaganda permanente de valores de direita e manipulação da opinião pública, elege e derruba presidentes.
A desordem atual, o estado de exceção, a intervenção no Rio, os desmandos de juízes e procuradores, a prisão do ex-presidente Lula, o desemprego, a violência, a destruição da economia nacional, a entrega do pré-sal e das riquezas brasileiras para o capital internacional, o golpe, tudo isso tem o patrocínio da Globo.
O candidato da Globo à presidência é preferencialmente Alckmin, o tucano da vez, mas ela apoiará Bolsonaro, se for preciso. Ou Joaquim Barbosa, ou seja lá quem for, para impedir a eleição de um candidato de esquerda -- ou, se isso for impossível, apoiará um golpe dentro do golpe, cancelando eleições, impedindo a posse do eleito ou coisa equivalente.
Mesmo que não seja sua opção ideal, como foi FHC -- como apoiou Collor e depois o derrubou, como apoiou Temer e depois tentou derrubá-lo (aliás, a capacidade de Temer não pode ser subestimada, como é, pois conseguiu resistir, sabe-se lá como, com que negociações e favores, à tentativa da Globo de derrubá-lo, no ano passado).
Se a esquerda não entende isso (acho que o Ciro entende e expressou isso na sua última entrevista, na qual disse que, se for eleito -- não será -- não será derrubado, como Dilma, mas precisará do apoio do povo para conseguir governar), não é capaz de fazer política realista, não é opção de poder com mudança.

 

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Ana Júlia, ou a esperança, dois anos depois

Não, Ana Júlia não foi ouvida pelos senadores, o movimento estudantil não foi ouvido. Ana Júlia representa o futuro, democrático, melhor. Os senadores são o passado tentando continuar presente, e o golpe foi feito para manter e fazer voltar atrás. E sujaram as mãos por vinte anos -- eles não se importam em ter as mãos sujas. A violência policial também continua e aumentou, porque só assim o velho consegue se perpetuar. O novo precisa reafirmar, dois anos depois, o que Ana Júlia e os estudantes de escolas públicas disseram. Só que agora precisa também entender que não basta denunciar, não basta resistir, é preciso derrotar os de mãos sujas e construir o novo com as suas mãos, com as mãos dos que têm mãos limpas.

Ana Júlia, das ocupações de escolas à vigília Lula Livre, o sonho de justiça 

Dois anos depois de despontar no movimento secundarista, Ana Júlia Ribeiro segue ativa por uma “democracia de verdade”. Ela compara as lutas da geração 68 às de sua geração.

Por Cláudia Motta, para a RBA. Publicado em 25/4/18, 9h57

Curitiba – Aos 16 anos, ela se encheu de coragem e subiu ao plenário da Assembleia Legislativa do Paraná para um contundente discurso em defesa da Educação, durante o movimento secundarista que promoveu mais de 800 ocupações em escolas estaduais. Era outubro de 2016.

Hoje, prestes a completar 18 anos em junho, Ana Júlia Ribeiro cursa Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Direito na PUC-PR e trabalha no Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra). Quase dois anos depois de ver sua vida transformada, a jovem estudante segue sua trajetória de ativismo por justiça social.

Em visita o acampamento Lula Livre, no último fim de semana, Ana Júlia conversou com a reportagem da Rede Brasil Atual. Divertiu-se ao lembrar a repercussão de uma outra fala da então ainda secundarista a parlamentares, dessa vez na Comissão de Direitos Humanos do Senado, em outubro do ano passado: “Quando cheguei à escola, a galera gritava, Katniss, Katniss”.

A brincadeira dos colegas era uma referência à guerreira Katniss Everdeen, personagem de Jeniffer Lawrence no filme Jogos Vorazes, que usa o cabelo preso numa trança. “Ela tem todo um rolê de lutar, levar esperança para as pessoas. Daí quando fui falar no Senado, a galera queria que eu fosse falar de trança e eu fui. Daí me apelidaram de Katniss.”

No Senado, Ana Júlia integrava um grupo de professores e estudantes em missão contra a aprovação da PEC 241, determinando corte de gastos sociais por até 20 anos. A emenda constitucional acabou aprovada.

Não foi só o apelido que Ana Júlia ganhou após as ocupações, mas o reconhecimento nacional. “Depois das ocupas e depois que eu fiz o pronunciamento na Assembleia, o horizonte da minha vida se ampliou”, conta.

“Consegui ter uma visão melhor do que eu gostaria de fazer e por que eu queria fazer. Tudo que eu faço e vou atrás é sempre almejando justiça social, educação pública de qualidade, diminuição da desigualdade, erradicar a desigualdade”, define. “Acredito que todo esse processo depois das ocupas – de uma imersão política muito grande, participei de muita mesa, muito debate –, tudo isso traz um conhecimento, uma visão do mundo que aprofunda o que eu já tinha antes.”
Democracia mais que no papel

O ano passado foi então intenso. “Esse ano que passou me ajudou a perceber que o que eu quero é um país soberano, de justiça, democrático. Não só numa linha de papel que está escrita lá República Federativa do Brasil, regime democrático. Não quero só isso. Quero uma democracia de verdade em que esteja inserida a negritude, a comunidade LGBT, as mulheres. Uma democracia onde as pessoas não vão ser presas antes do trânsito em julgado. Esse processo político ajuda, não só no sentido teórico, mas muito mais no sentido de vivência, de prática, de afeto. Isso, junto com a teoria, é o que consegue nos mover pela construção dessa sociedade.”

A estudante chega ao acampamento Lula Livre sempre acompanhada de sua mãe, Maria Ribeiro, a Nina. A relação é afetuosa como o sentimento que move o acampamento, coordenado majoritariamente por mulheres. Ana Julia atribui a essa presença feminina à força da vigília que já dura mais 18 dias.

“A presidenta da CUT do Paraná é uma mulher, a Regina (Cruz), que está na ponta disso. A presidenta do partido é a Gleisi (Hoffmann), que está na frente. Na questão de cultura está ali a Anaterra Viana. Acho que é inclusive isso que faz esse espaço ser tão aconchegante e também tão diverso. Faz o acampamento estar crescendo, se mantendo”, afirma.

Para Ana Júlia, o protagonismo feminino dá ritmo e consegue dar uma pauta identitária ao movimento. “São ela que conseguem fazer os debates LGBT, do feminismo, os debates da negritude que a esquerda tá tão carente. Essa coordenação ser feita por mulheres está muito bonito. E a cada dia se acentua como isso é importante e como o papel que elas estão desempenhando vai entrar para a história, com certeza, como o papel de quem lutou pela democracia.”

Secundas no mundo do trabalho

Ana Júlia considera difícil falar sobre o que restou do movimento secundarista de dois anos atrás. “Eu vejo muitas coisas boas, e às vezes tenho medo de elas estarem se perdendo. E ao mesmo tempo acho que elas não estão se perdendo, mas amadurecendo. Acho que foram o pontapé de algo muito melhor que tem por vir”, acredita.

Por exemplo, compara ela, a juventude que presenciou e conduziu os movimentos de 1968 foi “a galera” que fez esses últimos anos de governo. “Essa geração influenciou nas Diretas Já. Então, talvez a gente que fez o movimento de 2016 vá ser a galera que em 2025 vai fazer muita coisa, em 2030 vai fazer mais coisa ainda”, almeja. “Ao mesmo tempo dá às vezes um pouquinho de dor por não estar vendo isso agora, queria que fosse mais imediato.”

A estudante mantém o olhar crítico que, aos 16 anos, a permitiu sustentar o tom firme diante dos parlamentares da Assembleia do Paraná, do Senado e em todos os debates dos quais participou em defesa da educação pública e de qualidade.

“O sistema para entrar na universidade é muito injusto, e muito seletivo, então não posso dizer que a maioria dos secundas esteja numa universidade. Mas uma grande parte sim, está ocupando vagas nas públicas. Estamos lá batalhando, estamos por bolsa de ProUni, ralando numa federal, querendo ocupar esse espaço, se formar e se preparar para o que virá depois. Fazer uma outra construção de país”, diz.

“Mas no geral, muitos estão trabalhando, fazendo cursos. Não posso falar que todo mundo está numa universidade. O acesso é pouco, o incentivo que se tem ainda é pouco e a forma como a educação é passada não faz com que a maioria da população que tem menos oportunidade queira continuar estudando. A educação é muito mais maravilhosa do que o que a gente tem na escola”, acredita.

Ela tem uma visão crítica à ideia de que a gente precisa de uma formação para atender ao “mercado”. “A gente precisa de formação em todos os sentidos.”

A líder dos ocupas enxerga com preocupação o papel do discurso de “empreendedorismo”, como eufemismo para a desregulamentação das relações de trabalho, um “massacre pelas engrenagens da sociedade” pós-golpe.

Não por acaso, Ana Júlia fala com orgulho de seu trabalho de assessoria da advogada Mirian Gonçalves, no Instituto Declatra, ex-vice-prefeita de Curitiba. “É um trabalho muito importante. Ele visa a um objetivo muito legal: entender o que é a classe trabalhadora, entender o que passa, o que sofre e como está sendo afetada nesse processo que a gente está tendo de retirada de direitos.”

A organização do livro Enciclopédia do Golpe – O papel da mídia está entre as atividades do Declatra. “A gente explica, conversa com o leitor sobre o papel da mídia brasileira durante o processo de impeachment, qual está sendo agora, durante o momento político que a gente está vivendo.”

O Declatra articula a presença de juristas nos atos do acampamento Lula Livre. “Para conseguir falar o que é esse processo para mais do que a gente já sabe politicamente, mas também juridicamente.”

Precisamos falar de Anastasia

Análise do imprescindível Luís Nassif desmascara o gerente do Aécio, senador Antônio Anastasia, que quer ser governador de Minas outra vez.

Xadrez de Anastasia, o conseglieri do poderoso chefão, por Luis Nassif


ter, 24/04/2018 - 23:21
Atualizado em 25/04/2018 - 09:06

O filme “O Processo”, documentário da cineasta Maria Augusta Ramos, sobre o impeachment, tem dois personagens principais.

Um deles, falante, retórico, excepcional orador é o ex-Ministro José Eduardo Cardoso, sem o qual não teria sido possível nem o filme, nem o impeachment.

O outro, quieto, impassível, irredutível a qualquer argumento, o relator do pedido de admissibilidade da Comissão de Justiça do Senado, e principal artífice político do impeachment, Antonio Anastasia.

Agora, a mídia começou a dança ritual da autofagia, com Urano devorando seus filhos, no caso Aécio Neves. É uma falsa demonstração de isenção, porque inútil, sem riscos e em cima de um pato manco. Mas, ao mesmo tempo, é impressionante a revelação da estrutura de corrupção montada por Aécio, a maneira como atuou em todas as instâncias, em todos os campos, e com total desfaçatez. Desmente totalmente a visão de Aécio como o adolescente mimado, porque problemático, sendo conduzido pela mão. Era o chefão.

No entanto, nada disso teria sido possível sem a participação discreta de Anastasia. Mas tão discreta que tem sido poupado de todas as investigações, apesar da notoriedade adquirida como agente principal do impeachment.

Se tudo fosse como “O Poderoso Chefão”, na imagem pretensamente criativa de Sérgio Moro, Antonio Anastasia seria Tom Hagen, o conseglieri interpretado por Robert Duval; e Aécio Neves o Santino “Sonny” Corleone, o filho imprudente e violento de Don Corleone, interpretado por James Caan.

Na qualidade de vice-governador, na gestão 2007-2010 de Aécio, Anastasia comandou o “choque de gestão”, uma tentativa de implantar ferramentas gerenciais e de responsabilidade fiscal no Estado. Não sujou as mãos diretamente nas três grandes tacadas de Aécio: a Cidade Administrativa, os negócios envolvendo a Andrade Gutierrez e a Cemig e as operações com Dimas Toledo, o Marcos Valério de Furnas.

Mas foi a âncora central do governo Aécio, responsável pela principal vitrine, o “choque de gestão” e pelo governo de fato, o interino permanente de um governador que, de 2007 a 2010, preferia o Leblon a Belo Horizonte.

Por tudo isso, é didático comparar o voto de Anastasia, no relatório do impeachment, com o papel de Anastasia, como governador de fato e, depois, de direito de Minas. É uma belíssima introdução ao estudo da hipocrisia na política nacional, porque tendo como personagem central um professor centrado, preparado, e não as bestas-feras do Congresso, que berravam em nome das famílias, das mães, dos filhos e depois ia comemorar com as amantes até a próxima volta do parafuso da Lava Jato.

Anastasia iludiu a muitos. E me incluo no campo dos iludidos. A máscara começou a cair após o jogo de cena do Senado e dos levantamentos feitos pelo sucessor sobre as contas de Minas.

Peça 1 – o voto do relator Anastasia

O voto de Anastasia, pela admissibilidade do processo do impeachment, é uma apologia inesquecível à responsabilidade fiscal.
Responsabilidade fiscal como âncora da República

Na parte conceitual, diz ele, no voto a favor da admissibilidade do pedido de impeachment

"O  tema  orçamentário,  com  a  correta  gestão  dos  recursos públicos, é tão sensível para o regime republicano brasileiro que, em todas as Constituições do Brasil (exceto a Carta outorgada de 1937) (…) constaram  disposições expressas  qualificando  como  crime  de  responsabilidade  do  Presidente  da República  os  atos  que  atentem  contra  a  lei  orçamentária,  demonstrando  a relevância  do  cumprimento  da  norma  orçamentária  para  o  regime democrático."

Foi dramático, para acentuar a gravidade dos episódios analisados:

Está em risco, neste momento, a preservação de um regime de responsabilidade fiscal conquistado a duras penas."

Sacou dos manuais e de sua enorme experiência com o choque de gestão de Minas, os princípios básicos da responsabilidade fiscal:

"O sentido último desses crimes poderia ser resumido em duas admoestações ao administrador público: 1) é proibido gastar mais do que se arrecada; 2) é proibido comprometer o orçamento mais do que está permitido pelo Poder Legislativo"
A tipificação dos crimes de responsabilidade

Definidos os conceitos, Anastasia passou à tipificação dos supostos crimes cometidos.

Primeiro, o edição de decretos antes da aprovação pelo Congresso, mero problema formal. Foram apenas remanejamentos de despesas, e não criação de novas despesas, conforme explicado pela defesa de Dilma. Enfatizou que alguns dos decretos foram promulgados no bimestre em que as contas públicas estavam no vermelho. A defesa explicou fechado o ano, o orçamento já estava em conformidade com a Lei.

Mas Anastasia tratou de criminalizar um bimestre de déficit, uma mancha indesculpável na sacralidade da responsabilidade fiscal:

A  LRF  não  se limitou  a  exigir  o  estabelecimento  de  metas  anuais.  Por  se  pautar  na prevenção  de  riscos  e  correção  de  desvios,  a  lei  exige  que  as  metas  de resultado  primário,  conquanto  sejam  fixadas  em  bases  anuais,  sejam monitoradas  ao  longo  do  ano  mediante  pontos  de  controle  bimestrais  e quadrimestrais. Não fosse assim, estariam as metas anuais expostas  a toda sorte de dinâmicas que, no limite, poderiam dar azo a justificativas centradas em esperançosas “apostas de fim de ano”."

Segundo, os atrasos no ressarcimento dos bancos públicos, interpretados como empréstimo.

"Quanto  à  contratação  de  operações  de  crédito,  a  suposta ilegalidade teria decorrido, principalmente, da inobservância do disposto no art. 36 da LRF, o qual veda a realização de operação de crédito entre uma  instituição  financeira  estatal  e  o  ente  da  Federação  que  a  controle,  na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

De nada adiantou a defesa explicar que não poderia ser operação de crédito, pois não tinha contrato assinado nem data de vencimento definida. E que os atrasos foram colocados em dia. No final do ano, em que pese a crise fiscal, não havia sido criada nenhuma despesa adicional, ao que previa o orçamento.

Entendidos esses pontos, vamos tirar Anastasia de sua cadeira cômoda de gendarme da responsabilidade fiscal e analisar o Anastasia gestor.
Peça 2 – Anastasia como maestro principal do choque de gestão

    Inflou o cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL).

A RCL é base de toda a Lei de Responsabilidade Fiscal, utilizado como parâmetro para cálculos dos principais indicadores, como gasto com pessoal e nível de endividamento.

Segundo a LRF, o cálculo da RCL deve ser feito somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, considerando-se algumas deduções e excluindo-se as duplicidades.

Entre 2003 e 2007, o governo de Minas deixou de deduzir da RCL vários itens, como contribuição patronal para a previdência social, para a saúde, contribuição do servidor para a saúde etc. Com isso inflou em 6 a 10% a RCL, em relação àquela calculada pelo Tribunal de Contas do Estado, com consequências diretas sobre as contas públicas.

    Aumento do endividamento

Essa manipulação do numerador, ajudou a inflar os resultados do “choque fiscal” e, com esse artifício, a voltar mais cedo para o mercado de crédito.

Em 2009, para um resultado orçamentário de R$ 566 milhões, as as operações de crédito foram de R$ 1,5 bilhão. Com a conta correta, transformou um déficit de R$ 1 bilhão em um falso superávit

A DLC (Dívida Líquida Consolidada) saltou de de R$ 30,5 bilhões em 2002 para R$ 60,5 bilhões em 2010. Mas o mago Anastasia divulgava anualmente superávits inexistentes.
Peça 3 – Anastasia como governador
A manipulação do fundo previdenciário

Como governador, Anastasia cometeu um dos maiores saques contra o futuro fiscal do Minas.

Hoje em dia, o grande peso das contas estaduais está na previdência, com funcionários se aposentando sem a constituição de reservas matemáticas capazes de garantir seus direitos.

Minas Gerais gera R$ 7 bilhões de superávit fiscal. Com Previdência Social, há um gasto anual de R$ 22 bilhões e apenas R$ 5 bilhões de contribuições recolhidas. Metade da folha do Estado, hoje em dia, é de aposentados.

A construção de um sistema previdenciário é desafio de longo prazo.

Em 2003, o governador Itamar Franco – tido como irresponsável no plano fiscal – fez segregação da massa de aposentados. A partir dali, haveria um fundo equilibrado, 65 mil pessoas que ingressaram na aposentadoria, e um fundo com patrimônio de R$ 3 bilhões. Com isso, e outras jogadas, o déficit orçamentário de 2003 caiu de R$ 7 bilhões para R$ 3 bilhões.

À revelia do Ministério da Previdência, Antônio Anastasia extinguiu o fundo e trouxe aposentados e recursos para o orçamento. Com a manobra, maquiou as contas em um ano, e jogou 65 mil aposentados para dentro do orçamento. Ou seja, para resolver seu problema de um ano, comprometeu o orçamento estadual por décadas.

Em 2014, o déficit previdenciário era de R$ 9 bilhões. Hoje em dia, saltou para R$ 16 bilhões. São 200 mil aposentados, 20 mil com idade acima de 80 anos.

Voltemos à página 57, do relatório do impeachment. Vale a repetição para enfatizar a alta dose de hipocrisia do impeachment e a irresponsabilidade fiscal de quem se autonomeou o tutor da responsabilidade fiscal

"O  tema  orçamentário,  com  a  correta  gestão  dos  recursos públicos, é tão sensível para o regime republicano brasileiro que, em todas as Constituições do Brasil (exceto a Carta outorgada de 1937), conforme bem lembrou  o  Deputado  Jovair  Arantes  em  seu  Relatório  aprovado  pela Comissão  Especial  da  Câmara  dos  Deputados,  constaram  disposições expressas  qualificando  como  crime  de  responsabilidade  do  Presidente  da República  os  atos  que  atentem  contra  a  lei  orçamentária,  demonstrando  a relevância  do  cumprimento  da  norma  orçamentária  para  o  regime democrático."
Reajustes da folha

Só os reajustes concedidos no último ano do governo Anastasia impactaram a folha em R$ 2,7 bilhões.
Os dividendos da Cemig

No apagar das luzes, foi apresentado uma previsão orçamentária manipulada, inflando a receita patrimonial com previsão de dividendos da Cemig da ordem de R$ 4,8 bilhões, contra uma média de R$ 2 bilhões dos anos anteriores. As reestimativas indicaram um déficit da ordem de R$ 7,3 bilhões.
Manipulando os dados da saúde.

Pela Emenda Constitucional no. 29, de 29/05/1950, há percentual mínimo de 12% da RCL para financiamento da saúde. Os dados oficiais indicavam mais que 12% do orçamento em saúde. As estatísticas do SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde), vinculado ao Ministério da Saúde, indicavam quase metade da meta.

O que o governo mineiro fez foi aproveitar a não regulamentação das despesas para incluir gastos com  “Polícia Militar de Minas Gerais, Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Secretaria do Estado de Defesa Social, IPSEMG, Fundação Estadual de Meio Ambiente, Instituto da Previdência dos Servidores Militares do Estado de Minas Gerais, Fundo de Apoio Habitacional da Assembleia Legislativa (FUNDHAB)”.

Com isso, conseguiu disfarçar déficits orçamentários em quase todo o período, agravando nos dois últimos anos.
 Peça 4 – Anastasia candidato ao governo

Candidatando-se novamente a governador, com a herança de Aécio Neves sendo revelada a todo instante, é possível que, finalmente, cesse a blindagem de Anastasia. E a opinião pública seja informada de como uma belíssima vocação de homem público acabou subordinada ao que de pior a política mineira produziu desde o governo Newton Cardoso.



sábado, 21 de abril de 2018

Um testemunho a favor do jornalista Márcio Fagundes

E uma reflexão sobre o estado de exceção que os jornalistas estão ajudando a criar 

O jornalista Carlos Barroso ofereceu ao advogado do jornalista Márcio Fagundes um testemunho a favor do seu cliente. Barroso, assim como muitos jornalistas, está aflito com a situação do amigo, e tem um testemunho valioso para a defesa do ex-coordenador de Comunicação da Câmara Municipal de Belo Horizonte.

A amizade entre Barroso e Fagundes pode ser vista nas fotografias da festa de aniversário de 60 anos do segundo, numa bela casa no luxuoso condomínio Retiro das Pedras, publicadas no Facebook pelo jornalista João Carlos Amaral. O testemunho de Barroso é simples, mas elucidador.

Ele tem um programa de entrevistas no canal de televisão por assinatura BH News, do qual participam, como convidados e entrevistados, outros jornalistas. Há alguns anos convidou Márcio Fagundes para participar de um programa e depois de outros. Um dia, Fagundes, que viveu seu auge profissional como assessor de imprensa do governador Hélio Garcia, agradeceu a Barroso ter sido lembrado por ele, pois a participação no programa o colocou em evidência outra vez, depois de algum tempo meio sumido da imprensa – fato comum no jornalismo e na nossa sociedade.

Pensando nisso, quando Fagundes assumiu a coordenação de Comunicação na Câmara, na gestão Wellington Magalhães, e precisando de patrocínio para seu programa, Barroso procurou o amigo, pleiteando publicidade do legislativo da capital. A resposta de Fagundes, segundo Barroso: “Barroso, eu te devo um favor e gostaria de te ajudar, mas não decido sobre publicidade, esse assunto fica nas mãos do presidente Wellington Magalhães. Se você quiser falar com ele...”

Barroso não quis falar com o presidente da Câmara e o assunto terminou ali; o programa nunca teve publicidade da Câmara Municipal de Belo Horizonte.

O testemunho corrobora a versão de Fagundes, que assinava as ordens de publicidade da Câmara, atribuição do cargo que exercia, acrescentando a observação: “ordem do presidente”.

O trabalho dos jornalistas e o da polícia têm semelhanças, na investigação dos fatos, mas a responsabilidade desta não é menor do que a daqueles. Uma rápida apuração indica que a bela casa no Retiro das Pedras na qual comemorou seu aniversário, cercado de jornalistas e políticos, não pertence a Márcio Fagundes. Ele não ostenta sinais de enriquecimento ilícito – e foi preso num apartamento modesto no qual mora, na zona sul de Belo Horizonte.

Se fosse desonesto, Fagundes teria ficado rico quando era assessor do governador Hélio Garcia, não teria voltado a trabalhar como jornalista em redação e assessorias. Elementar.

Qual a participação de Fagundes no “esquema de corrupção” na Câmara da capital? Por que prendê-lo, enquanto o “chefe da quadrilha” continua solto? Que provas a polícia e o ministério público têm contra o jornalista? São perguntas que imediatamente vêm à cabeça de qualquer repórter.

A pompa do nome da operação Sordidum Publicae já é parte do modus operandi policial dos tempos atuais. Dá aparência de seriedade e erudição ao espetáculo. Fico pensando em quantos juízes, procuradores e delegados conhecem latim de fato para bolarem essas preciosidades.

Uma rápida busca no Google sobre o assunto já dá motivo à reflexão dos jornalistas sobre o non sense da prática policial atual e, consequentemente, da imprensa sensacionalista. Toda aquela ação espetacular rendeu a seguinte manchete no portal da Globo: “Wellington Magalhães, ex-presidente da Câmara de BH, e mais sete são alvos de mandado de prisão”.

Notemos: a manchete não pode afirmar que o ex-presidente da Câmara foi preso, mas apenas que é “alvo de mandado de prisão”! As imagens, no entanto, são de prisões! A imprensa sensacionalista precisa de imagens de prisão! Mas o “cabeça” da “quadrilha” não foi preso! Há portanto um choque entre o nome que torna a operação grandiosa (o ex-presidente da Câmara) e o fato (prisões, mas não a dele)! Basta isso para que o espetáculo perca a importância jornalística que lhe foi dada.

O que o noticiário mostra de fato, apesar de todo o aparato midiático? O fracasso da operação, uma vez que o “cabeça” não foi preso – Wellington Magalhães está “foragido”. E sua mulher também já foi solta.

Enquanto escrevo, Márcio Fagundes continua preso no Ceresp da Gameleira. Passsei por lá ontem a caminho do Cemitério Parque da Colina e a imagem externa é assustadora – o consolo é que de lá as pessoas um dia saem, e do Colina, não.

Criminosos devem temer o Ceresp – e os inocentes? Como serão compensados pelos dias inesquecíveis que permaneceram naquele lugar?, fiquei pensando. Em que condições psicológicas sairão de lá? E a humilhação? E a reputação? E os danos aos filhos, aos parentes? No caso específico de Márcio Fagundes, ele recebeu mais uma condenação: foi exonerado do seu emprego no Tribunal de Contas do Estado. E no entanto, leiam-se as notícias: ele é suspeito! Não foi condenado, não foi julgado, não foi sequer acusado. Trata-se por enquanto apenas de um inquérito policial.

No centro da operação está a “prisão preventiva”. É ela que possibilita as ações espetaculares da polícia e as imagens sensacionais para a imprensa.


Como bem observaram os parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa que visitaram Fagundes na prisão, além do seu advogado, não existiam as condições exigidas para a prisão preventiva do jornalista: ameaças a testemunhas, risco de fuga, destruição de provas etc. No entanto, ele foi preso com estardalhaço. 

Notícia do dia seguinte à prisão informa que Márcio Fagundes teria dito aos parlamentares: “Vou provar minha inocência”. Ora, o próprio jornalista se confunde diante da situação terrível em que foi jogado: ele não tem de provar nada, a polícia é que tem de provar sua culpa!

A prisão preventiva virou ao avesso a justiça brasileira: agora é o acusado que tem que provar ser inocente, não é mais o Estado – representado pela polícia e pela promotoria – que tem de apresentar provas! Depois que um procurador da República afirmou em coletiva de imprensa – sempre para a imprensa! – que ele não tinha provas contra o ex-presidente Lula, mas tinha convicção, tudo se tornou possível.

A ditadura militar, com seu aparato de torturas, certamente foi pior do que o estado de exceção atual, mas foi mais cruel? Ser preso político tem uma auréola heroica, já ser preso por corrupção desmoraliza irremediavelmente o sujeito. Lembremos que Juscelino Kubitschek – o mais popular candidato à presidência depois do golpe de 64, tido como praticamente eleito na eleição que deveria acontecer em 1965, graças à memória do grande governo que realizou no quinquênio 1956-1960 – foi cassado, preso e processado por corrupção.

O método da direita de desmoralizar adversários políticos não é novo. JK não podia ser acusado de “comunista”, o jeito foi afastá-lo sob acusação de corrupto. Tampouco a maldade da direita pode ser subestimada: ela é capaz de golpear de morte aqueles que a ajudaram a prosperar. JK garantiu os votos no Congresso que deram aparência de legalidade à presidência do primeiro ditador general, Castelo Branco. Lula e Dilma, enquanto presidentes, deram do bom e do melhor aos empresários patéticos da Fiesp, à Globo, aos banqueiros, aos ruralistas, ao PMDB.

Os jornalistas que correram para registrar a prisão espetacular do colega, graças não à qualidade da sua apuração, mas a informações privilegiadas da polícia, devem refletir sobre o episódio. Que trabalho é esse? A imprensa tornou-se instrumento auxiliar da polícia, do ministério público e dos juízes que não querem só exercer suas funções de apurar crimes e punir criminosos, querem transmitir à “opinião pública” a imagem de um combate implacável à corrupção, a imagem de que são eles e mais ninguém os paladinos da moralidade pública. No polo oposto estão os políticos e a política.

Os jornalistas precisam refletir sobre suas responsabilidades, sobre o valor da liberdade, sobre o direito, a lei, sobre a democracia, enfim. Que sociedade é essa que está se formando à nossa volta e para a qual a imprensa vem colaborando? Uma sociedade em que os políticos são vilões e policiais são os mocinhos... Juízes, promotores e policiais truculentos, que não foram eleitos, movidos por suas convicções, e não pela lei, protegem a sociedade daqueles que a sociedade elegeu pelo voto direto, de acordo com a lei!? Tem alguma coisa errada nisso.

Os jornalistas precisam refletir sobre a cumplicidade – para ficar num termo policial – da imprensa, e consequentemente dos jornalistas, com o ambiente de exceção no qual vivemos hoje, parte fundamental do que os mais lúcidos chamam de golpe, que começou com a campanha do impeachment, se efetivou com o afastamento da presidenta eleita pela maioria, culminou com a prisão do melhor presidente do Brasil em mais de meio século e vai parar sabe Deus quando.

Tudo que escrevi acima foi com base em notícias que li e vi na internet e no testemunho do jornalista Carlos Barroso. Não é o ideal, gostaria de escrever como na época em que estava na ativa e presenciava fatos, entrava em repartições, entrevistava fontes, apurava com mais precisão. É disso que sinto falta ao ler o noticiário. Parte do jornalismo morreu com o golpe; a imprensa atual funciona, por um lado, como assessoria de imprensa oficial, focando no que a polícia, o ministério público e juízes querem que seja mostrado e afirmado; por outro lado, como máquina publicitária de um produto que ninguém sabe ao certo qual é, mas que precisa ser vendido com estardalhaço.

Jornalista não é publicitário nem assessor de imprensa, seus compromissos são outros: com a verdade, com a informação correta, com o público, com a sociedade. Precisa refletir sobre as notícias que vem produzindo há anos, dia após dia, escândalo após escândalo, e que, em vez de tornar o Brasil melhor , só ajudam a piorá-lo.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Atlético = passar raiva


Vi do começo ao fim o jogo do Galo contra o Vasco, ontem. Confirmei, depois de muito tempo, uma situação que não mudou: torcer para o Atlético é passar raiva.

Não gosto de ver jogo do Galo pela televisão. Na televisão vejo jogos de outros times, por prazer, sem sofrimento, sem torcer. Para mim, lugar de torcer é no estádio. Lá, mesmo que o time perca, a raiva é extravasada, não volta comigo para casa, não fica acumulada.

O Galo, desde 1978, é especialista em fazer seu torcedor passar raiva e ter decepção. Falta ao clube espírito de vencedor, capacidade de se impor a rivais de primeira categoria. Exceto nos títulos locais, o Atlético sempre entrega nas finais. Basta lembrar daquela verdadeira seleção de Reinaldo, Cerezzo, Luisinho e companhia, que brilhou durante uma década, mas não ganhou nada, a não ser títulos estaduais. 2013 e 2014 foram pontos fora da curva. A partir de 2015 o clube voltou ao normal.

Em 2018, depois de um começo promissor com o treinador caseiro, cuja continuidade tem minha simpatia, o time entregou duas vezes seguidas, de virada -- com o intervalo de uma goleada, para um time pequeno, característica do Galo para iludir sua torcida --, uma delas no campeonato estadual, o que não é normal.

Contra o rival, com o resultado nas mãos (ou nos pés), Otero consegue ser expulso no começo do primeiro tempo! O melhor jogador do time! Num momento em que poderia definir o jogo a nosso favor, com a falta violenta que levou, revida e deixa o time com um a menos, e não um qualquer, mas o um que é o jogador mais importante do time desde o ano passado. Parece até que foi de propósito.

Ontem, contra o Vasco, o time jogou 90 minutos na defesa. Depois de fazer um gol, não teve capacidade de acertar um contra-ataque e matar o jogo.

Qual a culpa do treinador Thiago Larghi? Em primeiro lugar, contra o Cruzeiro, não mexeu no time para garantir o resultado em condições adversas, característica dos times vencedores -- o Corinthians está aí ensinando esta lição, ano após ano; contra o Vasco, mexeu mal.

Em segundo lugar, o comportamento de Otero, Silas, Cazares e Guedes talvez demonstre como o treinador não tem domínio do grupo.

Thiago Larghi me parece um bom treinador, mas mostra que não controla o grupo e mexe muito mal. Ontem, tirou o melhor jogador, Gustavo Blanco, e colocou Yago, que imediatamente levou cartão amarelo. Só tirou Cazares porque o próprio jogador abandonou o campo, contundido (?). E colocou no lugar aquele Roger Guedes, que matou um contra-ataque dando um calcanhar ridículo e ao mesmo tempo armou o contra-ataque do Vasco que levou ao pênalti e ao gol da virada, no último minuto da partida.

O Atlético é nitidamente um time formado por dois tipos de jogadores: os sérios (Victor, Gabriel, Fábio Santos, Luan, Gustavo, Ricardo Oliveira) e os enganadores, os morcegos (Cazares, Elias, Guedes e outros que já foram para o banco ou afastados). Otero é um caso à parte, porque corre, marca, se esforça, decide, embora entregue também, como aconteceu contra o Cruzeiro. O grupo de morcegos compromete o desempenho coletivo.

Tem alguma coisa errada no ambiente do Atlético que faz com que craques não queiram trabalhar, a não ser em casos excepcionais, como em 2013 e 2014. Se quiser montar um time vencedor outra vez, a administração do clube -- que hoje se pretende profissional, mas tem no currículo a mancha de ter censurado um jornalista da Rádio Inconfidência, no episódio destemperado do treinador Oswaldo de Oliveira -- pode começar dando poder ao treinador Larghi para se impor aos enganadores.

Se quiser continuar no cargo, Larghi tem que afastar imediatamente o grupo de morcegos. Ou enquadrá-los -- já cansei de ver jogadores nós cegos no Galo que depois foram bons jogadores em outros clubes. (Está aí o André, dando a vitória para o Grêmio contra o Cruzeiro, no Mineirão, sábado; Renato é uma espécie de Cuca, que faz craques enroladores, como Ronaldinho, renderem.)

Pelo que li, no entanto, Larghi preferiu fazer o mais fácil: culpar a arbitragem, xingar o jogador adversário que mudou o jogo (que passou pelo Galo e foi um fracasso, uma espécie de Roger Guedes, só que ontem foi vencedor), em vez de reconhecer seus erros e os defeitos do time. Ao mesmo tempo, o presidente do Atlético tuitava uma ameaça indireta ao treinador, dizendo que faltou competência (a quem? A algum jogador especificamente? Ao time? Ao treinador? Ao presidente, que não efetiva o treinador nem contrata outro melhor?).

A posição expressada por Larghi na coletiva, de preservar Guedes, é correta; o problema é que, se ele não tem confiança no jogador, não deveria colocá-lo em campo e nem mesmo deixá-lo no banco. Se tivesse tido essa atitude, pouparia provavelmente uma derrota ao time. Não se trata de Larghi precisar de Guedes, trata-se dele precisar da torcida, e para isso precisa ter atitudes corretas.

Um bom treinador deve ter duas qualidades: a primeira é entender de futebol, armar o time em torno de uma proposta de jogo, treinar essa proposta exaustivamente, treinar jogadas, corrigir defeitos dos jogadores e depois executar tudo isso nos jogos, com convicção, do começo ao fim, sendo capaz de perceber quem está mal, quais os pontos fracos do time e fazer mudanças e substituições para vencer; a segunda qualidade é ter o grupo nas mãos, o que significa ter liderança, ser capaz de motivar, ser respeitado, fazer com que o time jogue por ele, para corresponder à confiança que ele transmite.

Thiago Larghi me parece um bom treinador, é possível perceber a evolução do time no toque de bola e em jogadas ensaiadas, mas ele tem dois defeitos: mexe mal durante o jogo e não tem o controle do time. Enquanto jogadores como Elias, Cazares e Roger Guedes (e outros mais, talvez) fizerem parte do grupo, não há chance do Atlético se transformar num time vencedor.

No futebol contemporâneo não há mais lugar para times meia bomba. Ou seja: há, é claro, porque os times vencedores sempre vão precisar dos perdedores. O que o Atlético continua fazendo, embora 2013 e 2014 tenham iludido a torcida, é se qualificar para ser um perdedor, enquanto outros, como o Corinthians, o Grêmio e o Cruzeiro se qualificam para ser vencedores. Para entrar nesse time, o Atlético precisa não só ter "o melhor centro de treinamento da América do Sul", precisa ter uma proposta de jogo, precisa ter uma mentalidade e um elenco vencedores.

Nesse sentido, Thiago Larghi pode ser uma boa solução, assim como Carille e outros jovens treinadores, inclusive o do Vasco, que ontem derrotou o Galo. Se ele é qualificado, pode ser o treinador pelas mãos do qual o Atlético vai implantar uma proposta de jogo, na qual todos os jogadores deverão se enquadrar.

Um das piores defeitos do Atlético é não saber contratar. Aí estão os jogadores citados acima para demonstrar, mas o problema vem de longe. Parece até que a diretoria do clube sai pelo país e pelo mundo procurando jogadores problemas, nós cegos, morcegos, enganadores. Isso começará a ser resolvido quando o clube tiver uma proposta de jogo e um treinador -- ou melhor, uma equipe de treinamento, com um chefe -- que implante essa proposta e fizer contratações adequadas, sendo que tanto o treinador quanto a proposta de jogo devem estar acima de qualquer estrela.

Quando fizer isso, o Atlético começará a se transformar de um time perdedor, um clube de segunda, em um clube vencedor, para ocupar os primeiros postos nos campeonatos nacionais, voltando a ser campeão brasileiro e disputando as copas para vencer, sempre.

Não parece ser essa a mentalidade dos dirigentes atleticanos, porém. No mesmo momento em que, com Ronaldinho, Víctor, Tardelli, Cuca, Levir Culpi e Kalil, o Atlético conquistou dois dos três maiores títulos da sua história (a Libertadores e a Copa do Brasil -- o outro é o Brasileiro de 1971), tomou a decisão que começou a matar o clube e transformá-lo em time pequeno: mudou do Mineirão para o Independência. Com isso, reduziu sua torcida apaixonada de 50 mil, no mínimo, para 20 mil, no máximo. Pior: tornou-se um time de ricos, de uma elite branca, moradora da zona sul da cidade, que pode pagar R$ 100 ou mais por um ingresso, afastando a Massa, nome pelo qual ficou conhecida sua torcida.

Para voltar a ser um time grande, o Atlético precisa voltar a jogar no Mineirão e cobrar ingressos a preços populares.

A atual administração do Atlético não se importa com a torcida, em mantê-la e aumentá-la, preocupa-se apenas com arrecadação, com ingressos caros, patrocínios etc., sem entender que uma coisa está ligada à outra. O Atlético poderia ser um clube de massa e vencedor, mas optou por ser um clube de elite e perdedor. Há algum tempo veio com a ideia de construir seu estádio, como se o Brasil ainda vivesse nos bons tempos do governo Lula, e não sob o golpe que destrói a economia.

O futebol brasileiro é um futebol decadente, ainda que a seleção seja uma das melhores do mundo e possa até ganhar a copa da Rússia. Continuamos tendo grandes jogadores, exportados para todos os países do mundo, e um bom treinador pode montar um time competitivo com eles. No Brasil, no entanto, a decadência é evidente.

A copa do mundo de 2014 foi o atestado do fiasco do futebol brasileiro, assim como foi o tiro no pé que começou a derrubar o PT. Em vez de construir escolas, Lula preferiu construir estádios, em aliança com a CBF, a Fifa, grandes empresas internacionais e construtoras. Cometeu crimes contra o povo, tanto em remoções de populações para obras quanto na expulsão dos torcedores dos novos estádios luxuosos, elefantes brancos, e ainda na corrupção das obras superfaturadas, como sempre fazem as empreiteiras e os empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos. A copa 2014 matou o futebol brasileiro e derrubou o PT.

O Brasil é o país do futebol, a tragédia brasileira se confunde com a tragédia do futebol. O maior presidente brasileiro, o único que veio do povo, menosprezado pelas elites, e que realizou o melhor governo da história, que elevou o Brasil a potência emergente, líder e admirada no mundo inteiro, esse mesmo presidente fez um pacto com as elites, afastou o povo do futebol, prejudicou populações com as obras da copa, e depois foi traído e perseguido pelas elites, até ser preso.

Enquanto o Brasil afunda, no golpe, o futebol brasileiro decai, sem povo. Alguns clubes -- o principal deles é o Corinthians, ironicamente o clube do ex-presidente preso -- estão encontrando seu caminho, aparentemente, ainda que em estádios elitizados, reduzidos a 40 mil torcedores. O Atlético pode encontrar também -- e parar de fazer sua torcida apaixonada passar raiva --, mas terá de mudar sua mentalidade, de time perdedor para time vencedor, de clube de elite para clube de massa.

No futebol contemporâneo, os grandes clubes combinam uma escola de futebol com uma estrutura comercial bem administrada e ainda com uma identidade, que é o que atrai o torcedor. Dessa forma se tornam potências empresariais e esportivas, ganham dinheiro e títulos. O torcedor, no entanto, não pode ser esquecido. Clubes brasileiros não podem vender ingressos a preços de ingressos de jogos de clubes europeus, porque o torcedor brasileiro não tem o poder aquisitivo do torcedor europeu. Para lotar estádios, os clubes precisam vender ingressos que os brasileiros podem pagar, como acontecia antes da copa de 2014 e suas arenas suntuosas. Por que Atlético, Cruzeiro e América não podem dividir o Mineirão? Basta organizar uma agenda de consenso -- depois de recuperar para o futebol esse patrimônio público que foi entregue a uma empresa privada numa falcatrua política.

Estádios são um ponto à parte. A copa de 2014 destruiu o futebol brasileiro, elitizando-o e criando essa corrupção neoliberal dos estádios de clubes. A não ser para favorecer as empresas corruptas, não havia por que mudar a tradição brasileira -- implantada pela copa de 1950 e pela ditadura, é verdade -- de estádios públicos, nos quais cabiam e conviviam todas as torcidas. A proposta neoliberal para o futebol, que o cavalo de troia da copa 2014 introduziu no Brasil, é do estádio propriedade de clube, estádio negócio, obra faraônica, administrada por empresa privada, ou em "parceria", que reduz o público e encarece o preço do ingresso. Isso pode ser bom para a Europa, mas não vale para o Brasil.

Sob o pretexto de impedir a violência, os jogos de duas torcidas, que fazem parte da nossa tradição, foram proibidos pela PM. Só no Brasil a polícia tem tanto poder que decide até o público dos jogos. Ora, se há violência, o objetivo e o papel da polícia, da justiça e dos clubes devem ser impedi-la, combatê-la, punir os infratores rigorosamente, e não impedir os torcedores de ir ao estádio.

É a mesma lógica da lava jato, que, alegando combater a corrupção, destruiu a Petrobrás e as empreiteiras, jogando a economia no buraco, entregando as riquezas nacionais aos estrangeiros, atirando os brasileiros no desemprego.

Assim como em relação à corrupção deve ser bandeira da democracia combatê-la punindo rigorosamente os corruptos, preservando, porém, as empresas, que são patrimônio nacional (como, aliás, acontece em todos os países desenvolvidos), em relação ao futebol, deve ser bandeira da democracia manter os estádios públicos, a serviço dos clubes, frequentados por todos os torcedores, garantidos pelo combate rigoroso às torcidas organizadas, verdadeiras milícias que funcionam à sombra da corrupção no esporte.

A esquerda brasileira, no entanto, não tem um programa para o Brasil, e quando assume o governo faz o que fez o PT, uma "carta aos banqueiros", assume o programa da direita e conchava com as elites. Constrói estádios em vez de escolas, expulsa os pobres de áreas urbanas nobres e afasta os torcedores do futebol. 

(Crédito da foto: Armando Paiva / Raw Image. Publicada no Lance!)