Volta a polêmica sobre Águas de março, escolhida melhor canção brasileira numa enquete da Folha de S. Paulo, em 2001. Seria plágio de uma canção de Inara (compositora que ficou no esquecimento) misturada com um ponto de macumba do começo do século XX.
Ainda que Águas de março tenha mais dez influências será uma obra prima. O processo criativo é misterioso, os grandes artistas também têm suas fontes. Gênios são aqueles que conseguem recriar o que está à volta deles, como outros não conseguem. E dão a impressão de que fazer arte é fácil. Mas há uma grande diferença entre criticar e criar.
Vejamos Noel, cujo centenário se comemora. Passou uma temporada em BH, para se tratar. Numa reunião familiar improvisou versos para a cidade em cima de uma melodia americana de sucesso na época (Vivo esperando e procurando / Um trevo no meu jardim / Quatro folhinhas nascidas ao léu / Me levariam pertinho do céu… – na versão de Nilo Sérgio, gravada por João Gilberto). Belo Horizonte não lhe inspirava samba, mas os versos brotaram da sua genialidade, quando lhe perguntaram o que estava achando da cidade (1935 ou 1936):
Vejamos Noel, cujo centenário se comemora. Passou uma temporada em BH, para se tratar. Numa reunião familiar improvisou versos para a cidade em cima de uma melodia americana de sucesso na época (Vivo esperando e procurando / Um trevo no meu jardim / Quatro folhinhas nascidas ao léu / Me levariam pertinho do céu… – na versão de Nilo Sérgio, gravada por João Gilberto). Belo Horizonte não lhe inspirava samba, mas os versos brotaram da sua genialidade, quando lhe perguntaram o que estava achando da cidade (1935 ou 1936):
Belo Horizonte, deixa que eu conte
O que há de melhor pra mim
Não é o bordão deste meu violão
Nem é rima que eu firo assim
Não é a cachaça nem a fumaça
Que no meu cigarro vi
Belo Horizonte, deixa que eu conte
Bom mesmo é estar aqui.
O que há de melhor pra mim
Não é o bordão deste meu violão
Nem é rima que eu firo assim
Não é a cachaça nem a fumaça
Que no meu cigarro vi
Belo Horizonte, deixa que eu conte
Bom mesmo é estar aqui.
A história está no livo do João Máximo e Carlos Didier, que conta também que, em outra reunião não familiar, num bordel, Noel improvisou outros versos, talvez mais adequados à cidade. Ou ao ambiente.
Belo Horizonte, atrás do monte
Rosinha deu pro Leitão
Arrependida se pôs a chorar
Jurando que nunca mais ia dar
Porém, no outro dia, Leitão comia
Na cama outro jantar
E a Rosinha, tão pobrezinha,
De inveja quis se matar
Rosinha deu pro Leitão
Arrependida se pôs a chorar
Jurando que nunca mais ia dar
Porém, no outro dia, Leitão comia
Na cama outro jantar
E a Rosinha, tão pobrezinha,
De inveja quis se matar
Essa história de plágio é uma discussão de caráter capitalista, porque o autor fatura e a propriedade dá grana. Arte não tem dono. Quem cria bebe em fontes e depois que criou vira fonte também. É do mundo. O que dá graça à coisa é essa capacidade que tem gente como Tom Jobim de (re)criar beleza com (aparente) simplicidade. Águas de março é uma linda melodia que vai no mesmo batidão, tum-tum tum-tum, longa, e no entanto, no fim, queremos mais. Com Elis cantando então...