terça-feira, 30 de setembro de 2025

Sionismo x antissionismo, um excelente debate

Vale por mais do que uma aula sobre as causas do genocídio dos palestinos por Israel em Gaza, que completa dois anos: é um curso inteiro de história do sionismo, do judaísmo e do mundo contemporâneo. Tenho críticas ao Breno Altman por sua simpatia ao stalinismo, mas suas falas e seu comportamento nesse debate são admiráveis. Sobre o rabino, o melhor que se pode dizer foi dito no final: ele foi o único sionista que aceitou debater o assunto. E demonstrou diversas vezes as características morais e intelectuais dos extremistas. Seja como for, é útil entender como funciona a cabeça dessas pessoas. A cegueira dos fanáticos aos fatos (como não condenar o genocídio em Gaza e manter a dignidade? Como dormir em paz? Como continuar sendo um religioso?) é tão grande que fica evidente a impossibilidade de entendimento racional. O que vale para Israel vale também para os negacionistas norte-americanos, para não dizer dos bozoístas, que estão em baixa. 

Fiquei pensando também o quanto esses debates e podcasts na internet não só contribuem para a politização de quem se interessa, mas também são avanços na democracia liberal burguesa, cuja decadência é assustadora. E olha que o Brasil hoje anda sendo exemplo para o mundo. O mérito, porém é do Judiciário, que conduziu corretamente o julgamento dos golpistas e não se intimidou com as pressões externas (exceto um ministro do STF), e da sociedade, que saiu às ruas para dizer não à impunidade e à anistia. Foram reações importantes, que mantêm a democracia e impedem que o Brasil se transforme também numa autocracia, como tantas nações já se tornaram, mas foram reações, o que significa que a iniciativa continua com a extrema direita golpista e com os políticos corruptos, corrupção que hoje já se encontra misturada com o crime organizado. É preciso muito mais, é preciso um projeto de nação alternativo e melhor do que o Estado atual para derrotar a ascensão da extrema direita.  

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Certeza de boa leitura

 

Uma das reportagens mais interessantes que eu fiz no período em que trabalhei no Jornal do Brasil foi sobre cassinos clandestinos. Não me lembro a data exata, provavelmente em 1988. Foi uma pauta encomendada, isto é, veio diretamente da sede, no Rio, e eu fui escalado, provavelmente porque andava cobrindo o jogo do bicho, que, apesar de ilegal, agia escancaradamente em BH. Eu e o repórter fotográfico Mazico viajamos para o Sul de Minas e passamos quase uma semana à procura de cassinos clandestinos. Tínhamos boas indicações de fontes e cidades, principalmente estâncias hidrominerais, mas não foi fácil encontrar um. Obviamente, sendo clandestinos, não estavam à mostra, mas existiam, todo mundo sabia, e conseguimos boas entrevistas, uma delas, me lembro bem, com um "ex-bicheiro" carioca que estava vivendo em Minas. Outra entrevista curiosa foi com um crupiê veterano, dos tempos em que cassinos funcionavam livremente, inclusive em BH, onde hoje está instalado o Museu de Arte da Pampulha, antes que o então presidente Dutra decretasse sua ilegalidade, em 1946. Essas e outras fontes defenderam a legalização dos cassinos como atividade turística importante, mas negaram a existência de cassinos clandestinos na região. O velho crupiê, homem elegante e de boa conversa, falou com nostalgia daqueles tempos glamourosos e lamentou que tivessem passado. Na noite do mesmo dia em que o entrevistamos conseguimos chegar a um cassino clandestino: precisamos sair de Minas, entrar em São Paulo e voltar para território mineiro por outra estrada; o cassino ficava na zona rural, mas o acesso era bom. Funcionava num galpão, que, externamente, parecia um celeiro, a não ser pela iluminação e pelos carros luxuosos estacionados no seu entorno. Do lado de dentro, porém era um salão suntuoso, repleto de gente bem vestida, em volta de mesas de jogos, servida por garçons alinhados. Cena de cinema. Quando entramos, Mazico e eu, demos de cara com o velho crupiê, trabalhando na primeira roleta... Com essa pérola, voltamos para BH no dia seguinte, eu redigi a extensa reportagem, enviada pelo telex ponta a ponta, e Mazico despachou as fotos, não me lembro se pelo malote ou transmitidas pela telefoto. Ficamos muito satisfeitos com o trabalho, que foi elogiado, e aguardamos ansiosos a edição de domingo, na qual a reportagem deveria sair, revelando aos leitores do JB que, embora proibidos há mais de quarenta anos, os cassinos continuavam funcionando no Brasil, pelo menos em Minas Gerais, provavelmente operados por bicheiros do Rio. A reportagem não saiu naquele domingo, nem na segunda-feira, quando às vezes saíam dominicais que tinham sobrado por falta de espaço, nem no domingo seguinte nem dia nenhum. 

Lembrei dessa história lendo Sucursal das Incertezas (foto acima), livro do José de Souza Castro, um dos melhores jornalistas com quem convivi, um dos grandes de todos os tempos no jornalismo mineiro. José de Souza Castro, o Zé de Castro, como o chamam os colegas, ou JC, como ele rubricava suas pautas, foi o editor regional do JB que me enviou para o Sul de Minas e copidescou minha reportagem. Nas últimas páginas do seu livro, ele narra reportagem semelhante que escreveu para O Globo, no começo da década de 1990. Sua matéria, provavelmente melhor, também não foi publicada, embora tivesse até chamada na TV Globo no sábado à noite, naquele tradicional "Leia amanhã em O Globo", e, por descuido, chamada na primeira página do jornal de domingo. No lugar, entrou um calhau, um anúncio de página inteira, por ordem, presume-se, do mais alto escalão do jornal. Por que será? 

Sucursal das Incertezas é um livro primoroso. Nele, JC narra inúmeras reportagens relevantes das décadas de 1970, 1980 e 1990. Embora possa ser lido como memórias pessoais, o trabalho incluiu pesquisas e se tornou um compêndio do jornalismo "nos tempos do telex ponta a ponta". É um retrato do trabalho da sucursal belo-horizontina do melhor jornal brasileiro da época, quando as sucursais eram importantes e o jornalismo era muito diferente do que é hoje. Nele, estão citados inúmeros jornalistas que trabalharam nos veículos mineiros e brasileiros no período e as reportagens que escreveram, devidamente circunstanciadas. Além disso, o autor situa as histórias no contexto nacional e faz observações sagazes sobre o jornalismo, a política e a sociedade da nossa época. Tudo isso num texto ágil, limpo e atraente, que prende do começo ao final. É, enfim, um livro surpreendente, mesmo para aqueles que conviveram com o jornalista e conhecem bem sua competência profissional. 

Escrito em 2007 e, inicialmente, disponibilizado pela internet, Sucursal das Incertezas, a história vista por um jornalista dos tempos do telex ponta a ponta está agora publicado em papel, felizmente, e merece ser lido por todos os jornalistas, mas não só. Tem 316 páginas, incluindo um apêndice de fotografias. A nova edição foi revisada pela jornalista Cristina Moreno de Castro, filha do JC e com quem ele divide o Blg da Kika Castro, por meio do qual o livro pode ser adquirido. A apresentação é do Acílio Lara Resende, diretor da sucursal do JB em Belo Horizonte durante mais de duas décadas. 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Calma urgente e a reação popular ao projeto da impunidade e à anistia

Esse trio é muito inteligente e bem informado, a análise da Alessandra Orofino, em especial, é excelente, por isso mesmo eu não entendo sua ingenuidade em relação ao lulismo. Eles continuam torcendo pelo que o Lula não vai fazer. "A única forma de aprovar pautas populares é trazer o povo para fazer pressão", diz ela a certa altura. Mas é isso que esperávamos em 2002 e nunca aconteceu, ao contrário, os governos do PT trocaram as massas e as ruas pelas negociações de bastidores e os corredores do poder. Foi o governo lulopetista que escancarou o caminho para o fisiologismo atual que deu no crime organizado no poder, hoje, que pretendia garantir sua impunidade permanente com a PEC aprovada pela Câmara. O governo Lula é um governo neoliberal de centro-direita, longe de ser de esquerda. Eles ficam falando de uma coisa imaginária, o "governo de esquerda". O Torturra diz que com mais 3% "a gente ganha a eleição". A gente quem? Essa centro-direita? Não tem lugar para a esquerda no governo do Lula! Quando será que a nova esquerda festiva vai entender que o buraco é mais embaixo?  

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A democracia não liberal da China, segundo Elias Jabbour

Boa entrevista do Elias Jabbour, a quem tenho críticas e julgava ser dogmático, já que elogia Stalin, mas demonstra ser um intelectual sério. Há uma convergência na esquerda, de Vladimir Safatle a Jones Manoel, passando pelo Jabbour, de que é preciso formular um projeto nacional nacional de desenvolvimento. Por que esses intelectuais políticos não se juntaram ao Ciro, em vez de continuar fieis ao Lula, eu não entendo. Será que o cerco lulista está se rompendo, sem o Ciro, obviamente, que já foi destruído? 

domingo, 21 de setembro de 2025

Uma aula sobre a China contemporânea

E uma introdução histórica de uma civilização de 3.500 anos. 

A ascensão da China e seu impacto sobre o mundo - Cláudia Trevisan e Yili Wang.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Esquerda no século XXI

Num dos momentos dessa conversa do vídeo abaixo, Vladimir Safatle observa que os governos do PT levaram os movimentos sociais para dentro do governo, para ajudar a gerenciar o Estado, e não é função dos movimentos sociais gerenciar o Estado capitalista, eles devem estar de fora, pressionando o governo a fazer o que ele não quer fazer. Dessa forma a esquerda brasileira -- melhor dizendo, o PT e partidos satélites, dizendo melhor ainda, Lula e os lulistas -- tornou-se gerente das crises do capitalismo, como ainda hoje, enquanto a extrema direita assumiu a posição de revolucionária ou reformista do Estado. A observação do Safatle, o melhor pensador brasileiro da atualidade, na minha opinião, me fez lembrar da minha posição, no final dos anos 70, quando a ditadura militar, nos seus estertores, extinguiu o bipartidarismo, com o objetivo claro de fracionar o MDB, que crescia como partido da oposição, e impedi-lo de tomar o poder mesmo dentro das regras do regime autoritário. E funcionou, novos partidos foram fundados. Foi quando a esquerda passou a discutir a organização de um partido com ideologia socialista e revolucionária, sustentado pelos movimentos sociais cuja força crescia então na oposição à ditadura militar, cujo resultado acabou sendo o PT. Muitas coisas nesse processo podem ser discutidas e me parecem óbvias quase cinquenta anos depois, mas o que eu quero dizer é que minha posição era contrária à criação de um partido de esquerda. Eu achava que os movimentos sociais deviam ser preservados à parte dos partidos. Achava que a esquerda devia incentivar a formação e crescimento dos movimentos sociais, disputar sua liderança e mantê-los independentes dos Estado burguês, inclusive dos partidos. Eu achava que os movimentos sociais eram a fonte do poder popular e se contrapunham ao poder burguês, que, quando se tornassem suficientemente fortes e representativos dos trabalhadores, se tornariam eles próprios o poder, um poder popular, base de outra sociedade, uma sociedade socialista, igualitária e democrática. Não é mais ou menos isso que Safatle está dizendo, quando afirma que os movimentos sociais têm que conservar sua independência em relação ao governo lulista? Seu argumento me parece óbvio, como aquela ideia que eu defendia há quase meio século: os movimentos sociais precisam ser independentes para serem fortes, e precisam ser fortes para empurrar o governo, qualquer governo, acrescento eu, agora como naquela época, para a esquerda, para exigir que ele atenda suas reivindicações. Os movimentos sociais de meio século atrás canalizaram suas forças para o PT, o PT virou o partido do Lula, Lula se tornou presidente, os movimentos sociais foram com ele para o governo, mas não transformaram radicalmente o Estado num Estado socialista, passaram a gerenciar o Estado burguês, se desarticularam e perderam sua força como movimentos sociais. É o que temos hoje: um governo dito de esquerda, empurrado cada vez mais para a direita, defendendo desesperadamente a ordem burguesa da destruição que lhe impõe a extrema direita fascista neoliberal, com apoio... popular! O que mais me impressiona é que a jovem que dialoga com o Safatle, que não conheço, mas parece ser uma liderança do PSOL, não tem a menor consciência de classe, como declara lá pelos 30 minutos e mais um pouco. Como foi que isso aconteceu? O PSOL está à esquerda do PT, é um racha à esquerda do PT, mas ela não tem a menor noção, consciente pelo menos, do que é consciência de classe. Ela tem consciência de que é mulher negra, mas não de que é trabalhadora e que os trabalhadores não se conciliam com o capital. 

Uma história exemplar do Brasil contemporâneo

Eu diria que o Brasil contemporâneo está dividido entre três forças políticas (a política é expressão da sociedade): a primeira, pujante, é a do crime organizado, que expressa o neoliberalismo desenfreado, assumiu o poder com o golpe do temer em 2016, continuou no governo do bozo, ocupou diversos governos estaduais, conta com o apoio eleitoral crescente do povão liderado pelas igrejas evangélicas (que prometem progresso aos pobres como o desta história, e sabemos com provas agora como esse progresso se dá) e manipulado pelas redes sociais, apesar da derrota eleitoral em 2022 e do processo exemplar que condenou os golpistas de extrema direita, tenho dúvida se não voltará ao poder federal no ano que vem; a segunda é a força rendida ao neoliberalismo que tenta desesperadamente manter o Estado sob rédeas civilizadas, inclusive na corrupção e no crime, que se traduz em instituições como o STF, a PF, o Lula (sim, Lula se transformou numa instituição brasileira), parte da imprensa e outras instituições republicanas; a terceira é uma força emergente, que diz que não é possível controlar a ordem burguesa neoliberal corrupta, criminosa e destruidora e que o sistema capitalista precisa ser substituído por outra ordem que coloque a conservação do ambiente, a igualdade e a democracia em primeiro lugar.  

O destruidor da Serra do Curral 

O destruidor da Serra do Curral 

Quem é Alan Cavalcante do Nascimento, empresário que a PF aponta como líder de um esquema que corrompia funcionários públicos e fraudava licenças ambientais em Minas Gerais

Por Allan de Abreu, revista Piauí, 17 set 2025, 11h31 

Na manhã desta quarta-feira (17), a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram uma operação que investiga a corrupção de servidores públicos na área ambiental e de mineração em Minas Gerais. A suspeita é de que empresários pagavam propina para liberar projetos e fraudar licenças ambientais. Segundo a PF, o líder desse grupo criminoso é Alan Cavalcante do Nascimento, um alagoano que fez fortuna na mineração e deixou um rastro de devastação no estado. A piauí publica, abaixo, o trecho de uma reportagem de outubro de 2023 que conta a história de Nascimento e seus rolos na Justiça.



A festa de Réveillon do empresário Alan Cavalcante do Nascimento talvez seja a coisa mais parecida com as luxuosas farras de O grande Gatsby que Alagoas já viu. Na sua mansão de três andares, no Laguna Heliport, o condomínio com o metro quadrado mais caro do estado, o empresário promove três semanas de festa, com direito a pool party e passeios de catamarã. O ponto alto é o dia da virada para o Ano-Novo, quando cerca de quinhentos convidados costumam assistir a shows ao vivo – o último foi o da banda Saia Rodada, cujo cachê pode chegar a 400 mil reais por apresentação. O notável é que, há apenas dez anos, a diversão de Alan Cavalcante – ele prefere ser chamado pelo primeiro sobrenome – limitava-se a corridas de motocross e comemorações no modesto quintal da casa em que vivia, uma edícula em Arapiraca, no agreste alagoano.  

“Eu não era pobre, eu era muito pobre”, disse ele, em conversa com a piauí. “Eu enriqueci com muito trabalho, de segunda a segunda, mais de doze horas por dia.” Em abril do ano passado, numa festa de aniversário, o empresário se emocionou, abraçado à sua mulher, Monica, e à sua irmã Alany, a aniversariante do dia, quando a dupla sertaneja César Menotti & Fabiano, em um show na mansão do Laguna, cantou Tá chorando por quê?. A letra fala de como a prosperidade chega com a bênção divina: Lembra de onde você veio e aonde que você chegou/Lembra de todos os livramentos que você já passou/Nem era para você estar aqui/Mas Deus falou assim:/“Esse aí vou levantar”/“E onde colocar a mão ele vai prosperar.”

E Cavalcante prosperou. Seu patrimônio formal inclui um conglomerado de 38 empresas, entre mineradoras, construtoras e imobiliárias, a maioria em Minas Gerais, e uma multiplicidade de sócios. O capital social de suas empresas, somado, passa de 100 milhões de reais. Em junho passado, seu rosto tornou-se mais conhecido nas redes sociais quando deu o maior lance no leilão beneficente do atacante Neymar, em São Paulo: 1,2 milhão de reais pelo blazer e pelo cordão de ouro e diamantes que o jogador usava no evento. O valor incluiu ainda o Rolex de um empresário amigo do jogador.

Clique aqui para continuar lendo na piauí. Não identifiquei, na revista, o crédito da foto. 

Como mineradoras e governos corrompidos destroem Minas Gerais

Acima da lei e dos partidos: 

"Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos)."  

Tudo que nós precisamos saber sobre a operação da PF que desbaratou a corrupção intrínseca entre mineradoras e autoridades que destroem Minas Gerais impunemente. Basta querer e funcionar, que o Estado tem instituições para, senão impedir, pelo menos intimidar o crime e punir os criminosos. Essa operação, assim como aquela há algumas semanas atingiu o coração do capital financeiro em SP, mostra como o crime organizado tomou conta do próprio Estado. Como isso aconteceu? Que candidato e partido se dispõem a enfrentar a podridão da democracia que abre as portas para a autocracia? 

Por Daniel Carmgos / Capivara de Paletó  

Minas de corrupção 

Deflagrada pela Polícia Federal na última quarta-feira (17/9/25), a Operação Rejeito revelou um esquema bilionário de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais. A investigação aponta a existência de uma organização criminosa que fraudava processos de licenciamento ambiental e minerário, cooptando servidores públicos, pagando propina e abrindo empresas de fachada para lavar dinheiro.

Foram 22 prisões preventivas e 79 mandados de busca e apreensão. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 1,5 bilhão em bens e a suspensão das atividades de mais de 40 empresas ligadas ao grupo. A PF bateu em portas poderosas: escritórios de advocacia, residências de luxo e até a Cidade Administrativa, sede do governo de Romeu Zema (Novo).

Quem era o líder?

O empresário Alan Cavalcante do Nascimento é apontado pela PF como o chefe de uma rede de mais de 40 empresas usada para movimentar dinheiro e ocultar patrimônio. Documentos judiciais mostram que, depois de se tornar réu na Operação Poeira Vermelha, em 2020, Alan acelerou a criação de sociedades em nome de laranjas para frustrar investigações e manter o esquema ativo.

Alan chegou a comprar imóveis vizinhos a juízas que conduziam ações contra ele: um apartamento no mesmo prédio de uma juíza federal e uma casa em frente à residência de uma juíza estadual. Contei essa história em matéria publicada na Repórter Brasil, onde destaco também que ele arrematou um blazer, um colar e um relógio Rolex por R$ 1,2 milhão durante um leilão beneficente promovido por Neymar.


Alan Cavalcante do Nascimento é apontado pela Polícia Federal como líder de organização criminosa que fraudava licenças ambientais na mineração em MInas Gerais (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Alan foi perfilado pela revista piauí, em outubro de 2023, que descreveu festas em sua mansão de três andares em Maceió (AL), equipada com piscina, heliponto e lago artificial com carpas.

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Até um chefão da PF foi preso

O trem foi tão grande que peixes graúdos foram parar na cadeia. Entre eles, o delegado federal Rodrigo Teixeira, que já foi superintendente da PF em Minas Gerais. Na época, comandou as investigações do atentado a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora e do desastre da Vale em Brumadinho.

Teixeira chegou a ser diretor de Polícia Administrativa da PF em Brasília, número 2 da corporação, até o fim de 2024, no governo Lula (PT). Antes, havia ocupado cargos de confiança em Minas, como secretário adjunto na Prefeitura de Belo Horizonte, na gestão de Alexandre Kalil (PDT), e até a presidência da Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente) no governo Fernando Pimentel (PT).

Segundo a investigação, Teixeira era o administrador de fato de empresas de fachada ligadas ao esquema, participando de decisões estratégicas, convocando reuniões e controlando negócios que lhe renderiam ganhos milionários sem precisar tirar um centavo do bolso.

Interceptações telefônicas mostraram que, ao assumir a diretoria em Brasília, Teixeira estaria “mandando e desmandando na PF”, como disseram em diálogo dois lobistas. Nessas conversas, discutiram inclusive a indicação de nomes para a Superintendência da PF em Minas, de forma a “não complicar a vida da mineração”.

Dobradinha com Pacheco

Outro preso foi o ex-deputado estadual e advogado João Alberto Paixão Lages (MDB), apresentado pela PF como o responsável pela articulação política do esquema. Nas planilhas internas, ele aparecia como “diretor de relações interinstitucionais” da organização criminosa.

Segundo os inquéritos, Lages era o elo com autoridades e órgãos públicos. Foi ele quem abriu portas na Assembleia, em secretarias estaduais e até em conselhos ambientais, garantindo votos e decisões que favoreceram empresas do grupo. Mensagens interceptadas mostram que ele tratava diretamente com dirigentes da Feam, da ANM e até do Iphan, discutindo pagamentos e ajustando pareceres técnicos.

Em 2014, Lages fez campanha para deputado estadual em dobradinha com o senador Rodrigo Pacheco (PSD), que foi eleito deputado federal. O próprio Pacheco aparece como principal doador da candidatura de Lages em 2018, com R$ 67 mil. Contudo, não há qualquer acusação contra Pacheco na Operação Rejeito.

Nas conversas captadas pela PF, Lages era tratado como “chefe” por servidores e até por diretores da ANM, além de ser o responsável por repassar a Alan Cavalcante informações vazadas de operações policiais.

O homem de Silveira na ANM

Também foi preso o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Trivellato Seabra Filho, apontado pela PF como parte do núcleo institucional do esquema. Segundo a Folha de S.Paulo, ele é visto como homem de confiança do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), na agência.

De acordo com as investigações, Trivellato mantinha contato frequente com o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, um dos líderes da organização, a quem se referia como “chefe”.

Há registros de reuniões presenciais e de sua participação em votações que favoreceram uma mineradora, em desacordo com pareceres técnicos da própria ANM. A PF também atribui a ele a prática de retardar processos estratégicos, por meio de pedidos de vista, para alinhar decisões ao interesse da organização criminosa.

Estadão acrescenta que Silveira indicou não só Trivellato para a ANM, mas também o delegado Rodrigo Teixeira para a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e para um comitê da Petrobras. Além disso, Silveira recebeu R$ 100 mil de doação eleitoral em 2022 de Lages. Não há menção, porém, de que tais doações ou nomeações estejam relacionadas diretamente aos fatos investigados na Operação Rejeito.

“Não vou cair sozinho”

Também caiu na rede o ex-presidente da Feam Rodrigo Gonçalves Franco. Ele tinha sido exonerado por Zema quatro dias antes da operação. O secretário de Comunicação do governo mineiro, Bernardo Santos (engenheiro de formação), disse que a saída de Franco foi para evitar riscos em meio a “burburinhos, vamos dizer, fofoca”.

Dias depois, a PF bateu à porta.

Interceptações indicam que Franco recebia propinas regulares e interferia pessoalmente em processos de licenciamento. O colunista Orion Teixeira, do Estado de Minas, revelou que, às vésperas da operação, Franco desabafava dizendo que não queria “cair sozinho”, que apenas “cumpria ordens” e que as decisões vinham “de cima”.

O candidato de Nikolas, Bolsonaro e Cleitinho

Outro preso foi Gilberto Henrique Horta de Carvalho. A PF o aponta como articulador do esquema, Horta ganhou projeção em 2023 ao disputar a presidência do Crea-MG com apoio de Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Cleitinho Azevedo e outros nomes da extrema-direita, que gravaram vídeos pedindo votos.

Ele perdeu a eleição, mas consolidou espaço nesse campo político. Relatei essa história em detalhes em reportagem publicada na Repórter Brasil.


Preso em Operação Rejeito da PF teve apoio de Bolsonaro e Nikolas para o Crea-MG (Imagem: Reprodução/Redes Sociais)

O que dizem as defesas

As defesas dos principais presos tentam reverter as decisões judiciais decorrentes da Operação Rejeito. O ex-superintendente da PF Rodrigo Teixeira alega que as provas são “etéreas”. O ex-deputado João Alberto Lages pede prisão domiciliar por apresentar problemas de saúde. Já o diretor da ANM Caio Trivellato diz que agiu em decisão colegiada e defende que apenas o afastamento do cargo é suficiente. Os detalhes estão nos pedidos de habeas corpus publicados por O Fator.

Evitar a demonização

A Fiemg declarou apoio às prisões, mas emendou críticas ao que chamou de “demonização do setor mineral”. O Ibram, entidade que representa as grandes mineradoras, divulgou nota de “preocupação e repúdio” às práticas de corrupção reveladas pela PF.

Já o governador Romeu Zema só se manifestou mais de 24 horas depois. Em São Paulo, durante um leilão de rodovias, afirmou esperar “punição exemplar” dos envolvidos e disse que a Controladoria do Estado já acompanhava suspeitas sobre o caso. O vice-governador Mateus Simões, sempre eloquente e tido como o homem forte governo, só se manifestou depois do chefe.

Decreto sob medida

Um decreto de Zema publicado em 1º de novembro de 2024, mudou as regras de licenciamento ambiental em Minas. Até então, empresas multadas só conseguiam licença depois de quitar as sanções, detalha a repórter Alessandra Mello no jornal Estado de Minas. Com a alteração, passou a bastar apresentar uma justificativa dizendo não ser responsável pela infração. Segundo as investigações da Rejeito, a manobra foi articulada pelo então presidente da Feam, Rodrigo Franco, e pelo ex-deputado João Alberto Lages.

Mineração sem partido

A Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos).

As ramificações também chegam ao governo petista em Brasília, tiveram apoio de Bolsonaro e muitos foram nomeados pela dupla Zema-Simões. A lama, no caso da mineração, não encontra barragens ideológicas e ajuda a entender por que o setor sempre escapou de controles mais rígidos.

Aliás, uma das matérias de que mais gostei de escrever foi publicada há seis anos, logo depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, com o título: O ‘baile da lama’: as relações entre políticos e mineradoras em uma festa de casamento – e fora dela

Faria Limer

Quem procurar Zema em Minas corre o risco de perder a viagem. Desde que lançou a pré-candidatura à Presidência, ele tem passado mais tempo em São Paulo, circulando pelos arredores da Faria Lima. Foi de lá, inclusive, que se manifestou sobre a Operação Rejeito. Escrevi sobre isso na minha coluna desta semana na CartaCapital, em que mostro como o governador quer privatizar a água dos mineiros.

Timing perfeito

Enquanto Minas encara o maior escândalo de corrupção da mineração em décadas, a Rádio Itatiaia lançou o Eloos, projeto vendido como “espaço de conexão e protagonismo”, mas que funciona como vitrine para bajular mineradoras. O primeiro evento será nesta segunda (22), com Zema e o ministro Alexandre Silveira como estrelas, ao lado da secretária de Meio Ambiente, Marília Melo, em meio à prisão de servidores indicados por ela na Operação Rejeito. Entre os patrocinadores estão Vale, CSN, Samarco, Gerdau, Cedro Participações e até o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)

Estado fraco, lama forte

Pelas redes da Itatiaia, o público não deixou barato. Servidores em greve lembraram os casos de corrupção na área ambiental, denunciaram o sucateamento dos órgãos de fiscalização e ironizaram a ausência de Rodrigo Franco, ex-presidente da Feam, preso na Operação Rejeito.

A paralisação atinge o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), responsável por licenciamento e fiscalização no estado, e é organizada pelo Sindsema, sindicato da categoria. Os grevistas denunciam salários congelados há mais de uma década, a redução de mil servidores desde 2016 e técnicos que chegam a receber menos de um terço do que ganham colegas contratados por mineradoras.

“É um projeto de desmonte para abrir caminho ao lucro de empresas que devastam o território”, resumiu Wallace Oliveira, presidente do Sindsema, em entrevista ao Brasil de Fato.

Cadê o MPMG?

Se teve algo que chamou atenção na Rejeito foi a ausência do Ministério Público estadual. Quem puxou a fila foram os órgãos federais (PF, MPF, CGU e Receita), mesmo com boa parte das denúncias passando por órgãos estaduais. Em grande parte do período investigado quem estava no comando do MPMG era o então procurador-geral de Justiça Jarbas Soares Júnior.

Jarbas pegou duas caronas em jatos do empresário da mineração Lucas Kallas, como revelou a piauíEm julho de 2022, voltou de Miami; em abril de 2023, voou para o Caribe. Jarbas disse para a revista que eram “caronas entre amigos”.

Kallas aparece também nos documentos da Operação Rejeito. Ele tentou negociar US$ 70 milhões em direitos minerários com um braço da organização criminosa, mas o negócio naufragou em briga interna dos próprios investigados.

E tem ainda o registro de uma reunião de Kallas com o delegado Rodrigo Teixeira, que contou também com a presença de Alexandre Kalil e do advogado Gabriel Guimarães, ex-deputado federal pelo PT e filho de Virgílio Guimarães.

Para os investigadores, o encontro tratava de negócios ligados a uma mineradora. Já Teixeira disse que foi apenas uma “conversa informal sobre política”, em meio à pré-candidatura de Kalil ao governo de Minas.

Importante registrar: Lucas Kallas não é alvo da Operação Rejeito. Seu nome aparece nos autos apenas de forma incidental, em razão dessas negociações frustradas e encontros citados pela PF.

CPI na área

Segundo a oposição na Assembleia Legislativa, não faltaram alertas ao governo Zema sobre as irregularidades que culminaram na Operação Rejeito. Foram ações civis, audiências públicas, termos de ajustamento e denúncias formais que acabaram arquivadas ou ignoradas. Os deputados estaduais do bloco Democracia e Luta agora recolhem assinaturas para instalar uma CPI do Meio Ambiente.  

Em três minutos uma lição sobre drogas e capitalismo

Ela, Suzana Herculano-Houzel, não diz, mas para bom entendedor, fica óbvio: a ciência sabe como combater as drogas, esse suposto gigantesco problema social que mobiliza exércitos de recursos e policiais das nações, se a civilização não faz isso é porque não quer, porque drogas são um grande e lucrativo negócio, que interessa muito mais ao capital do que promover esportes, artes e bem-estar para os jovens, que são as presas frágeis desse braço criminoso do capital. Mas, afinal, o capital faz outra coisa, além de cometer crimes? Mais: não é esse um resumo do capitalismo, talvez uma síntese da história humana, se de fato o capitalismo for o fim da linha? O capitalismo é o sistema que proporciona prazer fácil e autodestruidor para o Hs.  

Por que amo Suzana Herculano-Houzel

Mas ela casou com outro. Eu procurava entender como se dão os efeitos do álcool no corpo e cheguei a essa pérola da minha musa da neurociência, a brasileira que já deveria ter sido laureada com um Prêmio Nobel, não sei por que não foi ainda, visto que contou nossos neurônios pela primeira vez e descobriu que são 86 milhões, não 100 milhões, como afirmava a ciência antes dela, mas esse foi só o brilhante começo da sua carreira genial.  

(Publicado na Folha de S. Paulo, em 9 de outubro de 2008. As coincidências: aniversário do John Lennon.) 

Mareada em Veneza 

Suzana Herculano-Houzel

[...] O hipocampo, que serve de agenda com alarme embutido, fica inibido, e por isso o álcool tem efeito ansiolítico, relaxante

Não costumo beber álcool, mas a ocasião era convidativa: nosso primeiro dia de lua-de-mel em Veneza. Sentados à beira do Grande Canal, as silhuetas das gôndolas enfeitando as casas iluminadas, um copo de vinho parecia uma boa pedida.
Mas os efeitos já se anunciavam com meio copo. Os músculos já haviam relaxado e se aquecido, eu tinha a nítida impressão de fazer esforço para manter os movimentos precisos e fluidos, e o sono crescente parecia trazer o chamado do meu travesseiro de umas oito estações de "vaporetto" mais adiante. Meio copo. Ainda encontrei força mental para calcular que, com uns 12% de álcool no vinho, eu não tinha ingerido mais do que uns 10 ml de etanol puro -o correspondente a um tubo pequeno no laboratório, do volume do dedo indicador. Meu marido mal começava a sentir o sabor do vinho, e eu já estava naquele estado patético.
Está certo que mulheres dispõem de quantidades menores de álcool e aldeído desidrogenases, as enzimas que "digerem" o álcool e impedem que ele caia na circulação, mas, pelo jeito, meus níveis dessas enzimas são mínimos, e o álcool rapidamente me sobe à cabeça. Chegando ao cérebro, ele potencializa os efeitos do GABA, substância que funciona como freio natural à atividade dos neurônios. O hipocampo, que serve de agenda com alarme embutido, fica inibido, e por isso o álcool tem efeito ansiolítico, relaxante; o cerebelo e o estriado, estruturas que dependem maciçamente do GABA para ajustar os movimentos, começam a padecer de excesso de inibição, donde a perda da coordenação motora fina e do equilíbrio; a motivação e o alerta minguam, cedendo vez ao sono.
Resultado: assim que chegamos ao hotel, adormeci, de casaco e tudo -mas não sem notar, já com a cabeça no travesseiro, que o quarto "balançava" como o "vaporetto". Meu cerebelo, já com problemas para se ajustar à alternância constante entre o chão sólido e o móvel sob os pés ao longo do dia, agora embriagado, tinha jogado a toalha: eu estava duplamente mareada (mas feliz!).
Parece uma fórmula mágica para relaxar e adormecer -só dura pouco. Acordei no meio da noite sentindo enjôo e mal-estar generalizados, que resultam dos aldeídos da digestão incompleta do álcool. Por isso, um tratamento moderno para o alcoolismo são inibidores enzimáticos, que fazem com que a menor dose de álcool já cause enjôo. É o meu consolo: desse jeito, não há como me tornar alcoólatra.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do saite "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)
 

Música do dia: Hard times (No one knows better than I), Ray Charles

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Operação da PF desbarata "grupos criminosos travestidos de mineradoras"

Operação Rejeito. Mineradoras e autoridades corrompidas comandam a destruição ambiental em Minas Gerais. Conforme diz o delegado, nós sabemos o que significa isso: os crimes de Mariana e Brumadinho, além das ameaças ao Gandarela, à Serra do Curral e muitos outros ambientes. A imprensa, conivente com as mineradoras e subserviente ao dinheiro que vem da sua publicidade e outros agrados, além da própria ideologia neoliberal que têm em comum, não dá à notícia a importância que tem, mas não pode ignorá-la. É a primeira vez que a PF faz uma operação desse porte contra o crime organizado que atua na mineração e tantas desgraças já trouxe e continua trazendo aos mineiros e brasileiros. 

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Jornalismo no coração da Amazônia: 3 anos de Sumaúma

Mais que jornalismo. Salve, Eliane Brum, eleita pensadora do ano (2024) pela revista britânica Prospect.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Calma urgente! Pacificação na era da má-fé

Desde quando escuto, este podcast, que reúne jovens brilhantes, é defensor ferrenho do Lula, mas aos poucos, parece, vai entendendo a história toda. Lá pelas tantas a Alessandra diz que os políticos, inclusive do PT, são todos iguais, que não existe mais ideologia na política. Na discussão sobre a indicação do ministro fux, feita pela ex-presidenta Dilma e apadrinhada pelo José Dirceu (pra gente colocar na conta das incompetências desses dois), o lulolátra Duvivier diz que naquela época não se sabia a importância que tem um ministro do STF para a democracia, no que é contestado pela Alessandra. Eles ainda não tiraram todas as consequências, mas estão aprofundando a discussão. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Um julgamento político

Todos são. Desde o de Sócrates, há 2.300 anos, e o de Jesus Cristo, há 2.000. O impeachment da Dilma foi. O mensalão foi. O impeachment do Collor também foi. O Brasil agora também tem o seu 11 de Setembro, a exemplo do Chile e dos EUA, mas o nosso é edificante para a democracia. Suscita várias reflexões e a primeira é sobre continuidade da própria democracia, que deu sua segunda demonstração de vigor, ao condenar à prisão militares golpistas pela primeira vez; a primeira demonstração de vigor foi o próprio desfecho da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. As análises agora vão focar nas repercussões do julgamento sobre a candidatura da extrema direita na eleição presidencial do ano que vem. Eu sou pessimista. Penso que, a despeito dos fatos, há um movimento social profundo que encaminha as massas populares para a direita e esse movimento deve favorecer o candidato da oposição da extrema direita, seja ele qual for. Lula será o candidato do sistema mais uma vez. Não há, por enquanto, candidato de oposição da esquerda. A tragédia brasileira do século XXI é que a esquerda não tem um projeto hegemônico. Os projetos de esquerda, dos quais o do Ciro Gomes, é o mais visível, assim como no passado foi o do Brizola, não conseguiram se impor ao que se tornou o projeto hegemônico da nossa época, que foi o neoliberalismo, e que se personificou na liderança política do Lula. Sem um projeto de esquerda vigoroso, as insatisfações populares são despejadas na esperança com candidatos de direita, como aconteceu na inimaginável eleição de 2018. A esquerda brasileira, depois do vigoroso movimento de massas iniciado nos anos 1970 e que levou ao fim de 21 anos de ditadura militar, optou por concentrar toda sua força na eleição do Lula, mas Lula e o PT caminharam cada vez mais para o centro, adotaram o projeto neoliberal e se converteram no próprio partido da ordem burguesa, ao mesmo tempo em que se afastaram das massas populares, cada vez mais conquistadas pelo movimento evangélico de extrema direita. Seja como for, a Era Lula está prestes a terminar. O presidente completa 80 anos no mês que vem e, dependendo do que virá, pode vencer a eleição de 2026 e começar um novo mandato, quem sabe encerrá-lo na glória, como aconteceu em 2010, quem saber encerrar sua carreira política com uma derrota. O julgamento do ex-presidente ex-capitão coloca o ministro Alexandre de Moraes na posição de herdeiro do Lula como líder do, digamos, centro democrático. Essa é a ideologia prevalecente no Brasil hoje, à qual adere pela primeira na história a imprensa empresarial, depois da traumática experiência no governo do bozo. A prisão do seu expoente máximo é um golpe duro para a extrema direita e projeta o Brasil mundialmente como nação democrática, o que não é pouca coisa na atual conjuntura e uma novidade na nossa história. Oxalá todas as frustrações das últimas décadas tenham essa compensação: uma democracia estável, capaz de resistir não só às turbulências de um governo de extrema direita e novas investidas militares, mas também a um posterior renascimento da esquerda. O fato que não se pode negar é que, graças ao STF, em especial ao ministro Moraes, mas também aos votos firmes da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Dino e Zanin e às manifestações do presidente Barroso e do ministro Mendes, o nosso 11 de Setembro será uma data a ser celebradas pela democracia, ou melhor, pelo que hoje chamamos de democracia. Democracia que tem muito a avançar para que possa ser realmente chamada assim, mas isso cabe ao povo fazer. Antes, porém ele precisa ser reconquistado pela esquerda. Faltou falar da figura lamentável do julgamento, o ministro fux. Acovardou-se diante das ameaças da extrema direita local e ianque, apostou na continuidade das coações do governo norte-americano e na vitória da extrema direita em 2026. Cometeu um crime mortal: traiu o espírito de corpo, os seus pares no STF. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

11 de Setembro

A "mídia" não fez o mesmo estardalhaço quando o terrorismo foi no Chile, 28 anos antes. Os episódios têm ligações. O terrorismo oriental tem a ver com o terrorismo ianque. As pessoas que ignoraram o terrorismo no Chile ficaram horrorizadas com o terrorismo nos EUA. Diziam que se sentiam em um filme, tamanho o horror. Entretanto não são capazes de aprender e mudar, não compreendem que o terror continua, que é muito maior hoje do que há 24 anos e que contribuímos para ele aderindo ao capitalismo. A tragédia humana é uma tragédia anunciada. 

11 de Setembro de 1973.   11 de Setembro de 2001.

Música do dia: Todo mundo vai ao circo, com Batatinha e Dona Ivone

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Influenciadores "marxistas"

Acompanho muitos podcasts, há uma efervescência de discussões na internet, especialmente no YT. São os revolucionários de redes sociais. Me distraio, me informo, admiro muitos participantes, “influenciadores”, mas minha admiração é limitada. Quer dizer, minha admiração considera o que as pessoas fazem, não o que dizem. Um dos influenciadores mais destacados, por exemplo, é um brilhante artista, ator, escritor, mas será que ele quer mudar o mundo, acabar com o capitalismo, salvar o ambiente, criar o socialismo que só pode ser ambientalista? Acho que não, porque não age para isso, acho que o que ele quer é viajar, apresentar seus espetáculos, ser admirado e aplaudido, ganhar dinheiro para manter sua arte, enfim, continuar levando uma boa vida no sistema capitalista.

E assim vai, influenciador após influenciador; todos estão sobrevivendo, o que significa ganhando dinheiro e mantendo vivo o sistema capitalista, produzindo entretenimento na internet. O conhecimento que difundem e a consequente elevação da consciência do público, se é que acontece, corresponde à formação de uma ideologia, mas que ideologia é essa? A que ela leva? No caso do podcast citado, não é muito mais do que condenar a extrema direita e apoiar o Lula, ou rejeitar o sionismo e apoiar os palestinos.

O que eu quero dizer é que não existe um horizonte, uma estratégia, um projeto do que se chama de esquerda e reverencia o pensamento marxista. As críticas, as análises, as discussões que acontecem na internet, inúmeras, não levam a um plano para mudar a sociedade, extinguir o capitalismo e criar o socialismo, embora todos se digam revolucionários ou pelo menos reformistas, comunistas ou socialistas. Todos estão extremamente preocupados com a sociedade, mas cuidam só das suas vidas individuais, todos estão apavorados com o futuro, mas se ocupam de gozar o presente, todos, enfim, se dizem socialistas, mas vivem vidas capitalistas.

Ok, no capitalismo só se pode viver de forma capitalista, mas é preciso reconhecer então que nada fazemos para a acabar com o capitalismo, ao contrário, estamos contribuindo para sua continuação e para a barbárie à qual ele nos conduz. A internet é um interessante meio de difusão de conhecimentos, mas a transformação social é outra coisa, não será feita por multidões de seguidores lideradas por influenciadores. Ou será? Penso que a "revolução" precisa ser feita por pessoas reais, em relações sociais reais, em ambientes reais. Mais do que isso: é preciso ter instituições concretas, formas de organização de pessoas físicas, na sociedade real. E mais ainda: é preciso ter um plano, um projeto para a sociedade, um programa bem concreto contemplando tudo que se quer mudar, com soluções melhores do que o conforto destruidor da civilização capitalista. Quem tem esse plano?

Socialismo ambientalista

Todas as manhãs, quando ligo meu computador, vejo uma imagem deslumbrante, quase sempre uma imagem da Natureza em algum ponto remoto do planeta, raramente é uma imagem urbana. Isso aparenta que uma grande empresa capitalista mundial se preocupa com a Natureza e que nós, usuários, gostamos da Natureza também. No entanto, o que fazemos todos, multinacionais capitalistas e indivíduos da espécie humana, é destruir a Natureza incessante e crescentemente, a ponto de estarmos impossibilitando a continuidade da nossa própria existência.

A questão ambiental é, de longe, a mais importante da civilização. A questão climática não é a questão ambiental, é apenas parte dela: porque destruímos os ambientes, mudamos o clima. A questão ambiental é como conciliar a civilização com a conservação da Natureza. O Homo sapiens só vai sobreviver se resolver essa questão. A espécie humana não vê a Natureza de forma, digamos, global, mas apenas pontual. Sabe que tem de fazer coisas urgentes para conter as mudanças climáticas e não faz; as consequências das mudanças climáticas se agravam em catástrofes e mesmo assim não agimos. Ao contrário, os governos de extrema direita neoliberais agem para agravá-las. Ao mesmo tempo, os indivíduos, formados pelas máquinas de propaganda ideológica capitalistas, querem consumir mais e melhor.

A destruição ambiental acelerada é o capitalismo. O capital é um câncer que não para de crescer enquanto não mata o corpo que habita. O corpo que o capital habita é a Terra, que ele destrói para criar riquezas para a espécie humana, que se considera dona da Natureza e que ela é matéria-prima. O capital só vai parar quando a espécie humana não puder mais destruir a Natureza, isto é, quando se exterminar também.

Simples assim. Há pelo menos quase dois séculos, desde que Karl Marx escreveu seu livro O Capital, temos consciência do que é o capitalismo. Foi no século XIX, o século em que o capitalismo industrial se estabeleceu, mudando radicalmente a Europa e o restante do planeta que ela colonizou a partir do século XV. Foi também o século em que se desenvolveram inúmeras ciências. Temos hoje a pretensão de viver numa civilização que se guia pelas ciências, seja na saúde, seja na comunicação, seja ao enviar naves ao espaço, mas ignoramos o conhecimento científico sobre como organizamos a nossa própria sociedade, sobre o capital.

A obra científica de Marx, digamos assim, propiciou o surgimento de um movimento social com o objetivo de tomar o poder político, acabar com o capitalismo e implantar o socialismo, uma sociedade sem os horrores do capitalismo, que todos viam e Marx descreveu magistralmente, que só se tornaram maiores desde então. Aquele movimento existe ainda hoje, mas já teve momentos melhores: no começo do século passado foi bem-sucedido em comandar uma revolução na maior nação do planeta e reorganizar sua economia, mas depois de 74 anos ela ruiu e voltou a ser dominada pelo capital. Outra grande nação asiática, a mais populosa, também fez uma revolução guiada pelo pensamento marxista e promoveu nas últimas décadas um desenvolvimento econômico sem igual, mas, tal qual o capitalismo, contribui enormemente para a destruição ambiental, o que me faz pensar que, caso os marxistas tivessem tido sucesso na Europa e outras nações desenvolvidas, esse caminho que seguimos rumo ao fim da civilização não seria diferente.

Das duas uma: ou a China não é comunista, é uma nação capitalista governada por um partido que controla a estrutura do Estado e impõe planejamento para produção econômica capitalista, ou o comunismo marxista-leninista não é suficiente para evitar a barbárie a que o capitalismo conduz a espécie humana, depois de destruir os ambientes naturais e exterminar as demais espécies da Terra.

O sentido do comunismo defendido pela obra científica do Marx é salvar a espécie humana e o planeta, é proporcionar ao Homo sapiens uma vida boa e longa na Terra, uma vida racional, uma vida sábia, o que pressupõe igualdade, liberdade, fraternidade, democracia. Não tem outro sentido a ideia da sociedade socialista. Se é para destruir a Terra e extinguir a espécie humana, tanto faz capitalismo ou socialismo, não é preciso mudar o sistema econômico. O socialismo só pode ser ambientalista. Isso é óbvio, carece de explicação, é a essência da teoria marxista, da ciência que explica o capitalismo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Um filme revolucionário

Será que os marxistas-leninistas de rede social perceberam que Bacurau é um filme revolucionário?

sábado, 6 de setembro de 2025

Revolucionários de redes sociais

Há um crescente movimento de marxistas de internet no Brasil, não sei se em outros lugares também. São várias correntes representadas por verdadeiras estrelas do marxismo de redes sociais. É um movimento muito interessante e informativo, quando comecei a ver só tinha elogios para ele, apesar de olhar criticamente, porque tenho minha opinião sobre o assunto, mas os “influenciadores” marxistas são jovens com formação acadêmica, muita leitura e muito conhecimento. 

Minha admiração vem também do fato de serem destemidos, se proclamam revolucionários numa sociedade em que a extrema direita cresce e persegue comunistas, há décadas ataca ferozmente a esquerda que sequer é comunista, na verdade é reformista, menos que isso, de centro, e na prática neoliberal, numa palavra, petista. É uma posição corajosa, portanto se declarar marxista e revolucionário numa sociedade em que é a extrema direita (que muitos chamam de fascista e outros discordam, pois consideram que o fascismo foi um fenômeno específico da Itália nos anos 1920) é agressiva e violenta. 

Os marxistas de redes sociais cumprem um papel interessante, inclusive porque discutem entre si, democraticamente, frequentam inúmeros podcasts e promovem o conhecimento. 

Enfim, só vejo benefícios nesse movimento, inclusive para mim, que testo minhas posições e ganho conhecimentos, mas não posso deixar de pensar que importância tem isso para a “revolução”, isto é, para a transformação social. 

Talvez, de fato, não passe de mais uma onda de entretenimento. Não basta conhecer Marx e Lênin, é preciso agir politicamente. 

O PT está cheio de marxistas e leninistas, que eram mais ativos socialmente há quarenta anos do que os marxistas de redes sociais são hoje, isto é, estavam ligados a movimentos sociais, embora fossem igualmente acadêmicos. O PSOL foi um racha de esquerda do PT, mas toda a esquerda que entra na política burguesa real se rende a ela; alguns resistem bravamente e nesses raros casos, que eu admiro, é possível ver como é difícil conciliar a coerência ideológica com a ação efetiva. 

Esses novos marxistas de redes sociais, por enquanto, até onde sei, não passam de militantes de internet. De qualquer forma é bom, eu sempre fui e continua sendo a favor do novo, da renovação, do questionamento, da contestação. 

A questão que eu coloco é que influência real esse marxismo tem. Ou por outra: embora se digam revolucionários, eles não têm atuação revolucionária, porque, na concepção marxista, a revolução será feita pelo trabalhadores e eles não têm atuação concreta entre trabalhadores. 

Esta é a velha fraqueza da esquerda e foi a força do PT, diante da qual sucumbiram todos os marxistas-leninistas da minha geração, a de 77, e da geração de 68. A novidade histórica, em 2025, é que Lula está completando 80 anos, sua influência está prestes a acabar. 

A questão é saber como esses novos marxistas vão se ligar às massas. Será que sua pretensão é serem líderes virtuais? Será que pretendem fazer a revolução com seus “seguidores”? 

O grande lance da Revolução Russa de 1917 foi Lênin e Trotski terem conseguido liderar as massas, a partir do partido bolchevique e dos sovietes operários. Eles conseguiram unir a teoria marxista com a ação política e lideraram as massas para tomar o poder político e começarem a construção de uma nova sociedade. O fato único da revolução russa foi ter sido planejada a partir de uma teoria política. Embora vitoriosos, eles fracassaram, ao contrário do que pensa Breno Altman, mas já é impressionante seu feito, antes que a ditadura stalinista se impusesse. 

A questão sobre os marxistas de redes sociais, portanto é simples e clara, para mim: eles são excelentes, modernos e democráticos divulgadores do marxismo e suas variantes, e isso ajuda a formar cidadãos bem informados e críticos, mas sua influência não é revolucionária, porque a revolução depende de atuação política nas classes sociais, nos seus movimentos e organizações. 

Eu duvido que uma revolução possa ser feita com “seguidores” e “laiques”. É claro que posso estar errado. Seja como for, é preciso esclarecer isso: marxistas de redes sociais pretendem ser líderes políticos revolucionários, a exemplo do Lênin, do Trotski e outros, ou apenas (o que não é pouco) divulgadores do marxismo e suas vertentes? 

Como seria essa revolução liderada por marxistas de redes sociais? Mobilizam-se os seguidores para manifestações, como das “primaveras”, e para o voto nas eleições burguesas? Mantêm-se os mecanismos burgueses de poder, o Congresso, os governos executivos, o Judiciário? Esses poderes continuarão como são? A mudança será só de ocupantes? Ou será reformados? Ou serão criados novos mecanismos de poder? Quais? O melhor disso, conforme disse, é colocar em pauta a discussão de uma revolução popular democrática.  

Música do dia (2): Serra da Boa Esperança, com Evandro do Bandolim e seu regional

Interpretação sublime da música magistral do Lamartine Babo, em versão instrumental. O diálogo entre o bandolim e a flauta é uma delícia de se ouvir. A letra também é linda, mas precisa de letra? É o que me pergunto enquanto escuto. O choro é a música brasileira superior.

Por que subir escadas faz bem ao cérebro

Música do dia: Ingênuo, com Márcia Mah

Dica do Guimba, "a música preferida do Pixinguinha". Parceria com Benedito Lacerda, letra do Paulo César Pinheiro.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Lula, uma apologia

Morais faz questão de dizer – e é mesmo imprescindível esclarecer isso – que Lula não leu o livro antes de ser impresso. Não se trata de uma biografia encomendada. Todavia, é livro escrito por um amigo, um admirador, um companheiro, condição que fica evidente o tempo todo. Certamente Morais escreveu coisas que Lula preferiria não ver publicadas, mas não escreveu nada que comprometesse o ex-presidente. Ao contrário, escreveu um libelo em defesa da inocência e da honradez do ex-presidente, contra o ex-juiz Moro e os procuradores da chamada “operação lava jato”.

Me parece que o livro foi escrito para recuperar a imagem do Lula, mas isso era totalmente desnecessário. Talvez não seja um defeito de origem, já que a ideia inicial do livro era outra, que não vingou, como esclarece o autor. Até a ideia que vingou era diferente, pois, enquanto Morais entrevistava e acompanhava Lula para executar seu projeto literário, o juiz e os procuradores de Curitiba deram a partida no que seria o golpe de 2016, atingindo frontalmente o biografado, o que parece ter sido sempre objetivo da pseudo-operação anticorrupção.

Lula não precisa que sua imagem seja recuperada e não sei se o livro terá papel relevante nisso. A importância histórica de Lula ficará estabelecida com o passar do tempo. Já hoje, e antes da perseguição que sofreu, não pode haver dúvida do tamanho do primeiro brasileiro vindo do povo, um trabalhador, um dirigente sindical, um retirante nordestino que se tornou presidente da República, eleito e reeleito, eleitor duas vezes da sua sucessora – tirada do poder por um golpe – e que só não foi eleito para um novo mandato porque o ex-juiz e seus procuradores forjaram processos contra ele, o condenaram e o prenderam.

A figura histórica do Lula já estava estabelecida ao final do seu segundo mandato. O que veio depois – larva jato, golpe, prisão, impedimento político, soltura, anulação dos processos, recuperação dos direitos políticos – e o que ainda virá – prováveis candidatura e eleição mais vez, este ano – são adendos a uma trajetória que já fazia parte da história. Adendos merecedores de outra história, outro livro talvez.

Morais até faz isso, de certa forma, ao transformar o que seria um volume em dois. No entanto, minha humilde opinião é que ele não compreendeu bem a tarefa que tinha nas mãos, como biógrafo de uma personagem cuja trajetória ainda estava e está em curso. Sem querer ser pretensioso, afirmo que o autor de Chatô, o rei do Brasil não deu conta da empreitada, talvez por não ter distanciamento suficiente para compreender sua missão.

Associar as duas prisões de Lula, a do sindicalista, pela ditadura, em 1980, e a do dirigente político, pelo golpe da larva jato, em 2018, é o que de melhor o livro nos dá. Ele nos mostra a dimensão do homem que estava sendo preso pela segunda vez. Graças à proximidade entre autor e biografado, Morais reconstitui com detalhes a segunda prisão de Lula e alinhava os fatos dos últimos quatro anos, fatos que já conhecíamos da leitura dos jornais e revistas.

Morais gasta páginas e mais páginas para contextualizar o período em que seu biografado vive, narrando fatos que conhecemos e desnecessários à narrativa, uma vez que Lula não participa diretamente deles. Em vez da história de Lula, nos conta a história do Brasil. Ao mesmo tempo, nos nega detalhes da própria atuação do líder sindical e político.

O maior mérito do livro está em nos mostrar o que Lula foi um dia, antes de começar sua carreira política, e que o torna tão especial: um brasileiro como milhões de outros, um trabalhador de vida sofrida, repleta de adversidades e sonhos singelos tão difíceis de alcançar, porém nesse Brasil tão injusto, tão desigual e tão antidemocrático.

O que interessa nessa figura tão exponencial, porém, é entender como acontece a passagem do brasileiro comum para um brasileiro excepcional, o maior de todos na nossa época, um dos maiores do mundo, “o cara”. Nisso o livro falha e decepciona. Por que Lula conquista o Brasil e o mundo?

Pode ser que o segundo volume – que tratará, segundo o autor, da caminhada do líder petista rumo à presidência e dos seus governos – nos revele, afinal, quem é Lula e por que se tornou o que se tornou. No entanto o salto entre o brasileiro comum e o líder de massas, construtor de um partido de trabalhadores, já era extraordinário. Nele – ou seja, no período reservado ao primeiro tomo – Lula já tinha feito maravilhas. E isso não foi contado.

Ao fim da leitura de “Lula Biografia Volume 1”, eu continuo com as mesmas dúvidas que sempre tive: por que entre tantos “novos sindicalistas” dos anos 70 e 80 e tantos construtores do PT só um se tornou Lula? Por que e como Lula submeteu todos os outros líderes e trabalhadores daquele período sindical e social vigoroso, a ponto de o Partido dos Trabalhadores se transformar aos poucos no “partido do Lula”?

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Música do dia: Bahia com h. João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil

Me incomoda vídeos no YT não incluírem crédito das músicas. Bahhia com h é uma canção exaltação de Denis Brean, pseudônimo do paulista Augusto Duarte Ribeiro (1917/1969), segundo a Wikipédia.

Nildo Ouriques analisa a política brasileira

Não o conhecia. Boa análise, com visão histórica ampla. Me fez pensar no óbvio: que todas as nações que se desenvolveram começaram com uma revolução. O Brasil ainda não fez a sua. Quer dizer, fez, em 1930, mas o povo não assumiu o controle e frações da burguesia terceirizaram o poder para os militares durante 21 anos e depois para a "esquerda" , que capitulou diante do neoliberalismo. O Brasil não tem mais um projeto nacional.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025