quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Os ianomâmis somos nós

 

As análises da sensata Mônica de Bolle são muito boas. Com seu amplo conhecimento, ela mostra que a discussão sobre a taxa de juros é uma discussão política, não é econômica. E que Lula mete os pés pelas mãos ao atacar o BC. O hábil Lula não está sendo habilidoso. "Bater cabeça com o BC não é pragmático, não ajuda, só afunda o Brasil no atoleiro. Nem o BC tem que pressionar o governo nem o governo tem que pressionar o BC a fazer nada. Não é assim que funciona. Nos EUA não é assim, o FED e o governo cooperaram entrei si", explica Mônica, que concorda que a taxa de juros no Brasil está muito acima do que deveria estar. 

O que ela não diz (no finalzinho do vídeo, quase diz), mas escancara, porque é a conclusão óbvia, é que os juros são tão altos porque o capital financeiro manda no Brasil. Manda no BC, manda na Globo, manda na CNN, manda na Folha, manda no Estadão, manda até na piauí!, que é uma revista de banqueiros. E mandava no governo anterior. Tudo na política se resume a quais são os interesses que prevalecem no governo -- e o BC é um instrumento de governo. E Lula e o PT praticam a política do confronto e da polarização, em vez de buscarem a cooperação. 

A tragédia dos ianomâmis expressa de forma clara para quem não for cego voluntário a situação que vivemos todos nós hoje no capitalismo do século XXI; a discussão na imprensa sobre a taxa de juros, o BC e as críticas do Lula completa o quadro. O que aconteceu e acontece na terra ianomâmi é uma “atrocidade inominável”, nas palavras da ministra Marina Silva. Nada a acrescentar, é isso, um absurdo, um crime de genocídio. Durante quatro anos garimpeiros invadiram a terra ianomâmi, garimparam ilegalmente, contaminaram rios, mataram indígenas, e fizeram tudo isso impunemente, com a proteção do governo, que liberou o crime e paralisou a ação do Estado, isto é, dos órgãos do Estado que deveriam atuar para que a lei fosse cumprida e os criminosos impedidos e punidos. Simples assim. 

A ação atual do novo governo na região, que mostra ao mundo inteiro os estarrecedores crimes contra os ianomâmis, é a demonstração de que há governo novamente, que o Estado cumpre sua obrigação de executar as leis, de agir em benefício da coletividade contra os crimes dos indivíduos. A tragédia dos ianomâmis define o que foi o governo do bozo: a ausência da lei. O bozo no poder foi exatamente isso, o controle do Estado pelos criminosos, a garantia de que os criminosos estariam livres para agir sem serem molestados pelo Estado, pela máquina que atua para o bem coletivo; a garantia de que os mais fortes poderiam impor a sua vontade sobre os mais fracos, sem serem incomodados pela lei. 

O que aconteceu com os ianomâmis aconteceu com todos os brasileiros durante os últimos quatro anos e começou a vigorar, em forma de transição, três anos antes, em 2016, com o golpe do impeachment e durante o governo do vampiro Temer. O governo Temer liberou o crime, o governo bozo completou a obra instalando os criminosos no poder. E os políticos ajudaram, o Congresso ajudou, governadores e prefeitos ajudaram, o Judiciário ajudou, o STF ajudou, a mídia ajudou, a Globo ajudou, a Folha ajudou, o Estadão ajudou. A partir do genocídio da pandemia, diante de um bozo descontrolado, esses ajudantes do golpe e do bozo ficaram apavorados, começaram a retroceder, mudaram sua posição política, voltaram a cumprir a lei. 

Foi o que aconteceu e ainda bem, porque se continuassem apoiando o bozo, como gostariam, porque o bozo tinha um banqueiro no comando da economia e grande parte deles ainda o adora, apesar de ser um criminoso como os outros do governo, mas os crimes que ele cometia beneficiavam o capital financeiro, ou seja, aqueles que os políticos, Judiciário, governo, mídia etc. representam. E fizeram o novo pacto com Lula para tirar o bozo -- primeiro o pacto para tirar o Lula, aceitando até o bozo, depois o pacto com o Lula para tirar o bozo. Lula pode fazer muita coisa, como, por exemplo, salvar os ianomâmis, controlar o garimpo e até conter o desmatamento da Amazônia, mas não pode mexer no BC, porque o BC garante a taxa de juros astronômica, que garante o lucro do capital financeiro e que é o maior crime de todos, o crime pai de todos os outros. 

 A tragédia dos ianomâmis expressa o que indígenas, rios, matas, ambiente, vida, leis significam para o capital: nada. Para o capital, só o lucro interessa, todos os crimes são cometidos para que seu interesse se realize, e no governo dos criminosos, no governo em que o crime estava no poder, o lucro criminoso era garantido pela omissão, cumplicidade e incentivo do Estado. Simples assim. 

A autonomia do Banco Central é mais um exemplo disso, é uma forma requintada do mesmo crime, da mesma liberdade para os criminosos agirem impunemente, sem que a lei os apanhe, sem que o Estado os atinja. Assim como a lei do teto de gastos. O sistema financeiro, os banqueiros, o capital, o “mercado” se colocam acima da lei, fora do alcance do Estado, imunes à Constituição, para cometer livremente seu crime de garantir todo o lucro possível para si, à custa dos brasileiros, dos indígenas, do ambiente e da vida.