sábado, 6 de março de 2010

O artigo do Serapião, na Folha

Estou longe de ter o conhecimento técnico que o arquiteto demonstra neste artigo, mas desconfio das soluções mágicas brindadas pela unanimidade da mídia e que implicam em gastos fabulosos dos governos e beneficiam empreiteiras. Neste caso, a crítica da Folha não tem o dedo do Serra, pode-se dizer até que é contra o dedo do governador tucano. Se há o que criticar nesta crítica é só ser publicada agora, quando o mal já está feito. A Cidade Administrativa, por ser obra do Aécio, a quem muitos querem como o político capaz de unir qualidades dos dois lados da política brasileira, é um exemplo didático das diferenças entre petistas e tucanos. Enquanto Lula (e antes dele, em Belo Horizonte, Patrus e seus sucessores) faz obras cujo valor só aparece na popularidade do presidente, uma vez que atendem às massas pobres, que não têm voz, os tucanos continuam realizando obras festejadas pela mídia, que enriquecem os empresários e deixam uma herança de velhos problemas para a sociedade. 

Ao mirar o futuro, Aécio acertou o passado
Fernando Serapião, especial para a Folha

Na gravura "O quarto do arquiteto", de Lina Bo Bardi, a arquiteta do Masp criou uma cena com armário entreaberto, mesa com cadeira e uma prateleira. Os personagens são maquetes de edifícios em diferentes estilos. Uma possível interpretação irônica da obra é que os arquitetos possuem soluções guardadas nas gavetas e as utilizam conforme a necessidade. Lembro-me disso diante da nova obra de Oscar Niemeyer.
A Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves é composta por cinco edifícios, encomendados pelo governador Aécio Neves para reunir no extremo norte de Belo Horizonte mais de 40 órgãos estaduais. São três motivos alegados: induzir o desenvolvimento da região, diminuir despesas (principalmente aluguéis) e facilitar a gestão com a convivência entre funcionários. À primeira vista, principalmente se observado por dentro, tudo é uma maravilha: os móveis são novos, os equipamentos, sofisticados, e os espaços, confortáveis -como nas melhores empresas privadas.
Contudo, do ponto de vista arquitetônico não há novidade. O prédio mais imponente abriga o gabinete do governador. É um edifício envidraçado de quatro andares que fica pendurado por estrutura externa. Com mais graça, tal solução foi utilizada por Niemeyer há 40 anos para uma editora na Itália.
Louvando o novo prédio, o arquiteto e o calculista afirmam que ele é "o maior edifício suspenso do mundo". E daí? Eles se vangloriam como se o ineditismo técnico fosse de suma importância para o futuro da humanidade. Gastando energia em retórica desgastada, Niemeyer deixa de lado questões atuais como a eficiência energética - o complexo tem a maior área de vidros da América Latina. Fachadas envidraçadas voltadas para as faces ensolaradas, por exemplo, é um erro primário que exigirá mais energia do ar-condicionado. 

Os dois edifícios maiores são destinados às secretarias. Gêmeos, eles são gigantescos e curvos - e também foram retirados das "gavetas" do arquiteto. Eles têm proporção semelhante de um hotel em Petrópolis, desenhado em 1950. Por fim, além de um auditório pouco gracioso, o conjunto é completo por um centro de convivência, com restaurantes e lojas, que pretende substituir a rua - o espaço primordial de convivência urbana.
E é justamente aí que está o maior problema. Se a arquitetura é requintada, a ideia de pensar em centro administrativo longínquo é tão nova quanto o bonde. Urbanisticamente, é um desastre. O governo deveria permanecer na região central, renovando edifícios subutilizados e incrementando a vida urbana. 

Ao deixar os edifícios da praça da Liberdade para atividades culturais, serão empobrecidos o uso e a diversidade local. Se na era da revolução das telecomunicações é estranho falar da necessidade do contato físico, para ajudar a desenvolver a periferia seria mais útil financiar transporte coletivo de massa. Claro, daria mais trabalho e menor visibilidade.
Infelizmente, há 50 anos os políticos acreditam na mística de perpetuar-se com um postal de Niemeyer a fim de repetir a trajetória daquele que encomendou Pampulha e Brasília (raríssimos são os que apostam na capacidade arquitetônica de sua própria geração). Aécio Neves cometeu o mesmo erro: mirando o futuro, ele acertou o passado.
 

Fernando Serapião é arquiteto e editor executivo da revista Projeto Design.