quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Genoíno pede um programa socialista para o PT. Com quarenta anos de atraso

(Encontro com José Genoino na Tapera Taperá, em Sampa.) Não conheço José Genoíno pessoalmente nem posso dizer que acompanhei sua trajetória, porque nunca foi petista nem filiado a qualquer outro partido. A primeira vez que o ouvi falar longamente foi nesse vídeo. E gostei; ele passa confiança, a qualidade social mais importante, e faz uma análise lúcida. Infelizmente, sua proposta está atrasada quarenta anos. 

Genoíno é da geração de 68, que foi às ruas contra a ditadura militar, depois foi à luta armada para fazer a revolução e por fim fundou o PT. Eu sou da geração de 77, que também foi às ruas e, sob a liderança da geração de 68, ajudou a construir o PT. Fui militante na universidade e depois mantive um olhar simpático e crítico ao que considero a grande obra política da minha geração. Tenho enorme respeito por pessoas como ele, com uma vida rica de experiências. Quantas vidas ele viveu? Desde militante estudantil, muito mais do que eu, depois guerrilheiro, que eu não fui, preso político, que também eu não fui, não sofri o que ele sofreu, não fui torturado nem passei anos encarcerado; depois sair e se dedicar a construir um partido popular como jamais houve antes na história brasileira, disputar eleições, que significa ter contato com o povo, conhecer sua realidade, depois a experiência de ser parlamentar por vários mandatos, depois fazer parte do governo federal do PT, uma experiência grandiosa, histórica, depois a perseguição que sofreu, a queda, nova prisão, e se recuperar. Tenho o maior respeito por tudo isso e por agora ter a capacidade, que muitos dos seus pares petistas não têm, de formular uma análise como essa que ele formulou e voltar à militância na base, sem querer mais ter cargo em governo nem disputar eleição, o que mostra sua coerência ideológica. Mas francamente... tem um atraso de quarenta anos na sua proposta. 

O PT nasceu para ser isso que ele prega agora. Por que não foi? Por que nunca teve um programa socialista? O PT nasceu para isso, mas conciliou com o neoliberalismo e em seguida se tornou porta-voz do neoliberalismo. Os governos do PT foram neoliberais e o atual continua sendo.

Apesar de sua análise ser um avanço na ideologia petista, Genoíno repete o erro do José Dirceu e dos petistas em geral: fala como se o PT não tivesse governado o Brasil durante 14 anos e agora não estivesse novamente no governo, como se não tivesse responsabilidade sobre o que aconteceu e acontece no país. Enfim, não tem autocrítica. 

A proposta do Genoíno chega com mais de quatro décadas de atraso, deveria estar presente no nascimento do PT em 1980 ou ter sido construída até 2002, quando finalmente chegou ao poder. Por que não foi? Genoíno não toca no assunto, como se ter um programa de governo alternativo ao neoliberalismo fosse uma necessidade atual, não de todo esse período. 

E aí está a segunda verdade que Genoínio não fala, óbvia: é que o empecilho de o PT não ter sido o partido que deveria ter sido foi o Lula -- e continua sendo. O PT deixou de ser o que deveria ter sido e que o Genoíno pede que seja agora, com quarenta anos de atraso, para se tornar o partido do Lula. Isso é óbvio. A militância petista trocou um programa socialista por um líder messiânico. Genoíno critica o individualismo contemporâneo do neoliberalismo, que criou o caos social em que a gente vive hoje, e tem toda razão. Pois bem: Lula foi o individualismo no PT, foi a expressão neoliberal na política da esquerda brasileira. Talvez ele seja a prova da força ideológica do neoliberalismo burguês, que contaminou até um partido que nasceu para ser de esquerda, dos trabalhadores, socialista, uma alternativa ao capitalismo, mas o fato é que esse partido, suas várias correntes políticas, seus milhões de filiados e militantes e a enorme força social que mobilizou a partir dos anos 70 se curvaram à figura do Lula, tornaram-se lulólatras, trocaram um projeto coletivo por um messias. 

Genoíno tangencia a questão, sem ter coragem de encará-la, ao dizer que em 2030 Lula não poderá mais ser candidato, que o PT precisará ser capaz de seguir seu caminho. Ora, isso já aconteceu em 2010! Mas Genoíno também não fala sobre isso. Por que naquele ano o PT não fez isso, não voltou às suas origens, não se tornou um partido "coletivo", em vez de um partido com dono? Dizer que agora o PT precisa ter um programa de governo socialista, ser uma alternativa prática ao neoliberalismo fascista caótico e continuar achando que até hoje o partido fez tudo certo, que o mal foi praticado pelos outros é o fim da picada.

Antes tarde do que nunca, diz o ditado, mas acho que ele não vai se aplicar à situação atual pelo simples fato de vivermos outro momento histórico. Aquela energia que criou o PT acabou, as gerações de 68 e 77 estão velhas, muitos já morreram, a militância que o ex-deputado imagina não existe mais. O PT terá de ser refundado -- e a proposta do Genoíno, de um programa que defenda direitos, é um bom ponto de partida, embora de nada valha um programa se ao chegar ao poder o partido o troca por uma conciliação com o capital: o atual governo Lula não revogou a reforma trabalhista que o golpe de 2016 implantou, por exemplo --, mas quem vai fazer isso são as novas gerações. Será que vão aproveitar a legenda e a experiência do PT ou vão fazer como fizeram os fundadores do PT, que jogaram no lixo a legenda e a experiência do antigo partido dos trabalhadores, o PTB, para começar do zero, sem máculas do passado?