Acima da lei e dos partidos:
"Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos)."
Tudo que nós precisamos saber sobre a operação da PF que desbaratou a corrupção intrínseca entre mineradoras e autoridades que destroem Minas Gerais impunemente. Basta querer e funcionar, que o Estado tem instituições para, senão impedir, pelo menos intimidar o crime e punir os criminosos. Essa operação, assim como aquela há algumas semanas atingiu o coração do capital financeiro em SP, mostra como o crime organizado tomou conta do próprio Estado. Como isso aconteceu? Que candidato e partido se dispõem a enfrentar a podridão da democracia que abre as portas para a autocracia?
Por Daniel Carmgos / Capivara de Paletó
Minas de corrupção
Deflagrada pela Polícia Federal na última quarta-feira (17/9/25), a Operação Rejeito revelou um esquema bilionário de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais. A investigação aponta a existência de uma organização criminosa que fraudava processos de licenciamento ambiental e minerário, cooptando servidores públicos, pagando propina e abrindo empresas de fachada para lavar dinheiro.
Foram 22 prisões preventivas e 79 mandados de busca e apreensão. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 1,5 bilhão em bens e a suspensão das atividades de mais de 40 empresas ligadas ao grupo. A PF bateu em portas poderosas: escritórios de advocacia, residências de luxo e até a Cidade Administrativa, sede do governo de Romeu Zema (Novo).
Quem era o líder?
O empresário Alan Cavalcante do Nascimento é apontado pela PF como o chefe de uma rede de mais de 40 empresas usada para movimentar dinheiro e ocultar patrimônio. Documentos judiciais mostram que, depois de se tornar réu na Operação Poeira Vermelha, em 2020, Alan acelerou a criação de sociedades em nome de laranjas para frustrar investigações e manter o esquema ativo.
Alan chegou a comprar imóveis vizinhos a juízas que conduziam ações contra ele: um apartamento no mesmo prédio de uma juíza federal e uma casa em frente à residência de uma juíza estadual. Contei essa história em matéria publicada na Repórter Brasil, onde destaco também que ele arrematou um blazer, um colar e um relógio Rolex por R$ 1,2 milhão durante um leilão beneficente promovido por Neymar.
Alan foi perfilado pela revista piauí, em outubro de 2023, que descreveu festas em sua mansão de três andares em Maceió (AL), equipada com piscina, heliponto e lago artificial com carpas.
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Até um chefão da PF foi preso
O trem foi tão grande que peixes graúdos foram parar na cadeia. Entre eles, o delegado federal Rodrigo Teixeira, que já foi superintendente da PF em Minas Gerais. Na época, comandou as investigações do atentado a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora e do desastre da Vale em Brumadinho.
Teixeira chegou a ser diretor de Polícia Administrativa da PF em Brasília, número 2 da corporação, até o fim de 2024, no governo Lula (PT). Antes, havia ocupado cargos de confiança em Minas, como secretário adjunto na Prefeitura de Belo Horizonte, na gestão de Alexandre Kalil (PDT), e até a presidência da Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente) no governo Fernando Pimentel (PT).
Segundo a investigação, Teixeira era o administrador de fato de empresas de fachada ligadas ao esquema, participando de decisões estratégicas, convocando reuniões e controlando negócios que lhe renderiam ganhos milionários sem precisar tirar um centavo do bolso.
Interceptações telefônicas mostraram que, ao assumir a diretoria em Brasília, Teixeira estaria “mandando e desmandando na PF”, como disseram em diálogo dois lobistas. Nessas conversas, discutiram inclusive a indicação de nomes para a Superintendência da PF em Minas, de forma a “não complicar a vida da mineração”.
Dobradinha com Pacheco
Outro preso foi o ex-deputado estadual e advogado João Alberto Paixão Lages (MDB), apresentado pela PF como o responsável pela articulação política do esquema. Nas planilhas internas, ele aparecia como “diretor de relações interinstitucionais” da organização criminosa.
Segundo os inquéritos, Lages era o elo com autoridades e órgãos públicos. Foi ele quem abriu portas na Assembleia, em secretarias estaduais e até em conselhos ambientais, garantindo votos e decisões que favoreceram empresas do grupo. Mensagens interceptadas mostram que ele tratava diretamente com dirigentes da Feam, da ANM e até do Iphan, discutindo pagamentos e ajustando pareceres técnicos.
Em 2014, Lages fez campanha para deputado estadual em dobradinha com o senador Rodrigo Pacheco (PSD), que foi eleito deputado federal. O próprio Pacheco aparece como principal doador da candidatura de Lages em 2018, com R$ 67 mil. Contudo, não há qualquer acusação contra Pacheco na Operação Rejeito.
Nas conversas captadas pela PF, Lages era tratado como “chefe” por servidores e até por diretores da ANM, além de ser o responsável por repassar a Alan Cavalcante informações vazadas de operações policiais.
O homem de Silveira na ANM
Também foi preso o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Trivellato Seabra Filho, apontado pela PF como parte do núcleo institucional do esquema. Segundo a Folha de S.Paulo, ele é visto como homem de confiança do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), na agência.
De acordo com as investigações, Trivellato mantinha contato frequente com o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, um dos líderes da organização, a quem se referia como “chefe”.
Há registros de reuniões presenciais e de sua participação em votações que favoreceram uma mineradora, em desacordo com pareceres técnicos da própria ANM. A PF também atribui a ele a prática de retardar processos estratégicos, por meio de pedidos de vista, para alinhar decisões ao interesse da organização criminosa.
O Estadão acrescenta que Silveira indicou não só Trivellato para a ANM, mas também o delegado Rodrigo Teixeira para a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e para um comitê da Petrobras. Além disso, Silveira recebeu R$ 100 mil de doação eleitoral em 2022 de Lages. Não há menção, porém, de que tais doações ou nomeações estejam relacionadas diretamente aos fatos investigados na Operação Rejeito.
“Não vou cair sozinho”
Também caiu na rede o ex-presidente da Feam Rodrigo Gonçalves Franco. Ele tinha sido exonerado por Zema quatro dias antes da operação. O secretário de Comunicação do governo mineiro, Bernardo Santos (engenheiro de formação), disse que a saída de Franco foi para evitar riscos em meio a “burburinhos, vamos dizer, fofoca”.
Dias depois, a PF bateu à porta.
Interceptações indicam que Franco recebia propinas regulares e interferia pessoalmente em processos de licenciamento. O colunista Orion Teixeira, do Estado de Minas, revelou que, às vésperas da operação, Franco desabafava dizendo que não queria “cair sozinho”, que apenas “cumpria ordens” e que as decisões vinham “de cima”.
O candidato de Nikolas, Bolsonaro e Cleitinho
Outro preso foi Gilberto Henrique Horta de Carvalho. A PF o aponta como articulador do esquema, Horta ganhou projeção em 2023 ao disputar a presidência do Crea-MG com apoio de Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Cleitinho Azevedo e outros nomes da extrema-direita, que gravaram vídeos pedindo votos.
Ele perdeu a eleição, mas consolidou espaço nesse campo político. Relatei essa história em detalhes em reportagem publicada na Repórter Brasil.
O que dizem as defesas
As defesas dos principais presos tentam reverter as decisões judiciais decorrentes da Operação Rejeito. O ex-superintendente da PF Rodrigo Teixeira alega que as provas são “etéreas”. O ex-deputado João Alberto Lages pede prisão domiciliar por apresentar problemas de saúde. Já o diretor da ANM Caio Trivellato diz que agiu em decisão colegiada e defende que apenas o afastamento do cargo é suficiente. Os detalhes estão nos pedidos de habeas corpus publicados por O Fator.
Evitar a demonização
A Fiemg declarou apoio às prisões, mas emendou críticas ao que chamou de “demonização do setor mineral”. O Ibram, entidade que representa as grandes mineradoras, divulgou nota de “preocupação e repúdio” às práticas de corrupção reveladas pela PF.
Já o governador Romeu Zema só se manifestou mais de 24 horas depois. Em São Paulo, durante um leilão de rodovias, afirmou esperar “punição exemplar” dos envolvidos e disse que a Controladoria do Estado já acompanhava suspeitas sobre o caso. O vice-governador Mateus Simões, sempre eloquente e tido como o homem forte governo, só se manifestou depois do chefe.
Decreto sob medida
Um decreto de Zema publicado em 1º de novembro de 2024, mudou as regras de licenciamento ambiental em Minas. Até então, empresas multadas só conseguiam licença depois de quitar as sanções, detalha a repórter Alessandra Mello no jornal Estado de Minas. Com a alteração, passou a bastar apresentar uma justificativa dizendo não ser responsável pela infração. Segundo as investigações da Rejeito, a manobra foi articulada pelo então presidente da Feam, Rodrigo Franco, e pelo ex-deputado João Alberto Lages.
Mineração sem partido
A Operação Rejeito mostrou que, quando o assunto é mineração em Minas Gerais, a pilhagem não tem cor partidária. Os nomes citados nas decisões e inquéritos se conectam, de uma forma ou de outra, a quase todo o espectro político mineiro, incluindo os cotados a disputar o governo: de Rodrigo Pacheco (PSD), Alexandre Kalil (PDT) e Mateus Simões (Novo), passando por Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos).
As ramificações também chegam ao governo petista em Brasília, tiveram apoio de Bolsonaro e muitos foram nomeados pela dupla Zema-Simões. A lama, no caso da mineração, não encontra barragens ideológicas e ajuda a entender por que o setor sempre escapou de controles mais rígidos.
Aliás, uma das matérias de que mais gostei de escrever foi publicada há seis anos, logo depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, com o título: O ‘baile da lama’: as relações entre políticos e mineradoras em uma festa de casamento – e fora dela
Faria Limer
Quem procurar Zema em Minas corre o risco de perder a viagem. Desde que lançou a pré-candidatura à Presidência, ele tem passado mais tempo em São Paulo, circulando pelos arredores da Faria Lima. Foi de lá, inclusive, que se manifestou sobre a Operação Rejeito. Escrevi sobre isso na minha coluna desta semana na CartaCapital, em que mostro como o governador quer privatizar a água dos mineiros.
Timing perfeito
Enquanto Minas encara o maior escândalo de corrupção da mineração em décadas, a Rádio Itatiaia lançou o Eloos, projeto vendido como “espaço de conexão e protagonismo”, mas que funciona como vitrine para bajular mineradoras. O primeiro evento será nesta segunda (22), com Zema e o ministro Alexandre Silveira como estrelas, ao lado da secretária de Meio Ambiente, Marília Melo, em meio à prisão de servidores indicados por ela na Operação Rejeito. Entre os patrocinadores estão Vale, CSN, Samarco, Gerdau, Cedro Participações e até o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)
Estado fraco, lama forte
Pelas redes da Itatiaia, o público não deixou barato. Servidores em greve lembraram os casos de corrupção na área ambiental, denunciaram o sucateamento dos órgãos de fiscalização e ironizaram a ausência de Rodrigo Franco, ex-presidente da Feam, preso na Operação Rejeito.
A paralisação atinge o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), responsável por licenciamento e fiscalização no estado, e é organizada pelo Sindsema, sindicato da categoria. Os grevistas denunciam salários congelados há mais de uma década, a redução de mil servidores desde 2016 e técnicos que chegam a receber menos de um terço do que ganham colegas contratados por mineradoras.
“É um projeto de desmonte para abrir caminho ao lucro de empresas que devastam o território”, resumiu Wallace Oliveira, presidente do Sindsema, em entrevista ao Brasil de Fato.
Cadê o MPMG?
Se teve algo que chamou atenção na Rejeito foi a ausência do Ministério Público estadual. Quem puxou a fila foram os órgãos federais (PF, MPF, CGU e Receita), mesmo com boa parte das denúncias passando por órgãos estaduais. Em grande parte do período investigado quem estava no comando do MPMG era o então procurador-geral de Justiça Jarbas Soares Júnior.
Jarbas pegou duas caronas em jatos do empresário da mineração Lucas Kallas, como revelou a piauí. Em julho de 2022, voltou de Miami; em abril de 2023, voou para o Caribe. Jarbas disse para a revista que eram “caronas entre amigos”.
Kallas aparece também nos documentos da Operação Rejeito. Ele tentou negociar US$ 70 milhões em direitos minerários com um braço da organização criminosa, mas o negócio naufragou em briga interna dos próprios investigados.
E tem ainda o registro de uma reunião de Kallas com o delegado Rodrigo Teixeira, que contou também com a presença de Alexandre Kalil e do advogado Gabriel Guimarães, ex-deputado federal pelo PT e filho de Virgílio Guimarães.
Para os investigadores, o encontro tratava de negócios ligados a uma mineradora. Já Teixeira disse que foi apenas uma “conversa informal sobre política”, em meio à pré-candidatura de Kalil ao governo de Minas.
Importante registrar: Lucas Kallas não é alvo da Operação Rejeito. Seu nome aparece nos autos apenas de forma incidental, em razão dessas negociações frustradas e encontros citados pela PF.
CPI na área
Segundo a oposição na Assembleia Legislativa, não faltaram alertas ao governo Zema sobre as irregularidades que culminaram na Operação Rejeito. Foram ações civis, audiências públicas, termos de ajustamento e denúncias formais que acabaram arquivadas ou ignoradas. Os deputados estaduais do bloco Democracia e Luta agora recolhem assinaturas para instalar uma CPI do Meio Ambiente.
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