quarta-feira, 30 de maio de 2018

A geléia geral brasileira e a extrema direita

Matéria de Ana Virgínia Balloussier na Folha de hoje (30/5) diz que "extrema direita" rompeu com Scherazade, Constantino e MBL, antes seus gurus, porque estes criticaram a greve dos caminhoneiros. Bolsonaro, o candidato da extrema direita, apoiou a greve.
Quem é extrema direita então? Bolsonaro, Scherazade ou MBL? Os caminhoneiros? Ou a Folha, a Globo, o Estadão?
Por mais baixarias que Bolsonaro diga e faça, ele é só um político. E os militares estão se comportando de forma exemplar. Quem manda no Brasil, acima de todas as leis e adversários ou aliados, são a globoetc., os banqueiros e os juízes.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/mbl-princesa-do-conservadorismo-e-comandante-viram-alvo-da-direita.shtml?loggedpaywall

'Irmãos produtores de proteína', 'terroristas', repasse de custos, intervenção militar: fazendeiros divergem no apoio à greve

A matéria mais interessante hoje vem da Folha de São Paulo. Diz que houve bate-boca numa reunião de "ruralistas" (que será isso?) em Brasília ontem (29/5).

Donos de frigoríficos reclamaram que fazendeiros estão levando comida para os caminhoneiros na estrada. Disseram que seus bichos estão morrendo de fome por falta de ração. Difícil acreditar nisso: fazendas não têm estoque de comida para porcos e aves? Fazenda é que nem nem montadora de carros, produção just in time? Uau! Moderno demais! Será que eles querem que os caminhoneiros também morram de fome na estrada?

Produtor de soja que estava apoiando a greve agora está contra, diz que o tabelamento dos fretes que o governo concedeu aos caminhoneiros será repassado para ele.

Informação interessante: os "ruralistas" são contra a bandeira da "intervenção militar" que alguns grevistas levantam.

E uma curiosidade: um produtor de algodão (todos na reunião eram presidentes de alguma entidade de "produtores") chamou outros de "irmãos produtores de proteína". 

Mas o mais interessante mesmo são as estimativas de perdas. Só ingênuos acreditam nos números divulgados pela globoetc., assessoria de imprensa do governo e "setor produtivo". E a matéria da Folha comprova isso, ao dar novos números. É tudo especulação, tudo chute para criar manchete e assustar o leitor -- que, aparentemente, não faz parte do "setor produtivo". 

O link da matéria:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/ruralistas-batem-boca-em-reuniao-tensa-sobre-apoio-aos-caminhoneiros.shtml

As perdas bilionárias do 'setor produtivo'

Da série "peculareidades da imprensa capitalista".

"Setor produtivo tem perdas bilionárias com greve", diz O Globo na sua manchete de hoje (30/5). E eu fico pensando no que será "setor produtivo". Será que eu faço parte do setor produtivo? O leitor fará? O leitor, digamos, caminhoneiro, a leitora dona-de-casa, o leitor porteiro, a leitora cabeleireira, o leitor motorista de ônibus, a leitora professora, o leitor petroleiro, o leitor jornalista...

Lá dentro a notícia tem outro título, que nos dá pistas do que O Globo chama de "setor produtivo": "Da agricultura à aviação, todos os segmentos contabilizam prejuízos com greve dos caminhoneiros". Parece que não, os leitores citados não fazem parte do setor produtivo. Seremos então parte do setor improdutivo? Existe mais algum setor, que não seja produtivo ou improdutivo?

Se o leitor não faz parte do "setor produtivo", terá tido perdas? O Globo não as contabilizou pelo visto. Por quê? Ou será que quem não faz parte do "setor produtivo" não tem perdas? Ou essas perdas não importam?

De qualquer forma, a preocupação do O Globo com as "perdas bilionárias" do "setor produtivo" e seu desinteresse pelo leitor ficam na minha cabeça.

Para quem quiser ler a pérola, o link é este:
https://oglobo.globo.com/economia/da-agricultura-aviacao-todos-os-segmentos-contabilizam-prejuizos-com-greve-dos-caminhoneiros-22730910

terça-feira, 29 de maio de 2018

Manifestação, Anistia Internacional

A esperança está presa

O país afunda em crise sem perspectivas. Alguns se apegam à eleição presidencial, mas o povo – os caminhoneiros e aqueles que vão ao seu encontro apoiá-los – não acredita que ela vá resolver a situação. Mesmo porque todas as pesquisas mostram que Lula é o preferido, e o prenderam para que não seja candidato. Ou seja, para a maioria a eleição não é esperança, a esperança é Lula, a esperança está presa.

Quem não vê isso não vê o Brasil. Aliás, isso vale também para o PT. O PT não vê o Brasil, não entende a greve dos caminhoneiros. Os olhos do PT são Lula, o PT está cego porque Lula não pode ver o povo. E o que vemos nós? Uma esquerda apegada desesperadamente a Lula, a maioria do país esperando que Lula a salve. E outra parte minoritária, que se mobiliza, faz barulho e tem apoio da globoetc., de empresários, de castas do serviço público e do governo americano, que perdeu a última eleição e deu o golpe, mas não se entende, é incompetente para governar, faz um governo antipovo, antinacional, essa parte minoritária odeia Lula. E ela está no poder, representada por Temer e sua quadrilha. E esse governo corrupto e incompetente enfiou o Brasil no buraco.

E agora aparecem as consequências, nessa greve sem precedentes dos caminhoneiros, que parou o Brasil, que revelou quanto o país depende do transporte rodoviário de cargas. Praticamente todos os setores foram atingidos. E já há desabastecimento, risco para setores essenciais, perdas econômicas gigantescas. E a crise é tão profunda que mesmo o governo cedendo em tudo a greve continua, porque a insatisfação supera o problema do preço do diesel e da gasolina, e chega à situação geral do país. E quando os caminhoneiros estão voltando ao trabalho outras categorias aderem à paralisação.

Nenhuma categoria tem o impacto que têm os caminhoneiros, mas se estes não voltarem as adesões podem levar a uma greve geral como nunca aconteceu antes. Por isso o candidato da extrema direita, apoiado por parte dos caminhoneiros, já falou que a greve tem que acabar. E um dos “líderes” dos caminhoneiros denunciou “infiltração” no movimento.

Para onde vai o Brasil? O golpe criou uma situação pré-revolucionária, que pode ser vista na anomia, na falência das instituições políticas, na desorganização da economia, no desemprego, na miséria, na perda de direitos, na violência, na criminalidade, na falência dos partidos, dos políticos, das lideranças sociais.

O exército é uma ilusão, ele não tem mais a ideologia e os líderes que o fizeram intervir na política republicana durante um século, de 1889 a 1985. O maior partido político foi destruído pelo golpe, é odiado e perseguido pela minoria protofascista. A maior liderança nacional está presa. Nenhuma alternativa surgiu, nenhum líder, nenhum partido, nenhum movimento. O que há de mais organizado são o MST, o MTST, movimentos de mulheres, de negros, de minorias, de estudantes, além das decadentes centrais sindicais. É impossível dizer qual é o poder de mobilização da direita que levou milhões às ruas pelo impeachment dois anos depois. E não se pode esquecer a força social que os neopentecostais adquiriram nas últimas décadas, inclusive com muitos representantes na política. Aquela união alcançada pela direita, no entanto, não se mantém hoje.

Essa debilidade geral, esse esfacelamento político é que garante (?) a realização de eleições em outubro. Aliás, se a esquerda tivesse algum tirocínio, já teria levantado a bandeira da eleição, incluindo nela as reformas profundas que a sociedade quer – uma espécie de programa de salvação nacional que seria aprovado juntamente com a eleição presidencial. Mas o PT só pensa em Lula, sua única bandeira é Lula, e o PT é o partido mais influente da esquerda, ainda, e Lula aprisiona nele o futuro do país.

O futuro do Brasil está aprisionado em Lula. Os golpistas tiveram força para prender Lula, mas não têm força para impor sua alternativa a ele. Porque estão divididos, porque são corruptos, porque são impotentes, porque são entreguistas, porque não têm um projeto nacional. Enquanto isso a esquerda não vira o jogo porque não tem projeto alternativo ao golpe, seu projeto se resume a Lula, a protestar e apresentar Lula como solução.

No entanto, e na ausência de Lula, a nação está à espera de um Napoleão, de um salvador, de uma autoridade capaz de assaltar o poder e consertar o país. E para onde nos levará esse Napoleão, se e quando surgir? Que programa ele apresentará? Que rumo? Que liderança?

Os ridículos que pedem intervenção militar não veem, por um lado, que se o governo fosse militar eles não estariam nas ruas protestando, e, por outro lado, que os militares não têm a autoridade que esperam deles. Quando tiveram, não fizeram melhor do que o que temos hoje, entregaram o país tão caótico quanto ele está hoje, e não gostaram da experiência que tiveram. Os militares não querem voltar. Os ridículos que pedem intervenção militar não veem o pior: que pedem a força porque são fracos, incapazes de governar sua própria vida, decidir, pensar, escolher, assumir responsabilidades; têm que ser mandados, têm que obedecer como cãezinhos amestrados.

Os militares não são solução, os militares não vão voltar, e nós, brasileiros comuns, sem farda, cidadãos, é que temos de assumir a responsabilidade de governar esse país imenso e rico, que pode ser uma grande nação, se nos colocarmos à altura dela, à altura da missão de superar o caos atual e construí-la, democraticamente.

A juventude que vai matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem

"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!"
(Caetano Veloso, durante apresentação de "É proibido proibir", na eliminatória paulista do III Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, em 15 de setembro de 1968, no Tuca (Teatro da Universidade Católica de SP).
http://tropicalia.com.br/identifisignificados/e-proibido-proibir/discurso-de-caetano
http://tropicalia.uol.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2010/10/e_proibido_proibir.mp3

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Greve ou locaute?

Diga lá: essa greve de caminhoneiros é de esquerda ou de direita? É greve ou locaute?
No Chile, em 73, um locaute de caminhoneiros ajudou a derrubar Allende.
Caminhoneiros normalmente não são progressistas, nem fazem greve, fazem locaute.
Mais uma vez é surpreendente, porque nenhuma categoria parou contra a reforma trabalhista, muito menos para impedir o golpe de 16.
Caminhoneiros fazem locaute como a classe média verde-amarela foi para as ruas aos milhões e jovens saíram, antes, em 2013.
O que é que faz as massas se moverem? Esse é o segredo pelo qual qualquer político, de direita ou esquerda, entregaria a alma ao diabo.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/24/politica/1527164449_389275.html

A mais expressiva manifestação pela liberdade de Lula e sua candidatura

Veio de líderes políticos importantes da Europa. Escreveram eles:

"A prisão apressada do presidente Lula, incansável arquiteto da redução das desigualdades no Brasil, defensor dos pobres de seu país, só pode despertar nossa emoção.

O impeachment de Dilma Rousseff, eleita democraticamente por seu povo e cuja integridade nunca foi questionada, já era uma preocupação séria. A luta legítima e necessária contra a corrupção não pode justificar uma operação que questiona os princípios da democracia e o direito dos povos de eleger os seus governantes.
Nós solenemente solicitamos que o presidente Lula possa se submeter livremente ao sufrágio do povo brasileiro.
François HOLLANDE, ex-presidente da República francesa
Massimo D’ALEMA, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
Elio DI RUPO, ex-primeiro-ministro da Bélgica
Enrico LETTA, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
Romano PRODI, ex-presidente do Conselho de ministros da República italiana
José Luis RODRIGUEZ ZAPATERO, ex-presidente do Governo da Espanha"

https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/354964/L%C3%ADderes-europeus-pedem-Lula-livre-e-candidato.htm

Chegou a hora de Ciro Gomes, pergunta CartaCapital

Muitos certamente não entenderão o que vou dizer, mas eu não me surpreenderia se soltassem Lula para derrotar Ciro, como derrotou Brizola em 1989.
Lula não foi só o melhor presidente para os pobres, foi também o melhor presidente para o capital, e pode ser a última cartada das elites diante do caos que o Brasil virou nos últimos quatro anos. A não ser que prefiram Bosonaro e a volta dos militares. Pode ser, a canalhice das elites brasileiras não tem limite.
Roberto Marinho tinha pânico e ódio por Brizola. O que pensam os barões da mídia sobre Ciro?
A história não é linear. Lula disse que dava graças a Deus por não ter sido eleito em 1989. Hoje é evidente que o melhor resultado naquela eleição seria Brizola ir para o segundo turno e derrotar Collor (não sei o que a Globo teria feito, mas suspeito que Brizola venceria).
A história do Brasil teria adiantado vinte anos, a briga da nação com a Globo teria sido feita no tempo certo, Lula e o PT teriam chegado ao poder quando chegaram, talvez antes, quem sabe, mas não com o PMDB, talvez também teriam participado do governo Brizola, e talvez ainda o anão FHC nunca tivesse sido presidente. Enfim, não vejo como não teria sido melhor se Brizola tivesse ido ao segundo turno em 89.
Não sei o PT tem recuperação, me parece que o PSOL ocupa o lugar que foi dele no passado, sem os mesmos defeitos.
A única certeza que eu tenho é que em política, ao contrário do que pensam alguns, não é possível fazer previsão para o futuro, só para o passado, como fiz acima.

https://www.cartacapital.com.br/revista/1004/chegou-a-hora-de-Ciro-Gomes

segunda-feira, 21 de maio de 2018

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Da Lagoinha ao Mangabeiras: Panorâmica exibe documentários sobre bairros de BH

O programa Panorâmica, da TV Universitária, começou a exibir nesta terça-feira 15/5/18 uma série de documentários produzidos por alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG sobre diferentes bairros da capital mineira. Segundo o saite da UFMG https://ufmg.br/comunicacao/noticias/panoramica-exibe-documentarios-sobre-bairros-de-belo-horizonte, o objetivo é refletir sobre o crescimento acelerado de Belo Horizonte desde sua fundação. "Novas comunidades e, consequentemente, novos bairros surgiram nesse processo de urbanização. A cidade planejada no fim do século 19 -- e que em pouco tempo ultrapassou os limites da Avenida do Contorno -- continua sendo transformada por seus cidadãos."
O primeiro documentário focaliza o Bairro Mangabeiras. Realizado por Bruna Faria, Giulia Giarola, Isabella Morais e Leonardo Salvaterra, o filme explora a arquitetura do bairro com movimentos de câmara panorâmicos, enquadramentos de lugares icônicos, como a Praça do Papa e o Parque das Mangabeiras, e travelings dinâmicos pelas longas avenidas do bairro residencial.
Em seguida, o programa exibe documentário sobre a Lagoinha, produzido pelos estudantes Gabriel Leite, Luisa Lessa, Maria Clara Freitas e Pedro Lopes. Os moradores analisaram as transformações sofridas pelos entornos do bairro e como isso afetou diretamente a rotina da comunidade. Os depoimentos trazem, inclusive, reivindicações dos cidadãos, conferindo ao filme certo teor crítico. Ana Luisa Sales, Maria Elena Mattore, Raíssa Martins e Raquel Siman produziram um curta sobre o Bairro Concórdia, com viés histórico e cultural. O curta documenta a presença do congado na comunidade.
O Buritis, um dos mais novos da capital, é abordado na produção de Marco Antônio Benin, Júlio Andrade, Samuel Lorenzato e Giovana Lemos. O filme reúne impressões de adolescentes, jovens e adultos, retratando com pluralidade o cotidiano de seus moradores.
O último filme aborda o bairro Cidade Ozanam por meio de relatos de moradores. A produção é de Bernardo Duarte, Felipe Hardy, João Pedro Fernandes e Júnia Corradi.
O programa Panorâmica tem reprise na quarta e na sexta, às 19h30, e no sábado, às 20h. O Canal Universitário é o 12, da NET, e 14, da Oi TV.
Teaser: roteiro e direção: Ana Fatorelli; produção: Otávio Alves; direção de imagem: Márcia Milagre; imagens: Cássio de Jesus e Gabriel Santana; edição: Márcia Botelho.

Por um jornalismo de esquerda melhor do que o jornalismo de direita

Uma das limitações da esquerda (brasileira?) é não conseguir acompanhar tudo que acontece na sociedade. Fica limitada à política, à economia e a si mesma.
E a reuniões e mais reuniões, e a discursos sempre iguais, repetição de chavões. Era assim nos anos 70, quando fui militante, e certamente melhorou, mas acabou? Pelo menos em certas coisas não. Uma delas é a pauta jornalística.
O jornalismo supera essa limitação da esquerda, ao falar de tudo, ao não ter limitações de pauta, ao ver que "tudo é notícia". Mas o jornalismo é capitalista!
Por ser capitalista, o jornalismo de direita tem limitações.
O jornalismo de gabinete limita a pauta, quando fica olhando para si mesmo e para os outros, "os concorrentes", e daí todo mundo faz as mesmas matérias. O jornalismo globaetc. é limitado porque só vê o mundo oficial -- o modelo típico são os jornalões -- e o mundo dos ricos -- o modelo típico é o das vejinhas, que se espalhou por outras revistas e jornais.
Mas eu quero falar do jornalismo de esquerda. O jornalismo de esquerda precisa ser melhor do que o jornalismo de direita, assim como a política de esquerda e os políticos de esquerda precisam ser melhores do que a política e os políticos de esquerda.
Porque a esquerda quer melhorar o mundo para a maioria, enquanto a direita, preservando privilégios da minoria, faz o mundo ficar pior -- pelo menos para a maioria.
Simples assim. Mas a esquerda precisa fazer melhor para ser uma alternativa de um mundo melhor.
Esta é a questão mais difícil para a esquerda entender, eu acho.
No jornalismo, por exemplo. Como é que a esquerda pode ser uma alternativa de um mundo melhor, no jornalismo, se faz um jornalismo pior?
Ainda hoje, com toda a deterioração do PIG, toda a esquerda continua, ela própria, lendo o globoetc.
Por quê? Porque todos precisamos desses jornais (e suas versões na internet) para nos informarmos. Se o sujeito que quer se informar ficar somente na leitura dos blogs etc., estará mal informado. Sem falar que grande parte dos blogs de esquerda, em grande parte, reproduz e comenta notícias dos jornalões. Estes são, portanto, ainda, com toda a sua decadência, melhores do que os veículos alternativos.  
Não basta apresentar outro ponto de vista, o ponto de vista dos excluídos pela grande imprensa. A esquerda precisa produzir um jornalismo melhor.
É difícil? Sim, não é fácil. Faltam recursos? Sim, falta dinheiro. Mas esse deve ser o esforço, de produzir um jornalismo melhor do que o jornalismo de direita.
A esquerda não pode ficar limitada a reproduzir e comentar o jornalismo da direita, nem a produzir noticiário só sobre a própria esquerda e temas específicos. 
O que serve para o jornalismo em geral serve para o jornalismo de esquerda. Todo bom jornalista sabe que as notícias estão nas ruas.
É preciso cobrir tudo, escrever sobre tudo, perambular pela sociedade, descobrir coisas, contar histórias. 
O jornalismo de esquerda é limitado porque só vê política, economia e "luta". A sociedade é muito mais do que isso.
Fazer jornalismo deve ser narrar o que as pessoas -- todas as pessoas, de todas as classes sociais, todas as áreas, em todas as partes da cidade, das cidades, do estado, do país, do mundo -- estão fazendo, seus hábitos, seus interesses etc.
O que vai tornar o jornalismo de esquerda melhor do que o jornalismo da direita é superar os limites deste, isto é: não fazer jornalismo oficial, não falar só dos ricos, não excluir os pobres, não excluir minorias, não censurar temas. Ter compromisso com o leitor, com a diversidade, com a liberdade -- a começar pela liberdade de expressão --, com a justiça, com a igualdade, com a democracia.

Um saite curioso, um livro, o caos ortográfico e a imprensa

Um saite local, curioso, que eu não conhecia: http://moonbh.com.br/baixo-lourdes-um-lugar-pra-comer-ate-morrer-sem-pagar-muito-caro-em-bh/. Pela novidade e pelo "Baixo Lurdes", que eu também não conhecia

OBS: Lurdes, não Lourdes. Leio no ótimo livro "A imprensa e o caos na ortografia", do Marcos de Castro, veterano jornalista carioca, do JB e outras publicações, que o grande jornal brasileiro, falecido e renascido, responsável pela modernização do jornalismo no país, nos anos 70, começou também, duas décadas depois, essa coisa horrorosa que foi recuperar a ortografia arcaica. Pois é. Desde 1943, com a reforma ortográfica, o Brasil escrevia, por exemplo, Darci, e não Darcy. Mas o general Golberi, todo poderoso da ditadura, reclamou que seu nome era com y. E o Elio Gaspari, editor de política, amigão dele (sua tetralogia sobre a ditadura foi baseada nos arquivos de Golberi e Geisel, os dois herois da redemocratização, segundo o jornalista, desmascarados, na semana passada pela divulgação de documentos da CIA), levou o pleito à direção do jornal, que o acatou. E abriu a porteira, aos poucos arrombada, como notou um experiente redator da época. Logo, para ficar no exemplo acima, Lurdes voltou a ser Lourdes. Eu, que entrei no JB em 86, já peguei o retrocesso em vigor: devia-se saber a grafia dos nomes dos entrevistados, em vez de seguir a lei ortográfica. Agora que sei, resolvo um problema que sempre me incomodou e adiro (sim, existe adiro, fui ao dicionário), ainda que tarde, à lei modernizante de 1943.

sábado, 12 de maio de 2018

Todo mundo deve ver essa entrevista do Guilherme Boulos

A entrevista do Guilherme Boulos no roda morta é um retrato do golpe. A direita -- representada pelo apresentador, por um cientista político de quinta categoria, um empresário inexpressivo e dois jornalistas do PIG -- é destruída no debate. Todas as perguntas são provocações de baixo nível e o Boulos responde com informações e afirmações inquestionáveis.
A consequência -- no programa e na política brasileira -- é que a direita perde o debate e perde a eleição. Por isso apela para o baixo nível, para a conspiração, para o golpe, para o autoritarismo, para a repressão.
A direita brasileira e a democracia são incompatíveis.
A entrevista me provoca dois sentimentos opostos.
O primeiro é de esperança, porque fica claro que a esquerda avançou nos últimos anos e que temos um candidato e um partido que defendem a democracia, no sentido verdadeiro da palavra, que é o empoderamento do povo e a construção de uma sociedade igualitária, justa, com liberdade.
O segundo é que, justamente por isso, e porque a direita brasileira é incapaz de conviver com a democracia, talvez estejamos próximos de um golpe dentro do golpe, de um AI-5, de uma ditadura feroz, para destruir esse empoderamento popular inegável que o governo de conciliação de classes do PT gerou.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O Judiciário brasileiro é ocupado por uma casta

Quatro anos depois de começarem a destruir o país, dois anos depois de derrubarem o governo, um mês depois de prenderem o melhor presidente em meio século, às vésperas de uma eleição que não sabemos se haverá, finalmente uma reportagem mostrando quem são os sujeitos de um dos braços do golpe.
O Brasil não é só um país capitalista com empresários servis ao capital internacional, é também um país de castas que controlam os serviços públicos e os poderes da República. Para virar uma democracia, vai ter de acabar com os privilégios de muita gente.

Matéria da Agência Pública


Entrevista
Integrantes da Lava Jato vivem na “mesma bolha”, diz pesquisador da UFPR

O sociólogo Ricardo Oliveira, que pesquisou as biografias de magistrados, procuradores e advogados da operação, diz que eles têm as mesmas origens, às vezes se conhecem desde a infância e por isso atuariam em rede

9 de Maio de 2018
Amanda Audi

    Para pesquisador, força-tarefa é composta por “herdeiros da velha elite estatal”.
    Dinastia do Judiciário no Paraná inclui conexões com advogados e políticos
    Rosângela Moro, advogada e esposa do juiz, pertence ao clã de Beto Richa e Rafael Greca 



Para o professor de sociologia Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os integrantes da Lava Jato (incluindo magistrados, procuradores e advogados) operam em um circuito que chama de “fechado” e que funcionaria “em rede”.

O professor comanda um grupo de pesquisa chamado “República do Nepotismo”, que utiliza a técnica da prosopografia (biografia coletiva de determinado grupo social ou político) para demonstrar que pessoas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e advogados ligados às delações são herdeiros de figuras do Judiciário e da política paranaenses. O estudo será apresentado na segunda quinzena deste mês.

“Eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam. Frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista.
 

Reprodução: Equipe Lava Jato MPF. Equipe da Lava Jato

Quais as principais conclusões do estudo que o sr. desenvolve na UFPR?

Em primeiro lugar, quando a gente pensa na magistratura brasileira e do Paraná, sempre se deve entendê-la como unidades de parentesco. São famílias ao mesmo tempo jurídicas e políticas, uma unidade que sempre opera em rede. Não existe aquela figura, como alguns imaginam, de pessoas que são “novas”, ou “emergentes”, ou “renovadoras”. Os resultados mostram que são todos herdeiros de uma velha elite estatal.

Isso inclui os integrantes da Lava Jato?

Sim, o juiz Sérgio Moro e todo mundo, temos todos os documentos. É uma elite estatal hereditária porque eles apresentam parentescos no sistema judicial bastante significativos. Não apenas parentesco, mas também relações matrimoniais, de amizade e de sociabilidade. Há também a dimensão do corporativismo. Se forma um grande circuito formativo ideológico, de convivência, que tem determinados padrões e valores hereditários. O próprio Sérgio Moro, uma figura central, filho de um professor universitário, tem como primo um desembargador, o Hildebrando Moro. Ter um parente no Tribunal de Justiça, para os códigos internos, faz muita diferença. Na nossa interpretação, é um sistema pré-moderno. Ele não funciona através de regras impessoais ou de aspectos técnicos, mas com muito poder pessoal. De modo que o ator, na magistratura, tem uma capacidade incrível de determinar a agenda, a temporalidade dos processos, no sentido de escolher os que quer acelerar e aqueles que serão adiados.”

Existe relação de proximidade entre magistrados, procuradores e advogados da Lava Jato?

Sim, é o mesmo circuito. Tem o caso da esposa do Moro, a Rosângela Maria Wolff Quadros, que é advogada. Ela está situada dentro do clã da família Macedo, genealogia extremamente importante no Paraná, que atinge atores nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e no empresariado. Como Rafael Greca de Macedo [prefeito de Curitiba], o Beto Richa [governador do Paraná licenciado] e um conjunto de empresários e desembargadores do Tribunal de Justiça. Até se usa o termo “Macedônia”, dada a importância da família Macedo. E a família Wolff é típica do poder local de São Mateus do Sul [interior do Paraná], é uma estrutura que vem da República Velha, do coronelismo. Ela, como advogada, tem relações profissionais com a Apae. E aí há uma conexão direta com a família Arns. Flávio Arns foi senador, vice-governador, ator de atividades assistenciais. E com o advogado Marlus Arns de Oliveira, que é sobrinho do Flávio Arns.

Qual a relação entre eles?

É uma relação profissional [da esposa de Moro] com a família Arns e com as Apaes. Eles trabalharam juntos com as Apaes. O Marlus Arns é advogado de muitos acusados da Lava Jato nas delações premiadas. Chegou até a defender Eduardo Cunha. Em matérias da imprensa sobre advogados amigos do Sérgio Moro, como o Carlos Zucolotto, e as questões sobre Rodrigo Tacla Duran, mostra a partir do casal uma indústria jurídica da Lava Jato, em que muitos dos principais advogados da Lava Jato têm relações próximas com os operadores.

Quais casos foram identificados pelo grupo de pesquisa?

O do procurador Diogo Castor de Mattos, que era filho do falecido procurador Delívar Tadeu de Mattos. Ele foi casado com Maria Cristina Jobim Castor, que era irmã de Belmiro Valverde Jobim Castor, que foi empresário, secretário de Estado, do Bamerindus, um nome muito importante na política. No escritório da família, o Delívar de Mattos & Castor, trabalha um irmão do procurador, que se chama Rodrigo Castor de Mattos. Ele foi advogado do marqueteiro João Santana. É mais uma relação direta de parentesco, que corrobora que é uma indústria advocatícia da Lava Jato muito próxima dos seus protagonistas.

Há situações parecidas com outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba?

O Carlos Fernando dos Santos Lima é filho de Osvaldo Santos Lima, que foi procurador, deputado estadual da Arena e presidente da Assembleia Legislativa do Paraná em 1973. Ele também tem dois irmãos no Ministério Público. A esposa dele teve relação com o Banestado [banco paranaense que deu origem a escândalo de corrupção nos anos 1990 e Carlos Fernando investigou]. O Deltan Dallagnol é filho do ex-procurador Agenor Dallagnol. Ele passou no concurso sem ter os dois anos de formado, o pai foi o advogado [na apelação da União, em que a Justiça deu vitória ao procurador] . Todos os operadores da Lava Jato também são extremamente conservadores e têm perfil à direita, semelhante aos seus parentes que faziam parte do sistema na ditadura. Naquela época, seus pais eram gente do establishment. E eles herdam a mesma visão de mundo. É uma elite social, política e econômica.

Os integrantes da Lava Jato vivem em um meio comum?

Sim, eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam muitas vezes. Eles frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos que atuam no sistema judicial.

Na pesquisa, o sr. ouviu falar sobre advogados que conseguem acordos de delação com a Lava Jato fazerem parte de um mesmo grupo?

É exatamente o que os resultados revelam, porque alguns principais advogados da indústria da delação são nomes com conexão com as famílias da Lava Jato.

O mesmo se aplica aos tribunais superiores na Lava Jato?

O circuito é o mesmo quando você analisa o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [TRF-4]. Tem o João Pedro Gebran Neto, neto do ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná. Ele vem de uma das mais tradicionais famílias da Lapa, de onde sai boa parte das famílias que dominam a política paranaense nos anos 1970. Victor Luiz dos Santos Laus é bisneto do fundador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, é neto do desembargador ministro Thompson Flores, que foi do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a ditadura militar, uma das principais genealogias do Rio Grande do Sul. O ministro Felix Fischer, mesmo sendo alemão, é casado com uma procuradora de Justiça do Paraná aposentada. Ele tem três filhos no Judiciário paranaense. Depois, no STF, temos o Edson Fachin, que tem a mesma dinâmica familiar. É casado com uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná. A filha dele é advogada do escritório Fachin Advogados Associados e é casada com Marcos Alberto Rocha Gonçalves, filho de Marcos Gonçalves, executivo do grupo J&F, da família dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Há um verdadeiro circuito que começa no Moro e vai até o Fachin. Todos com o mesmo perfil: família, ação política, conexões empresariais, com escritórios advocatícios, ideologia propensa à direita, de uma elite estatal muito antiga que opera em redes familiares.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Jornalistas brasileiros não têm liberdade de expressão

O jornalista Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, publicou na Revista de Jornalismo ESPM um artigo excelente no qual demonstra de forma irrefutável o que está escrito no título acima. É urgente que a sociedade brasileira conheça essa realidade, é urgente que os jornalistas discutam o assunto. O artigo é longo, ocupa seis páginas da revista, razão pela qual não vou abordá-lo de forma minuciosa, mas destacar os pontos que considero essenciais e acrescentar meu ponto de vista.

Antes, algumas palavras sobre a revista.

A ESPM – não confundir com a ESPN, a emissora de esportes americana, que mantém canais por assinatura no Brasil, num nível de qualidade muito acima da televisão brasileira – é a Escola Superior de Propaganda e Marketing, tradicional instituição paulistana. Ela publica a Revista de Jornalismo ESPM, que está no seu número 21 (janeiro-junho de 2018), com periodicidade semestral, e tem os seguintes subtítulo e lema: “Edição brasileira da Columbia Journalism Review. Imprensa livre, democracia forte”.

Essa ligação com uma instituição americana, se deixa o leitor com a pulga atrás da orelha, é certamente um dos motivos da qualidade da publicação, incomum no Brasil. Aqui, as publicações ou são para público amplo e superficiais, ou são acadêmicas e chatas. Uma exceção é o Le Monde Diplomatique, também com inspiração estrangeira, no caso francesa. Com a internet, esse quadro vem mudando, mas entre veículos impressos se mantém. A edição nº 21 da Revista de Jornalismo da ESPM (é preciso escrever assim, por extenso, porque a ESPM tem outra revista) trata de diversos assuntos fundamentais para a prática do jornalismo no Brasil. Eu me pergunto quantos jornalistas a leram. Não conheço ninguém que tenha esse hábito (de resto, o leitor comum talvez se surpreenda ao saber que grande parte dos jornalistas lê pouco), e eu mesmo só tenho acesso à revista por acaso.

Mas meu assunto não é a revista de jornalismo da ESPM (que merece também outros textos, sobre outros dos seus artigos) e sim o artigo fundamental do presidente do sindicato dos jornalistas paulistas. Começo pelas revelações mais estarrecedoras. Zocchi nos conta que as principais empresas jornalísticas do país recomendam formalmente aos seus empregados jornalistas que não expressem suas opiniões e até proíbem que eles tenham militância política.

As principais empresas citadas por Paulo Zocchi são: Folha de S. Paulo, Editora Abril e TV Globo. A recomendação formal é feita por meio de orientações por escrito, guia interno e comunicados.

O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) confirma essa posição patronal ao se recusar a incluir na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) uma “cláusula de consciência”, pela qual o jornalista tem direito de se recusar a fazer matérias que firam o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

O fato mais recente que chamou atenção para essa prática foi a demissão do repórter Diego Bargas pela Folha, em outubro de 2017.

Bargas foi demitido no mesmo dia em que a Folha publicou matéria sua com o título “Criado por Danilo Gentili, comédia juvenil ri de bullying e pedofilia”. A matéria foi atacada nas redes sociais pelo comediante e alguns dos seus milhões de seguidores, que acusaram o repórter de ser “militante do PT”. Usaram para isso publicações de Bargas nas suas páginas nas redes sociais. E a acusação foi o pretexto do jornal para demiti-lo, pois, de acordo com orientação da direção de redação “sobre ações em redes sociais”, datada de 8 de setembro de 2015, “o jornalista da Folha deve evitar: manifestar posições político-partidárias; emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem da Folha”.

A Editora Abril afirma no seu guia interno que “considera a militância política do jornalista como desaconselhável” e a proíbe para jornalistas de política e economia. Determina ainda que “o jornalista não deve escrever em sua página nas redes sociais ou blogs nada que não escreveria nos títulos da Abril”.

E a Globo? A gigante da comunicação – esse polvo presente em todos os lugares, como não é permitido a nenhuma outra empresa do ramo em nenhuma outra grande nação, nem nos EUA, nem na Europa – definiu em comunicado recente, citado por Zocchi: “[a] participação de jornalistas do Grupo Globo em plataformas da internet e blogs pessoais, redes sociais e sites colaborativos deve levar em conta que os jornalistas são, em grande medida, responsáveis pela imagem dos veículos para os quais trabalham e, por isso, devem evitar em suas atividades públicas tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem a profissão com isenção e correção”.

Donos de jornais e revistas e concessionários de emissoras de televisão e rádio no Brasil não apenas são uma pequena elite que controla os meios de comunicação no país – como é sabido e confirmam diversas pesquisas, a mais recente e abrangente delas da organização internacional Monitor de Propriedade de Mídia, que pode ser lida no link https://brazil.mom-rsf.org/br/. Eles também se comportam em relação aos seus empregados como os latifundiários se comportavam em relação aos escravos: como propriedades suas. Assim, como propriedade, jornalista não tem opinião, sua função é expressar a opinião do seu patrão.

Mais estarrecedor ainda é constatar que tal opinião não se limita a uma parcela do empresariado e nem mesmo a todo empresariado. Ela atinge o Estado e é expressa por magistrados. Conforme citado no artigo de Paulo Zocchi, o ministro Emmanoel Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho, ao se pronunciar contra a “cláusula de consciência”, no dissídio coletivo dos funcionários da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), em 2016, afirmou, que, se fosse proprietário de um jornal e decidisse criticar um prefeito, ordenaria a um de seus jornalistas que o fizesse em reportagem, e ele, como empregado, teria a obrigação de obedecer.

Por que será que não nos espantamos com isso? De fato, o caso hipotético citado pelo ministro do TST faz parte do cotidiano do jornalista brasileiro.

Diz o ditado que o pior cego é o que não quer ver. Às vezes eu tenho impressão de que o jornalista não quer ver a realidade que envolve sua profissão, na qual sua liberdade é limitada pela liberdade do seu patrão. Realidade que nos coloca, como profissionais, na condição de escravidão que atinge a todos os trabalhadores brasileiros, conforme explica o sociólogo Jessé Souza no seu livro “A elite do atraso”. Talvez isso aconteça porque o jovem jornalista sonhou longamente em trabalhar numa grande grife jornalística, talvez porque o velho jornalista, premido pelas necessidades da sobrevivência, se resigne a conviver com o problema insidioso.

A realidade exposta por Paulo Zocchi sempre existiu ou faz parte do golpe de 2016?

Evidentemente, a internet criou uma situação que inexistia, a de o jornalista exercer sua liberdade de expressão em redes sociais, blogs pessoais etc., e atingir milhões de pessoas, muitas vezes público superior ao dos veículos em que trabalha. Antes, expressas apenas em rodas familiares e mesas de bar, as opiniões divergentes dos jornalistas não incomodavam os patrões, não podiam fazer frente à versão oficial, pública, publicada. Mas é verdade também que neste século as empresas jornalísticas assumiram mais francamente o papel de partido político da direita, estreitando os limites para opiniões divergentes dentro dos seus veículos. Isso é parte do golpe e se consolida com ele.

O fato é que, mais uma vez, um problema importante, ao ser analisado, revela como ele está enraizado na sociedade brasileira – na comunicação, nas empresas, no Estado, na ideologia. Para que a democracia avance no Brasil é preciso mexer em tudo. A ordem que temos hoje é uma deterioração do Estado que a Constituição de 1988 estabeleceu formalmente, tentando arranjar as diversas e conflitantes forças sociais que afloraram no fim da ditadura militar de 1964-1985, e que podem ser resumidas em dois grandes campos, o democrático e o liberal.

Não tenho dúvida de que o Brasil, como o mundo, avança em direção à democracia, mesmo porque o liberalismo já demonstrou, há um século, que suas consequências são guerras, revoluções, totalitarismo. A democracia, porém, parece vir muito devagar, e geração após geração só consegue ver parte dela, nunca o todo: o Estado democrático, organizado e estável. No qual, entre outras coisas, os jornalistas não são propriedade dos seus patrões e podem exercer a liberdade de expressão, fundamental ao exercício da profissão.