sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A clínica onde milionários 'desconectam’ filhos viciados em celulares e internet

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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A elite do atraso: o livro do ano (2017) e uma nova interpretação do Brasil

O sociólogo Jessé Souza formulou uma ambiciosa interpretação do Brasil no livro 'A elite do atraso – da escravidão à lava jato'. Ele questiona ninguém menos do que Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes. (Foi curioso vê-lo contestando Florestan no programa Voz Ativa, conduzido pelo filho do sociólogo; é irônico ver o pai do maior artista brasileiro, que está e sempre esteve do lado certo da história, sendo criticado.)
Essa nova interpretação que Jessé Souza propõe estava no ar, esperando para ser formulada, daí a importância intelectual do autor, que coloca o Brasil no século XIX, finalmente, em pleno século XXI.
A questão-chave do Brasil é a desigualdade, não é a corrupção. O golpe evidenciou isso, dando armas à direita e deixando a esquerda inerte e inerme, presa a uma interpretação liberal que os marxistas brasileiros adotaram.
Os conflitos brasileiros contemporâneos e seus novos protagonistas, que escapam à interpretação da esquerda tradicional, são a matéria-prima dessa tese original. Leitura imprescindível.
O livro é muito melhor do que a entrevista no programa da Rede Minas. Pode ser lido em pdf clicando aqui.
A seguir trecho final do prefácio.




"Assim, persegui três eixos temáticos bem definidos. O primeiro é tomar a experiência da escravidão, e não a suposta e abstrata continuidade com Portugal e seu “patrimonialismo”, onde não existia a escravidão, como a semente de toda a sociabilidade brasileira. Muitos falaram de escravidão como se fosse um mero “nome”, sem eficácia social e sem consequências duradouras, inclusive Sérgio Buarque e seus seguidores. Compreender a escravidão como conceito é muito diferente. É perceber como ela cria uma singularidade excludente e perversa. Uma sociabilidade que tendeu a se perpetuar no tempo, precisamente porque nunca foi efetivamente compreendida nem criticada.
"O segundo foi perceber como a luta das classes por privilégios e distinções logrou construir alianças e preconceitos que esclarecem, melhor que qualquer outra coisa, o padrão histórico que se repete nas lutas políticas do Brasil moderno. O principal aqui é evitar compreender as classes de modo superficial e economicista, como o fazem tanto o liberalismo quanto o marxismo. Ao perceber as classes sociais como construção sociocultural, desde a influência emocional e afetiva da socialização familiar, abrimos um caminho que esclarece nosso comportamento real e prático no dia a dia como nenhuma outra variável. Essa é uma promessa que faço ao leitor sem medo de fracassar: é possível reconstruir as razões de nossa própria conduta cotidiana, assim como a conduta dos outros que conosco partilham o mundo social, de modo preciso e convincente a partir da reconstrução da herança de classe de cada um.
"A tradição inaugurada por Sérgio Buarque e arrasadoramente influente até hoje não percebe a ação das classes sociais, daí que tenham criado o “brasileiro genérico”, o homem cordial de Sérgio Buarque ou o homem do “jeitinho brasileiro” para um DaMatta. O conflito entre as classes também é distorcido e tornado irreconhecível, sendo substituído por um falso conflito entre Estado corrupto e patrimonial e mercado virtuoso. Ainda que todo o noticiário atual milite contra essa percepção, sem uma desconstrução do sentido velho e de uma reconstrução explícita de um sentido novo, seremos feitos de tolos indefinidamente. É por conta dessa inércia provocada pela força de concepções passadas que pensamos os problemas brasileiros sob a chave do patrimonialismo e do populismo, dois espantalhos criados para tornar possível a aliança antipopular que caracteriza o Brasil moderno desde 1930.
"Por fim, o terceiro ponto é o diagnóstico acurado do momento atual. Se os dois pontos anteriores são importantes, sua eficácia deve ser comprovada por um diagnóstico do momento atual mais profundo e mais veraz que o do “racismo culturalista”, como podemos definir o paradigma que estamos criticando. Esse é o convite que faço ao leitor. Adentrar o espaço de uma aventura do espírito que visa libertá-lo das amarras invisíveis das falsas interpretações críticas.
"Esse é, afinal, o primeiro passo para que, enfim, não mais repitamos a nossa triste história da exclusão recorrente e golpes de Estado, mas que juntos possamos construir algo verdadeiramente novo."