As instituições são feitas de indivíduos, os indivíduos têm ideologias, as instituições têm ideologias, as ideologias são o que faz as instituições e as pessoas funcionarem na sociedade em que vivem, desde que deixamos de ser animais como as outras espécies e nos tornamos humanos, transformando a Natureza e inventando o mundo.
O Exército brasileiro foi formado por gente do povo, principalmente escravos, para lutar na Guerra do Paraguai, episódio horroroso da história do Brasil, no qual morreram 60 mil brasileiros e 280 mil paraguaios, além de 60 mil argentinos e uruguaios. Basta comparar no mapa os tamanhos do pequeno Paraguai e dos gigantes Brasil e Argentina para constatar o massacre que terminou com o extermínio da população masculina adulta paraguaia. Ao final da guerra, o Exército tinha prestígio e era a primeira instituição a representar na sua composição o povo brasileiro, condição que o levou a liderar a derrubada da Monarquia e proclamar a República, fornecendo à nação seus dois primeiros presidentes.
Desde então o Exército brasileiro interferiu de forma sistemática na política nacional, considerando-se uma espécie de dono da República. Foi o Exército que levou ao poder o civil e futuro ditador Getúlio Vargas na Revolução de 30, governou com ele e o depôs em 1945. Foi o Exército quem tentou depor Getúlio eleito presidente, motivando seu suicídio em 1954. Foi o Exército que tentou impedir a eleição de JK em 1955 e também quem garantiu sua posse em 1956. Foi o Exército que tentou impedir a posse do vice-presidente João Goulart em1962, aceitou-o como presidente parlamentarista e o depôs em 1º de abril de 1964.
Parecia ter sido enquadrado pelos civis na Constituição democrática de 1988, mas voltou ao poder com um capitão da reserva expulso da instituição eleito presidente em 2018 e mais uma vez protagonizou uma tentativa de golpe com plano de assassinato do presidente e seu vice em 2022. O Exército brasileiro atual, porém é muito diferente daquele que fundou a República, daquele que liderou a Revolução de 30 e daquele que implantou uma ditadura de 21 anos em 1964. Não é mais uma instituição movida por ideias nacionalistas, não tem um projeto autoritário para o Brasil, é só uma instituição que, como quase todas as outras instituições do Estado brasileiro atual (como a Justiça, por exemplo; basta ver as reportagens do UOL sobre os juízes recém-formados que ganham muito mais do que o teto salarial público), abriga indivíduos cujo único interesse é defender seus privilégios. Em 1989, o primeiro presidente civil eleito depois de 21 anos de ditadura militar prometia acabar com os marajás do serviço público. Depois de 36 anos, os marajás estão aí, mais ricos e poderosos do que nunca, acumulando privilégios. O Brasil é a república dos marajás e dos banqueiros.
O Estado brasileiro hoje funciona assim: é um Estado falido que não tem dinheiro para pagar um salário mínimo decente, aposentadorias decentes, salários decentes para professores, enfermeiras e o funcionalismo público que efetivamente trabalha, mas tem dinheiro para pagar salários astronômicos e benefícios de todos os tipos para castas privilegiadas, entre as quais estão os juízes e os militares; um Estado que não tem dinheiro para custear serviços públicos decentes para a maioria, mas tem todo dinheiro disponível para custear os privilégios das suas castas minoritárias.
O Supremo Tribunal Federal vem agindo exemplarmente, sob a admirável conduta do ministro Alexandre de Morais, para manter os militares nos limites da lei, mas quem enquadrará os juízes? Enquanto os preços dos alimentos disparam e os salários definham, o povo padece.
Acima das castas dos militares e dos juízes, só existe uma no Brasil: a dos banqueiros. Mesmo porque são eles que comandam também o agrotoxiconegócio, a mineração e a indústria. Os juros elevadíssimos da dívida brasileira são o primeiro pagamento a ser feito pelo governo, quebrado ou não, tendo déficit ou não: para os banqueiros sempre há dinheiro. É uma ironia tipicamente brasileira e reveladora que o diretor do filme brasileiro que concorre ao Oscar seja herdeiro do maior banco privado nacional, ou seja, um beneficiário direto dessa gigantesca dívida que os brasileiros pagam todos os dias com o suor e o sangue do seu trabalho.
Neste momento em que alguns militares vão ao banco dos réus por mais uma tentativa de golpe e de assassinato do presidente e do seu vice, Ainda estou aqui nos faz recordar a responsabilidade do Exército brasileiro nas atrocidades que foram cometidas contra os brasileiros no pior período da ditadura militar, o governo Garrastazu Médici (1969-1974). É dever da Justiça submeter os militares, os juízes, os deputados e senadores e todas as castas de privilegiados brasileiros aos limites da Constituição, assim como faz diariamente com todos os brasileiros comuns, que trabalham, sustentam o Estado e os privilégios e quase nada recebem de volta, inclusive justiça.
Ainda estou aqui, trailer Oficial.