segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Certeza de boa leitura

 

Uma das das reportagens mais interessantes que eu fiz no período em que trabalhei no Jornal do Brasil foi sobre cassinos clandestinos. Não me lembro a data exata, provavelmente em 1988. Foi uma pauta encomendada, isto é, veio diretamente da sede, no Rio, e eu fui escalado, provavelmente porque andava cobrindo o jogo do bicho, que, apesar de ilegal, agia escancaradamente em BH. Eu e o repórter fotográfico Mazico viajamos para o Sul de Minas e passamos quase uma semana à procura de cassinos clandestinos. Tínhamos boas indicações de fontes e cidades, principalmente estâncias hidrominerais, mas não foi fácil encontrar um. Obviamente, sendo clandestinos, não estavam à mostra, mas existiam, todo mundo sabia, e conseguimos boas entrevistas, uma delas, me lembro bem, com um "ex-bicheiro" carioca que estava vivendo em Minas. Outra entrevista curiosa foi com um crupiê veterano, dos tempos em que cassinos funcionavam livremente, inclusive em BH, onde hoje está instalado o Museu de Arte da Pampulha, antes que o então presidente Dutra decretasse sua ilegalidade, em 1946. Essas e outras fontes defenderam a legalização dos cassinos como atividade turística importante, mas negaram a existência de cassinos clandestinos na região. O velho crupiê, homem elegante e de boa conversa, falou com nostalgia daqueles tempos glamourosos e lamentou que tivessem passado. Na noite do mesmo dia em que o entrevistamos conseguimos chegar a um cassino clandestino: precisamos sair de Minas, entrar em São Paulo e voltar para território mineiro por outra estrada; o cassino ficava na zona rural, mas o acesso era bom. Funcionava num galpão, que, externamente, parecia um celeiro, a não ser pela iluminação e pelos carros luxuosos estacionados no seu entorno. Do lado de dentro, porém era um salão suntuoso, repleto de gente bem vestida, em volta de mesas de jogos, servida por garçons alinhados. Cena de cinema. Quando entramos, Mazico e eu, demos de cara com o velho crupiê, trabalhando na primeira roleta... Com essa pérola, voltamos para BH no dia seguinte, eu redigi a extensa reportagem, enviada pelo telex ponta a ponta, e Mazico despachou as fotos, não me lembro se pelo malote ou transmitidas pela telefoto. Ficamos muito satisfeitos com o trabalho, que foi elogiado, e aguardamos ansiosos a edição de domingo, na qual a reportagem deveria sair, revelando aos leitores do JB que, embora proibidos há mais de quarenta anos, os cassinos continuavam funcionando no Brasil, pelo menos em Minas Gerais, provavelmente operados por bicheiros do Rio. A reportagem não saiu naquele domingo, nem na segunda-feira, quando às vezes saíam dominicais que tinham sobrado por falta de espaço, nem no domingo seguinte nem dia nenhum. 

Lembrei dessa história lendo Sucursal das Incertezas (foto acima), livro do José de Souza Castro, um dos melhores jornalistas com quem convivi, um dos grandes de todos os tempos no jornalismo mineiro. José de Souza Castro, o Zé de Castro, como o chamam os colegas, ou JC, como ele rubricava suas pautas, foi o editor regional do JB que me enviou para o Sul de Minas e copidescou minha reportagem. Nas últimas páginas do seu livro, ele narra reportagem semelhante que escreveu para O Globo, no começo da década de 1990. Sua matéria, provavelmente melhor, também não foi publicada, embora tivesse até chamada na TV Globo no sábado à noite, naquele tradicional "Leia amanhã em O Globo", e, por descuido, chamada na primeira página do jornal de domingo. No lugar, entrou um calhau, um anúncio de página inteira, por ordem, presume-se, do mais alto escalão do jornal. Por que será? 

Sucursal das Incertezas é um livro primoroso. Nele, JC narra inúmeras reportagens relevantes das décadas de 1970, 1980 e 1990. Embora possa ser lido como memórias pessoais, o trabalho incluiu pesquisas e se tornou um compêndio do jornalismo "nos tempos do telex ponta a ponta". Nele, estão citados inúmeros jornalistas que trabalharam nos veículos mineiros e brasileiros no período e as reportagens que escreveram, devidamente circunstanciadas. Além disso, o autor situa as histórias no contexto nacional e faz observações sagazes sobre o jornalismo, a política e a sociedade da nossa época. Tudo isso num texto ágil, limpo e atraente, que prende do começo ao final. É, enfim, um livro surpreendente, mesmo para aqueles que conviveram com o jornalista e conhecem bem sua competência profissional. 

Escrito em 2007 e, inicialmente, disponibilizado pela internet, Sucursal das Incertezas, a história vista por um jornalista dos tempos do telex ponta a ponta está agora publicado em papel, felizmente, e merece ser lido por todos os jornalistas, mas não só. Tem 316 páginas, incluindo um apêndice de fotografias. A nova edição foi revisada pela jornalista Cristina Moreno de Castro, filha do JC e com quem ele divide o Blg da Kika Castro, por meio do qual o livro pode ser adquirido. A apresentação é do Acílio Lara Resende, diretor da sucursal do JB em Belo Horizonte durante mais de duas décadas. 

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