sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

A retrospectiva 2019 da excelente agência Pública

Desmatamento e violações aos direitos humanos atingiram o recorde no governo Bolsonaro; a democracia, desprezada em discursos das autoridades, sofreu com o desmantelamento das instituições e a perseguição à imprensa.

O ano que pôs o jornalismo à prova

A violência de discurso contra mulheres, gays, indígenas, quilombolas, nordestinos – e contra a própria imprensa – fez soar o alarme ainda na campanha eleitoral. Se o presidente Jair Bolsonaro ganhasse, teríamos um governo de extrema direita e radicalmente misógino, como notou o intelectual português Manuel Loff . Na redação, nos preparamos para uma cobertura ampla do governo de um candidato eleito sob o símbolo das armas, com a marca do autoritarismo, e que, como estratégia de comunicação com a sociedade, promovia a perseguição aos jornalistas – e aos fatos – e elegia como missão o ataque à cultura, aos movimentos e às organizações sociais.

Uma de nossas primeiras reportagens do ano mostrou o desvirtuamento do Ministério de Direitos Humanos, que passou a se chamar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ao ser liderado por uma pastora que defende a imagem bíblica da “mulher virtuosa”, submissa ao homem e desinteressada de seus direitos. Seus secretários foram escolhidos entre evangélicos e católicos militantes, contrários aos direitos LGBT e ao aborto. Um general, que se posicionou contra a Comissão da Verdade, passou a presidir a Comissão da Anistia.

Prenúncios do que viria. Em abril, o ministério foi acusado de impedir inspeções a presídios no Ceará pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção ao Combate à Tortura, demitidos em massa por Bolsonaro dois meses depois. Os conselhos que contavam com a participação da sociedade civil, entre eles o do trabalho escravo, foram extintos. A promessa de combater a violência contra a mulher traduziu-se na prática em desmonte dessas políticas, abandono da rede de proteção e criminalização das vítimas. Um exemplo contundente: confrontada com o holocausto das meninas estupradas na Ilha de Marajó, Damares atribuiu o problema ao fato de as meninas “não usarem calcinha”. A reportagem da Pública visitou a região e mostrou problema bem diverso e complexo, que a ministra deveria conhecer.

“Terrivelmente evangélica”, Damares ampliou sua cruzada para além das atribuições do ministério. Atuou nos bastidores da eleição do Conselho de Psicologia por uma chapa pró-cura gay, que acabou perdendo. Entregou a tarefa de fazer o texto-base do 4o Plano dos Direitos Humanos à Anajure – Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Damares foi uma das fundadoras da associação, que reúne cerca de 700 juristas e faz lobby no Congresso e nas audiências do STF em prol das bandeiras das igrejas evangélicas. Sua próxima façanha pode ser a nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, como prometeu o presidente Bolsonaro. O plano de poder dos evangélicos, como vem mostrando o projeto Transnacionais da Fé, uma colaboração entre jornalistas de 16 países sob a liderança da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, é continental. E é impulsionado pelos Estados Unidos de Trump.

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