sexta-feira, 19 de setembro de 2025
Esquerda no século XXI
Num dos momentos dessa conversa do vídeo abaixo, Vladimir Safatle observa que os governos do PT levaram os movimentos sociais para dentro do governo, para ajudar a gerenciar o Estado, e não é função dos movimentos sociais gerenciar o Estado capitalista, eles devem estar de fora, pressionando o governo a fazer o que ele não quer fazer. Dessa forma a esquerda brasileira -- melhor dizendo, o PT e partidos satélites, dizendo melhor ainda, Lula e os lulistas -- tornou-se gerente das crises do capitalismo, como ainda hoje, enquanto a extrema direita assumiu a posição de revolucionária ou reformista do Estado. A observação do Safatle, o melhor pensador brasileiro da atualidade, na minha opinião, me fez lembrar da minha posição, no final dos anos 70, quando a ditadura militar, nos seus estertores, extinguiu o bipartidarismo, com o objetivo claro de fracionar o MDB, que crescia como partido da oposição, e impedi-lo de tomar o poder mesmo dentro das regras do regime autoritário. E funcionou, novos partidos foram fundados. Foi quando a esquerda passou a discutir a organização de um partido com ideologia socialista e revolucionária, sustentado pelos movimentos sociais cuja força crescia então na oposição à ditadura militar, cujo resultado acabou sendo o PT. Muitas coisas nesse processo podem ser discutidas e me parecem óbvias quase cinquenta anos depois, mas o que eu quero dizer é que minha posição era contrária à criação de um partido de esquerda. Eu achava que os movimentos sociais deviam ser preservados à parte dos partidos. Achava que a esquerda devia incentivar a formação e crescimento dos movimentos sociais, disputar sua liderança e mantê-los independentes dos Estado burguês, inclusive dos partidos. Eu achava que os movimentos sociais eram a fonte do poder popular e se contrapunham ao poder burguês, que, quando se tornassem suficientemente fortes e representativos dos trabalhadores, se tornariam eles próprios o poder, um poder popular, base de outra sociedade, uma sociedade socialista, igualitária e democrática. Não é mais ou menos isso que Safatle está dizendo, quando afirma que os movimentos sociais têm que conservar sua independência em relação ao governo lulista? Seu argumento me parece óbvio, como aquela ideia que eu defendia há quase meio século: os movimentos sociais precisam ser independentes para serem fortes, e precisam ser fortes para empurrar o governo, qualquer governo, acrescento eu, agora como naquela época, para a esquerda, para exigir que ele atenda suas reivindicações. Os movimentos sociais de meio século atrás canalizaram suas forças para o PT, o PT virou o partido do Lula, Lula se tornou presidente, os movimentos sociais foram com ele para o governo, mas não transformaram radicalmente o Estado num Estado socialista, passaram a gerenciar o Estado burguês, se desarticularam e perderam sua força como movimentos sociais. É o que temos hoje: um governo dito de esquerda, empurrado cada vez mais para a direita, defendendo desesperadamente a ordem burguesa da destruição que lhe impõe a extrema direita fascista neoliberal, com apoio... popular! O que mais me impressiona é que a jovem que dialoga com o Safatle, que não conheço, mas parece ser uma liderança do PSOL, não tem a menor consciência de classe, como declara lá pelos 30 minutos e mais um pouco. Como foi que isso aconteceu? O PSOL está à esquerda do PT, é um racha à esquerda do PT, mas ela não tem a menor noção, consciente pelo menos, do que é consciência de classe. Ela tem consciência de que é mulher negra, mas não de que é trabalhadora e que os trabalhadores não se conciliam com o capital.
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