segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

A extraordinária obra de Cármem Silva

Existe um mundo pós-capitalista sendo criado e que a mídia capitalista não mostra?
Ou as iniciativas são reações pré-capitalistas citadas por Marx há 160 anos, no Manifesto Comunista? Como são essas iniciativas? Elas persistem? Malogram? Renascem? Prosperam? Se impõem, como soluções melhores do que as soluções capitalistas? Podem se universalizar?
Na política é fácil ver que o projeto comunista foi pior do que o capitalista, por isso morreu, enquanto o capitalista sobrevive, embora reacionário, implantando a barbárie. E na economia? Que iniciativas econômicas são melhores do que as capitalitas? Na agricultura, por exemplo, está aí a Agenda Gotsch, sintrópica.
Na organização social, esse vídeo mostra uma iniciativa e uma personagem pelas quais Luís Nassif manifesta incontido entusiasmo. Pessoas agindo coletivamente, sem depender do Estado, para resolver problemas individuais que são coletivos, isto é, sociais, isto é, que atingem a muitos indivíduos, e portanto deveriam ser objeto de política pública, mas não são.
E também não dependem de um partido político do tipo comunista.
Na verdade, essa é a solução ideal para os problemas sociais: os indivíduos interessados se reúnem e fazem. O Estado deve colaborar como pode (no caso brasileiro, ele atrapalha e tenta impedir, como a justiça (com j minúsculo), que prendeu, processa e impõe restrições à lider Cármem Silva).
Essa é uma solução pós-capitalista, porque não é movida pelo lucro, que a todos e a tudo move no capitalismo, mas é uma solução, e uma solução melhor do que a capitalista.
Qual é a solução capitalista para a questão habitacional? O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, para ficar num projeto pretensamente de esquerda, supostamente bem intencionado. Ele cria conjuntos habitacionais artificiais em locais distantes e sem infraestrutura, onde ninguém quer morar, mas o pobre que não tem nada deveria querer. Obviamente, não pode ser assim, isso não é solução, a não ser para o capital, que vai fabricar e ter lucro com as moradias, incluindo aí maior ou menor dose de corrupção. Sem falar na relação clientelista dos políticos e na relação paternalista deseducativa dos beneficiados com aqueles.
Por isso envolver os interessados e eles mesmos resolverem os problemas é uma solução melhor do que a capitalista, uma solução pós-capitalista.
E quando os próprios sem-casa escolhem sua moradia eles não vão para a periferia, vão para o centro. O centro abandonado e decadente tem a infraestrutura que todos querem -- os ricos querem e compram porque têm dinheiro, mas os pobres, que foram excluídos dos benefícios do capitalismo porque não têm dinheiro para comprar, também querem.
Ocupar o centro deve ser a primeira orientação de uma política habitacional racional, social, pós-capitalista, que atende não os interesses do capital que quer construir e lucrar, e sim os interesses daqueles que precisam morar.
Simples assim. 

sábado, 28 de dezembro de 2019

Os números mágicos da economia

Estatísticas, como as divulgadas pelo IBGE sobre emprego (matéria abaixo, do El País), existem para tentar precisar a realidade. Sem elas, ficaríamos discursando em torno de achismos, cada um com o seu.
O jornalismo brasileiro, porém, nunca teve capacidade de criticar estatísticas, sempre fez delas pretextos para manchetes, para o bem e para o mal. O jornalismo é assim, ao contrário do que diz Paulo Giraldeli sobre a Globo, no seu ótimo livro "A filosofia explica o bolsonarismo". Giraldeli (seu sobrenome tem mais alguma letra, mas estou sem paciência para o excesso de letras dobradas, agás, zês e falta de acentos que tomaram conta dos nomes brasileiros estrangeirizados, desmodernizados e afrescalhados) não conhece o jornalismo por dentro, ignora as minúcias pelas quais as informações são manipuladas -- sim, a Globo, como toda a imprensa, manipula informações.
O jornalismo sempre deixou a explicação das estatísticas para especialistas que poucos leem, separando as duas coisas. Explicar -- ou interpretar, no jargão jornalístico -- é uma coisa complicada, porque envolve opinião, ponto de vista, posicionamento político etc., então é melhor ficar nos fatos puros -- nos números puros, neste caso.
Mas o que é que os números dizem? Eles já vêm acompanhados das explicações dos especialistas que os divulgam, como os do IBGE. Mas os próprios números são sujeitos a críticas: por que esses e não outros? Como foram elaborados? Para quem? O que se pretende com essa metodologia? O que ela expressa? Há quanto tempo foi criada? Com que frequência é atualizada? Que parte da realidade ela mostra? Com que precisão?
Os repórteres, em geral jovens, mal compreendem o que recebem, estão preocupados em reproduzir fielmente as fontes e em encontrar as novidades, o que é notícia, em fazer seu trabalho, enfim, cumprir sua tarefa diária, com a qual garantem seu emprego. Pesar a novidade é um trabalho para veteranos, e veteranos críticos.
Para divulgar e dar destaque a números que terão tanta e tão duradoura repercussão é preciso confiar na sua lisura e na sua veracidade.
Essa é uma fraqueza que a formação acadêmica dos jornalistas brasileiros nunca conseguiu superar. E agora, que não é preciso mais ter formação acadêmica e nem mesmo registro profissional para exercer o jornalismo, o que esperar de quem reporta? As empresas definem o que querem, e em se tratando de empresa brasileira, em se tratando de empresa capitalista, definirão pelo custo: quem aceita ganhar salário mínimo para ser jornalista, trabalhar quantas horas for preciso, 24 horas com o celular nas mãos, qualquer dia da semana, para privar o ambiente glamuroso das notícias. Jovens, é claro, jovens tecnológicos, espertos, que não sabem escrever, têm conhecimento raso, mas ágeis e produtivos.
Tudo isso para dizer que a notícia abaixo diz muito pouco do que está acontecendo, mesmo produzida por uma repórter superexperiente. Peguei no fim da notícia esse trecho que reproduzo abaixo. Me parece o mais importante, mas mesmo assim diz muito pouco.
Notícias com estatísticas econômicas precisam servir para informar o leitor sobre o que está sendo feito pelo governo e pelas empresas, o que está acontecendo na economia, enfim, e essa faz muito pouco para isso, fica só no nível rasteiro de manchete, na notícia rasa que os repórteres buscam para cumprir a pauta e não perder seu dia de trabalho, para conquistar espaço no jornal e na primeira página, e na empresa e no meio. O que a gente precisa saber, e a notícia não diz, é o que o neoliberalismo está fazendo com o emprego, a renda, o trabalho, os direitos, a vida, enfim, dos brasileiros; o que a reforma trabalhista do governo golpista está fazendo, o que a nova reforma trabalhista da "carteira verde e amarelo" está fazendo. Como dizia a apresentação de uma revista criada durante a ditadura e que teve vida breve, "contra fato, há argumento".
O que eu quero dizer, enfim, é que, neste momento em que a internet destruiu os impérios jornalísticos, e com eles o jornalismo impresso; em que o jornalismo busca formas de sobreviver e está sendo reinventado; em que depende fundamentalmente dos jornalistas para existir, porque os empresários querem lucro e não vão investir numa atividade que dá prejuízo; neste momento de reinvenção, os veículos jornalísticos precisam ser empreendimentos com projetos bem detalhados de como vão produzir e divulgar informações, que informações, para quem, com quais objetivos. Não basta simplesmente cobrir o dia a dia, produzir notícias, reportar fatos, frequentar ambientes oficiais e comparecer a coletivas. O jornalismo agora, mais do que nunca e definitivamente, precisa ser feito a partir de ideias claras, a partir do conhecimento de quem o produz.
Quando a notícia era o produto vendido por jornais, responsável pelo lucro dos donos dos impérios jornalísticos, sua exploração sensacionalista fazia sentido. Agora que o jornalismo, isto é, a produção de notícias para venda, está deixando de ser um negócio lucrativo, o processo pode, deve e tem de merecer uma nova metodologia, uma metodologia comprometida com a importância social do que é divulgado.
Num ambiente em que acontece justamente o oposto, em que os cursos de jornalismo estão falindo e fechando, em que os jornalistas estão ficando sem emprego e ganhando salário mínimo, não é fácil fazer isso. E quem vai fazê-lo? Acho que precisa haver -- e haverá e já está havendo -- um movimento para que os próprios jornalistas assumam o jornalismo e sua formação, sua qualificação cada vez mais exigente, não só em tecnologias e línguas, mas principalmente em conhecimentos aprofundados e críticos dos assuntos.
O jornalismo é sempre uma forma de manipulação de informações, o que importa é como as informações são manipuladas, quão próximas da verdade e dos interesses da democracia elas se encontram.

Emprego tem leve melhora e mais vagas com carteira assinada, mas informais superam e desafiam recuperação
Carla Jiménez, El País, 27/12/19
(...)
O grande desafio é reduzir a informalidade do mercado de trabalho, que hoje está na faixa dos 41%. Dos 94,4 milhões de brasileiros consideradas ocupados, ou seja, que trabalharam ao menos uma hora em trabalho remunerado (com dinheiro, ou com benefícios como moradia e alimentação) no período da pesquisa, 33,4 milhões têm carteira assinada, ou 378.000 pessoas a mais no mercado formal em comparação com o trimestre anterior. A maioria das vagas veio do comércio, de olho nas vendas de final de ano, explica Adriana Beringuy.
Outros 24,6 milhões trabalham por conta própria, o que inclui tanto empregadores sem registro e sem funcionários, como atividades como faxina, motorista de aplicativo ou entregadores. Foram 303.000 pessoas a mais nesse status no período. O IBGE considera que 38,8 milhões de brasileiros estão dentro da categoria informal, incluindo os que trabalham por conta própria.
“O movimento da carteira (assinada) é positivo, mas não é suficiente para um mudança na estrutura do mercado de trabalho”, diz Beringuy. “A despeito dessa reação, durante o ano todo houve um crescimento nas categoria relacionadas à informalidade, que são conta própria e empregados sem carteira”, completa. A analista reconhece, contudo, que a criação das vagas informais pode ser um passo que anteceda uma reação. “Mas não dá para antecipar nada. É preciso esperar os primeiros meses de 2020 para ver como o mercado se comporta”, diz.
Já o rendimento médio real ficou em 2.332 reais, com pouca variação sobre o trimestre anterior ou ao ano passado. Mas a massa de rendimento teve uma leve melhora, chegando a 215 bilhões de reais, uma alta de 2,1% sobre o trimestre anterior, e 3% sobre o mesmo período de 2018. Essa expansão se explica pelo maior número de pessoas trabalhando: o total de 94,4 milhões representa um recorde na série histórica da PNAD Contínua.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Por que alguns anos não terminam

Uma interessante reflexão de fim de ano, por Antônio Brito, aquele, o do "lamento informar que o presidente Tancredo Neves faleceu..." 


Por que alguns anos não terminam

Antônio Brito 

20/12/19 (sexta-feira) - 5h50

Nós, os brasileiros, temos uma antiga, sólida e indestrutível aliança com o otimismo, ainda que os resultados dela sejam muito discutíveis. Faz parte da cultura nacional, desde sempre, desviar o olhar da realidade e apontá-lo para algum lugar supostamente mágico de onde virão soluções milagrosas que farão o centroavante desencantar, dinheiro aparecer no final do mês e a vida melhorar apenas porque assim queremos.

A forma como vivenciamos a chegada de um ano novo expressa esta cultura. A exemplo do mundo todo, injetamos alegria e esperança com a simples troca no calendário. Mas, diferente de outros países, nós parecemos realmente acreditar nisto.

Para 2020, porém, os fatos são claros demais para que esperemos por grandes transformações. A sensatez indica que o ano novo leva mais jeito de continuidade do que de mudança. Bolsonaro, o PT e o chamado centro são três boas explicações para que 2020 comece como ano gêmeo de 2019.

Clique aqui para ler a íntegra no Poder 360.

A retrospectiva 2019 da excelente agência Pública

Desmatamento e violações aos direitos humanos atingiram o recorde no governo Bolsonaro; a democracia, desprezada em discursos das autoridades, sofreu com o desmantelamento das instituições e a perseguição à imprensa.

O ano que pôs o jornalismo à prova

A violência de discurso contra mulheres, gays, indígenas, quilombolas, nordestinos – e contra a própria imprensa – fez soar o alarme ainda na campanha eleitoral. Se o presidente Jair Bolsonaro ganhasse, teríamos um governo de extrema direita e radicalmente misógino, como notou o intelectual português Manuel Loff . Na redação, nos preparamos para uma cobertura ampla do governo de um candidato eleito sob o símbolo das armas, com a marca do autoritarismo, e que, como estratégia de comunicação com a sociedade, promovia a perseguição aos jornalistas – e aos fatos – e elegia como missão o ataque à cultura, aos movimentos e às organizações sociais.

Uma de nossas primeiras reportagens do ano mostrou o desvirtuamento do Ministério de Direitos Humanos, que passou a se chamar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ao ser liderado por uma pastora que defende a imagem bíblica da “mulher virtuosa”, submissa ao homem e desinteressada de seus direitos. Seus secretários foram escolhidos entre evangélicos e católicos militantes, contrários aos direitos LGBT e ao aborto. Um general, que se posicionou contra a Comissão da Verdade, passou a presidir a Comissão da Anistia.

Prenúncios do que viria. Em abril, o ministério foi acusado de impedir inspeções a presídios no Ceará pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção ao Combate à Tortura, demitidos em massa por Bolsonaro dois meses depois. Os conselhos que contavam com a participação da sociedade civil, entre eles o do trabalho escravo, foram extintos. A promessa de combater a violência contra a mulher traduziu-se na prática em desmonte dessas políticas, abandono da rede de proteção e criminalização das vítimas. Um exemplo contundente: confrontada com o holocausto das meninas estupradas na Ilha de Marajó, Damares atribuiu o problema ao fato de as meninas “não usarem calcinha”. A reportagem da Pública visitou a região e mostrou problema bem diverso e complexo, que a ministra deveria conhecer.

“Terrivelmente evangélica”, Damares ampliou sua cruzada para além das atribuições do ministério. Atuou nos bastidores da eleição do Conselho de Psicologia por uma chapa pró-cura gay, que acabou perdendo. Entregou a tarefa de fazer o texto-base do 4o Plano dos Direitos Humanos à Anajure – Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Damares foi uma das fundadoras da associação, que reúne cerca de 700 juristas e faz lobby no Congresso e nas audiências do STF em prol das bandeiras das igrejas evangélicas. Sua próxima façanha pode ser a nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, como prometeu o presidente Bolsonaro. O plano de poder dos evangélicos, como vem mostrando o projeto Transnacionais da Fé, uma colaboração entre jornalistas de 16 países sob a liderança da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, é continental. E é impulsionado pelos Estados Unidos de Trump.

Clique aqui para ler a retrospectiva.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Lições do governo de direita

O governo Bolsonaro dá lições de como e para quem governar: por decreto, para o capital. Não tem nenhum pudor em tirar direitos dos trabalhadores, dos setores populares, da maioria; não se importa em desrespeitar descaradamente as partes da sociedade que despreza, como indígenas, mulheres, pretos, pobres, camponeses, homossexuais e outros.
Não é novidade, a ditadura militar (1964-1985) também foi assim. Com duas diferenças: o governo Bolsonaro foi eleito pela maioria e a ditadura tinha um projeto nacional.
O projeto neoliberal de Bolsonaro é um desatino que pretende implantar no Brasil um capitalismo do século XIX. Até agora, tudo que ele fez foi destruir o Estado para abrir caminho para o capital.
Digo que dá lições de como e para quem governar, porque, no poder, a esquerda foi incapaz de fazer para os trabalhadores, em 13 anos, um décimo do que o capitão fez, em um ano, para o capital.
No poder, a esquerda governa "para todos", respeita a democracia e afaga o capital. A direita, governa para o capital, é autoritária e desce o cacete nos pobres sem dó.

A Renca é um produto legal da civilização, mas o capital não respeita a lei, atua ilegalmente, por meio de grilagem de terras, desmatamento, exploração clandestina. O que o governo de direita faz é mudar a lei, para tornar legal e liberar a exploração que extermina indígenas e depreda o ambiente, de forma que o Estado não tenha de agir contra os criminosos, ao contrário, os proteja e garanta suas ações, com polícias e justiça. Simples assim.   


Bolsonaro estuda reeditar decreto de Temer que permite explorar minério em reserva da Amazônia

A Renca, no Amapá e no Pará, tem área de meio Portugal. “Somos escravos ambientais”, reclama vice-líder do Governo. Oposição diz que Governo tenta sequestrar a floresta.

Afonso Benites, Brasília, 11/12/19, El País

O Governo de Jair Bolsonaro estuda reeditar o decreto da gestão Michel Temer que pretendia extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma floresta preservada de 46.450 quilômetros quadrados localizada nos Estados do Pará e do Amapá, no Norte do Brasil. O objetivo é permitir a exploração mineral de parte dessa área, que equivale à metade de Portugal. Em 2017, o então presidente Michel Temer tentou acabar com a proteção ambiental da zona sob o mesmo pretexto, o de exploração comercial. A pressão de parte da opinião pública e de representantes da classe artística brasileira, no entanto, fez com que ele revogasse o decreto que tratava do tema.

Um ano depois, sem alarde, Temer publicou um decreto que deixa em aberto a possibilidade de exploração mineral na área. Até o momento, nenhum novo registro de exploração foi feito, segundo técnicos do Ministério das Minas e Energia.
A proposta sobre a elaboração dos estudos para extinguir a Renca surgiu já no início da gestão Bolsonaro, foi reforçada em abril, quando o presidente esteve em Macapá (AP) inaugurando um aeroporto e ganhou força na última semana, depois que ele foi questionado por parlamentares governistas. “Almocei com o presidente na semana passada e ele me falou que mandou fazer os estudos”, afirmou ao EL PAÍS o vice-líder do Governo no Senado, Lucas Barreto (PSD-AP). Ele é um dos principais defensores da liberação de parte da área da reserva para mineração. Dois assessores com acesso ao Palácio do Planalto confirmaram a versão de Barreto e disseram que a decisão sobre o tema está próxima de ser tomada.

Antes de fazer qualquer anúncio sobre a Renca, Bolsonaro assinou na terça-feira a medida provisória da regularização fundiária, chamada por opositores de “MP da Grilagem”. Por meio dela será possível fazer a autodeclaração de imóveis rurais de até 1.650 hectares que não tenham registros. A expectativa é que cerca de 600.000 áreas sejam registradas, parte delas na Amazônia.

Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), levou nesta semana a preocupação com o tema para a Conferência do Clima em Madri (COP 25), onde ele participa de uma série de reuniões e painéis com autoridades ambientais e representantes de governos estrangeiros. “Todos com quem converso estão escandalizados com a possibilidade de se extinguir a Renca”, disse Rodrigues.

Na avaliação do senador, o Governo tem dado vários sinais de que um decreto está próximo de ser assinado e as falas públicas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demonstram que o Brasil tem conduzido de maneira equivocada o assunto. “O discurso do ministro na COP 25 teve uma clara perspectiva de sequestrador. A síntese da fala dele é essa: eu tenho floresta, se vocês não me derem dinheiro, eu desmato”.

Criada há 35 anos, a Renca tem cinco áreas protegidas em que, pela legislação atual, não poderia ser realizada a exploração mineral. São duas terras indígenas, três unidades de conservação de proteção integral. Há ainda outras quatro unidades de conservação de uso sustentável, que, em tese, há a possibilidade de exploração. Pelos cálculos da ONG ambientalista WWF, cerca de 30% da Renca poderia ser minerada. Defensor da exploração da área, o senador Barreto diz que essa área não chega a 4%, o equivalente a aproximadamente 2.160 quilômetros quadrados. “Não queremos que se derrube todas as árvores. Queremos uma exploração mineral de uma pequena parcela para ajudar a desenvolver nosso Estado”, afirmou.

Os defensores da extinção total ou parcial da Renca dizem que seria possível explorar nela ouro, ferro, fosfato, titânio, manganês, nióbio, fósforo e tântalo. “Estudos feitos na década de 1970/80 dizem que teríamos mais de um trilhão de dólares para explorar. Imagina esse valor atualizado”, disse o senador Barreto. Na sua avaliação, o dano ambiental seria localizado, já que apenas regiões montanhosas seriam exploradas, sob forte fiscalização e, na necessidade de recuperação ambiental, elas poderiam ocorrer em até três décadas.

Clique aqui para ler a íntegra no El País Brasil.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Lula e o caos

O "mensalão" -- sobre o qual escrevi aqui uma década atrás -- foi o ensaio da larva jato. No vídeo abaixo (trecho de uma entrevista), Lula resume o que foi o processo, uma trama política para prendê-lo, tirar o PT do poder e levar ao governo o neoliberalismo e seus políticos de extrema direita.
Simples assim.
Não é tudo, porém.
O PT no poder foi um governo capitalista, de esquerda, de conciliação de classes, que governou para os ricos e distribuiu as migalhas para os pobres.
Não fez nada a favor dos pobres que fosse duradouro, definitivo: não fez mudanças radicais nem envolveu os trabalhadores na defesa das instituições democráticas.
Quando falo em mudanças radicais me refiro a: a defesa do ambiente como centro de todas as políticas públicas; educação fundamental pública gratuita de qualidade para todos; saúde pública gratuita de qualidade para todos; aposentadoria igual para todos, inclusive políticos, juízes, militares, todo o funcionalismo público, com regras claras e bancada pelo Estado, com o dinheiro dos ricos; transporte coletivo público de qualidade; polícias da democracia, para defender direitos, não para reprimir trabalhadores e matar pobres; espaços de lazer na cidade, parques, praças, áreas verdes; acesso e financiamento da cultura; distribuição de terras e incentivo para a agricultura familiar ecológica que produz para alimentar os brasileiros etc. Enfim, uma sociedade civilizada, igualitária, democrática.
É difícil entender isso? No entanto, não foi em torno disso, não foi em torno dos interesses do povo e do Brasil que giraram os governos do PT, foi em torno de se manter no poder, fazendo alianças com políticos e partidos corruptos, se corrompendo também. A política tradicional do capital, enfim.
A democracia moderna depende de certo equilíbrio entre as forças políticas divergentes, antagônicas até; depende de alternância no poder. O PT e Lula, em especial, desequilibraram esse jogo, porque venceram quatro eleições sucessivas. Quando terminou seu segundo mandato, Lula não saiu de cena, como fazem os presidentes americanos; ele elegeu um poste e voltou para reelegê-lo, indicando que depois voltaria para mais dois mandatos, perpetuando-se no poder. Gerou o desespero da oposição moderada, que abriu caminho para a oposição extremada, a extrema direita neoliberal reacionária, corrupta, militarizada. 
Vivemos nesse inferno do antagonismo extremado PT x antiPT, Lula x antiLula há meia década.
O governo da extrema direita neoliberal nos levou ao caos no qual afundamos cada vez mais e do qual não há saída, porque sua proposta é o caos mesmo.
E Lula e o PT insistem em se apresentar como a solução.
No começo dessa tragédia brasileira eu pensei, como Franklin Martins, que o povo se revoltaria ao compreender a injustiça de que Lula é vítima, como aconteceu com Getúlio, mas hoje vejo que a situação ficou muito mais complexa, que o desgaste do Lula foi muito grande, que o fenômeno evangélico é muito forte, que a corrupção da política pelo crime organizado que chegou ao poder não se resolverá facilmente. Acho que Lula não voltará a ser o que já foi, não dará a volta por cima.
E o pior: até hoje não temos um caminho alternativo ao caos da direita.

O menino prodígio belga não vê o mundo em que vive

O menino prodígio que está se formando em engenharia aos nove anos quer inventar a imortalidade. O mundo ao seu redor está acabando (como esta revista Galileu, que publica a matéria e está no seu último mês), mas ele não vê. O menino belga celebrado pela mídia tradicional como "o novo Einstein" é cego para o mundo em que vive. Poderia se dedicar a tanta coisa útil para o mundo no qual vive, para a natureza da qual faz parte, para preservar a vida, enfim, mas está preocupado com a imortalidade individual. É um retrato da espécie humana e dessa sociedade rica que se autodestrói. O indivíduo vivendo eternamente num mundo que ele destrói.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Uma história de jornalismo: a entrevista que poderia ter salvado Chico Mendes

A entrevista que teria salvado a vida de Chico Mendes

Há 25 anos, Jornal do Brasil teve a chance de publicar a entrevista que poderia ter salvado a vida de Chico Mendes; o "interesse" pela publicação do material, porém, só aconteceu após o assassinato do ativista.

Edilson Martins, no Pragmatismo Político, em 11/11/13

A pouco mais de um mês de completar 25 anos do assassinato de Chico Mendes, ocorrido no dia 22 de dezembro de 1988, em Xapuri (AC), recebo do jornalista Altino Machado, do Blog da Amazônia, a mensagem a seguir, que contém relevante depoimento e indagação:

– No dia 18 de dezembro de 1988, numa banca de revistas, em Rio Branco (AC), encontrei o líder sindical e ecologista Chico Mendes (1944-1988) pela última vez. Estava triste ao constatar que o Jornal do Brasil não havia publicado naquele domingo uma entrevista dele. Quatro dias depois, em Xapuri, Chico Mendes foi assassinado. Qual é a história daquela que ficou conhecida como a última entrevista do seringueiro, concedida a você, Edilson Martins?

Vamos lá, aos idos de dezembro. Chico Mendes telefona dizendo encontrar-se em São Paulo, e que agora as ameaças sinalizavam, de verdade, sua morte. Corriam os dias de dezembro de 1988; se esse é o ano da Nova Constituição, da greve na CSN, no Rio, ainda temos que suportar as sobras da ditadura militar, José Sarney, presidindo o país. Na lata, respondi: “Dá um tempo, vou tentar um depoimento teu no Jornal do Brasil”. Naqueles anos, o JB era um dos grandes jornais, ainda, do país, apesar da crise financeira comendo pelas bordas.

Vou até a Av. Brasil, procuro o jornalista Zuenir Ventura, que editava um Caderno Especial, e falo da morte anunciada. Ele reage, dizendo não saber de quem se tratava – em verdade ninguém sabia, e combinamos de eu fazer a entrevista. Ligo para Chico, peço que venha correndo ao Rio, e até argumentei: “Mano velho, com esta entrevista eles vão ter que adiar, pelo menos uns dois ou três meses, tua morte”.

Ao chegar ao Rio, começamos a gravar, e dois dias depois o texto estava concluído. Vou ao JB, e entrego, em mãos, a entrevista ao Zuenir. À noite, corria talvez o dia 7, ou 8 de dezembro, convido-o para comer no Lamas. Ele baixa a cabeça, como se estivesse emburrado; “Tô sem grana, e você gastando dinheiro comigo.”

Fomos ao Lamas, bar boêmio do Rio, até hoje, mas àquela época reunia a nata dos profissionais que “fechavam” a primeira página dos grandes jornais. Adentramos, falei com muitos “coleguinhas”, fui a algumas mesas com o Chico ao meu lado, e ninguém, sequer ninguém, perguntou quem era aquele caipira, roupas fora do padrão, gordinho, quase um capiau. Terminamos por dividir um PF (prato feito).

No sábado, corro às bancas em busca do Caderno Especial, e vejo que a entrevista não saíra. Entro em pânico. Procuro o Zuenir e sou informado que se encontrava em Vitória, no Espírito Santo, mas que segunda-feira retornaria ao jornal. Na segunda, na redação, ele me diz que a matéria não saíra porque eu estava trazendo mais um cara que politizava demais a questão ambiental. Essa era a opinião do jornal.

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Clique aqui para ler a entrevista do JB.

Sabiá

Sei hoje como sempre soube: só a arte nos salva.

"Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo e nada de te esquecer."