terça-feira, 10 de janeiro de 2023

A segunda posse do Lula


 

No seu comentário de hoje no UOL, o jornalista Josias de Souza disse que Lula teve ontem, na reunião seguida de caminhada pela Praça dos Três Poderes com os governadores e representantes do Legislativo e do Judiciário, uma segunda posse. Me parece o resumo perfeito de tudo que está acontecendo no Brasil desde a invasão dos palácios do Planalto, do STF e do Congresso pelas hordas de bozoístas domingo 8/1/23. Quarenta e oito horas depois daquelas cenas estarrecedoras, uma semana depois da sua posse, o governo Lula começa novamente, hoje, na forma necessária, de união nacional na defesa da democracia.

A política é realmente uma coisa incrível, a arte mais complexa e admirável praticada pela espécie humana. Quem não entende isso e nega a política é uma espécie de neandertal, fadado à extinção – os sapiens são essencialmente animais políticos. A política é um jogo sofisticado vencido por quem sabe jogá-lo, mas nunca há vitória definitiva, as vitórias são sempre provisórias, temporárias. Lula continua sendo nosso mais exímio jogador, com chance de superar Getúlio Vargas, o maior político da história brasileira. Se, na campanha eleitoral do ano passado, seu desafio era unir um grande espectro político e conquistar a maioria dos eleitores – objetivo que atingiu raspando, mas não importa, atingiu, venceu, e na política está certo quem vence –, agora, após as invasões de domingo, ele conseguiu outro feito, o de unir todo o espectro político e todos os brasileiros em torno do seu governo – inclusive a oposição bolsonarista.

Convenhamos: Lula é um político que une, nunca foi um político que separa. Torná-lo o diabo que nele veem os extremistas de direita foi um trabalho árduo e persistente no qual colaboraram várias das personagens políticas que hoje estão novamente (o MDB, por exemplo) ou pela primeira vez (caso do vice-presidente Geraldo Alckmin) com ele, instituições poderosas, como o próprio STF, procuradores, juízes e o Congresso, a Globo e a grande mídia, além de uma campanha apoiada internacionalmente de produção de informações falsas nas redes sociais.

Quando deixou o governo, no dia 1/1/2011, Lula tinha mais de 80% de aprovação; era tão querido que conseguiu eleger um poste para sucedê-lo. Paradoxalmente, foi justamente isso, esse poder extraordinário, que começou a destruí-lo, porque a democracia exige alternância no poder e a oposição percebeu então que Lula não tinha inaugurado apenas uma nova era, tinha criado uma dinastia lulopetista, que continuaria até 2026, com mais um mandado da presidenta Dilma e sua volta em 2018, para mais dois mandatos. O golpe de 2016 interrompeu o quarto mandato petista e a prisão do Lula retardou sua volta em quatro anos, mas não a impediu.

O resiliente ex-metalúrgico ganhou a chance única de se tornar o político mais notável da história brasileira, quem sabe o melhor presidente. Habilidade política ele tem de sobra, como se vê mais uma vez, na sua “segunda posse”, que contou com a presença até dos governadores bozoístas, resta saber se adquiriu a sabedoria que não teve há doze anos, quando tentou se perpetuar no poder. Renascido das cinzas, depois do golpe, do câncer, da perseguição pela larvajato, das mortes de familiares, da prisão e do ódio, Lula, de mãos dadas com uma nova mulher e com representantes do povo brasileiro, segurando a correia de um cachorrinho, subiu de novo a rampa do Palácio do Planalto não mais como político onipotente, tal qual o imaginamos um dia – ele inclusive –, mas como representante do Brasil destruído pelo golpe de 2016. Sua missão é unir os brasileiros e reconstruir a nação – e até agora vem se saindo bem. A invasão dos três poderes pelas hordas bozoístas foi o acontecimento perfeito para possibilitar o ponto de inflexão a partir do qual a reconstrução do país e a re-união do povo começarão.

Em resumo: ontem, na reunião com os governadores e na caminhada na Praça dos Três Poderes, no dia seguinte à invasão das hordas bozoístas aos palácios do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, Lula tomou posse pela segunda vez, agora como presidente de todos os brasileiros, unindo em torno dele todas as autoridades, todos os governadores, todos os políticos, inclusive os bozoístas. 

O “mito”, usado durante quatro anos pela direita, foi descartado, inclusive por seus seguidores, que não se denominam mais bozoístas, mas “patriotas” (ou patriotários, na definição da jornalista Madeleine Lacsko). Até seu uniforme, a camisa da seleção canarinho, foi desautorizada pela CBF, depois de mais de uma década de omissão, e a entidade estuda um novo uniforme para seu time de futebol. Outro símbolo que cai. 

Com apoio de todos os veículos de comunicação (nem a Jovem Pan mais defende o golpe fracassado), os acampamentos dos “terroristas golpistas” de 8 de janeiro foram desmontados, eles estão sendo presos aos milhares, identificados, serão processados e deverão ser condenados por crimes contra a democracia. As autoridades prometem enfaticamente que vão chegar aos mandantes e financiadores do “golpe”, isto é, empresários, ricos e poderosos, criminosos do dia a dia que extrapolaram desde o impeachment e ultrapassaram todos os limites nos últimos quatro anos, atingindo por fim na invasão o ponto de transbordamento que possibilitou essa união nacional sem precedentes em defesa da democracia.

A dinâmica da política favorece até mesmo a evolução da direita: enquanto o “mito” rola ladeira abaixo, seu ex-ministro e novo governador de São Paulo aproveita a oportunidade para se cacifar e possivelmente ocupar seu lugar na disputa eleitoral de 2026, como candidato da direita, agora menos grosseira e estúpida, numa eleição que, caso Lula não seja o candidato onipotente, poderá ser totalmente aberta, muito diferente do que foram as disputas desde 2002.

Muita água, porém, vai passar debaixo da ponte até lá e uma possível reeleição do Lula ou eleição do seu ungido (ou sua ungida) é apenas uma das possibilidades. Os acontecimentos dos últimos meses e mais ainda dos últimos dias nos mostram como a política é feito nuvem no céu. Nenhuma vitória é definitiva, ela só se perpetua se novas vitórias vierem, e agora mesmo o jogo está sendo jogado, com os atores ativíssimos na defesa dos interesses não contemplados no governo Lula, mas o cenário se tornou muito mais favorável do que se podia imaginar. Lula assumiu as rédeas novamente; a conferir se, como e até quando conseguirá segurá-las. Ele se afirmou definitivamente como o principal jogador novamente, mas há outros e o jogo não depende só dele, há inclusive fatores externos e fortes, como a pandemia, a economia, as mudanças climáticas.

(Crédito da foto: Ricardo Stuckert/Divulgação.)