segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A riqueza do Catar da Copa

Eu acho graça quando leio sobre a riqueza das nações. É tudo ideologia e as pessoas parecem não perceber, nem quem lê, nem quem – o que é pior – escreve. 

The World's Richest Countries

Por que a violência do regime saudita não abala seu prestígio

Petróleo é riqueza de uma nação? Dá vontade de rir. Um povo ficou rico porque está assentado num deserto que tem poços de petróleo embaixo…

Petróleoo não é sequer produto de trabalho, é um produto da natureza que a espécie humana retira do subsolo, depois de furar um buraco. Muito menos do que disse FHC sobre minério de ferro, para justificar a venda ideológica da Vale. Que direito tem um monte de humanos sobre a terra, sobre o que está sobre ou sob ela, o que a natureza criou, não para nós? Nem minério nem petróleo, tampouco vegetação, águas ou ar é riqueza dos homens, muito menos de uma nação, essa abstração.

O que é uma nação? Um cercadinho que alguns humanos fazem em torno de um pedaço de terra e colocam nome para distingui-lo de outros. Se nações existissem de fato, não teríamos tantas, grande parte delas recente, que mudou de nome, espaço e donos ao longo de séculos. O que é o “Brasil”? O que nos distingue? Somos humanos sapiens como quaisquer outros. Apenas nascemos aqui, da mistura que uma história de violências fez. O que existe é história, não é nação nem povo.

As pessoas delimitam um espaço e se põem um nome para se dizerem donos e diferentes. Somos os mesmos, porém, em qualquer parte do mundo, com qualquer cor de pele, qualquer língua ou religião. As pessoas inventam línguas, roupas, classes sociais, religiões, leis, costumes, trabalhos, e acreditam neles. Ideologia.

Ideologia que justifica o branco escravizar o preto, o rico explorar o pobre, o homem dominar a mulher, a autoridade subjugar o comum, o religioso se fazer obedecer pelo humilde, o armado matar o desarmado, o humano exterminar as onças, domesticar as vacas e galinhas, envenenar a Terra.

Que direito tem uma espécie de exterminar as outras? Somos os donos da Terra? Ideologia. Somos só uma espécie, dentre milhões, e dependemos de muitas, de todas ou quase todas. Inventamos o criador e acreditamos que somos filhos dele, que por isso temos direito de consumir até o fim a riqueza que ele “nos deu”. Deus é uma boa desculpa para a devastação que causamos.

Em nome do dinheiro, do capital, do lucro, do “progresso”, toda ideologia é ignorada, toda violência é tolerada. Porque os donos do mundo ganham dinheiro – sempre corrupto, dos jogadores aos vendedores de bandeiras, dos donos da Fifa ao emir, das emissoras de televisão aos hoteis, dos fabricantes de bebidas aos jornalistas, dos comerciantes às companhias aéreas, das redes sociais aos empreiteiros, a diferença é de escala – e porque os ocupantes humanos do mundo, nós, os 99,99999% nos divertimos e nos distraímos do sofrimento diário, todas os crimes dos sapiens são relevados e ficam impunes. 

Protestos entram em campo no Catar

Copa de contradições. Mais uma

Não se pode criticar a Copa do Mundo pelo que ela nos mostra. O "evento", que é como agora a imprensa chama a Copa, proporciona um festival de crimes, os quais por sua vez são denunciados e ganham destaque que outros não ganham, e as denúncias geram, em sua defesa, novas denúncias contra indignações seletivas do sistema. Hipócritas se acusando mutuamente, enquanto bem intencionados tentam tirar proveito para minimizar problemas graves. 

Enfim, é uma aula pública de ideologia via comunicação de massa nos meios mais modernos para o mundo inteiro ver. "O Negócio da Copa", digamos assim (para fazer referência ao best-seller recente "O Negócio do Jair", livro importante como registro, mas que decepciona quem espera saber alguma coisa que ainda não sabe; tipo o primeiro volume de "Lula", do Fernando Morais -- ambos caríssimos, bons negócios também, portanto).

E não é de hoje; foi assim em 2010, em 2014, em 2018 e este ano no Catar, a começar pela data. Só não entende quem não quer. 

E muita gente não quer, a maioria, a grande maioria, porque também é presa da ideologia, e seleciona o que quer ver e o que não quer. Sofrimento tem limite, a gente sofre quanto dá conta, e quando não dá precisa fazer luto, que é a dor mais profunda dos animais (não só humanos, está demonstrado pela ciência), e o mundo contemporâneo tem sofrimento demais e todo ele está à vista de todos, graças às maravilhas da tecnologia da comunicação. 

Então é isso: a Copa do Mundo que diverte o mundo inteiro desde ontem, a maior distração de massas do planeta, de quatro em quatro anos (e tanto é verdade que pretendem diminuir esse intervalo), é um negócio corrupto, que enriquece poderosos e bilionários, em meio a outros crimes -- trabalhistas, ambientais, sociais e de violência física mesmo. Não tem exclusividade nesse assunto, mas tem muita "visibilidade", daí o que passa despercebido e é rotina em outros lugares chama atenção. 

Por que a imprensa não aproveita a Copa para ensinar história, política, economia e tudo mais para a humanidade ao redor do planeta? É uma excelente oportunidade para fazer, digamos, upgrade nas consciências e quem sabe ajudar a melhorar essa espécie que cava seu próprio abismo. Acontece que a imprensa também é ideológica... (Parte dela, aliás, não sabe grafar Catar nem catariano em português, usa Qatar e qatari, palavras estrangeiras, o que também é prova de ideologia.) 

A seguir links para algumas matérias que deveriam prevalecer no noticiário.

O presidente da Fifa Gianni Infantino

Do Nexo: 

Presidente da Fifa relativiza violações a direitos no Qatar
Gianni Infantino chama europeus de hipócritas por denunciar exploração de trabalhadores e compara criminalização da comunidade LGBTI+ no país-sede da Copa a bullying que sofreu na infância por ser ruivo 

Catar expulsou dezenas de trabalhadores estrangeiros após manifestação, diz ONG 

Fala do presidente da Fifa sobre gays e deficientes causam revolta 

As suspeitas de abusos que rondam a Copa do Mundo do Qatar  

Fifa ameaça dar cartão amarelo e seleções desistem de braçadeira contra homofobia

Quantas pessoas morreram por causa do Mundial no Catar? 

Embaixador da Copa diz que homossexuais têm ‘dano mental’ 


sábado, 19 de novembro de 2022

Quem aprendeu depois de oito anos?

Passados oito anos desde que o partido e o candidato derrotados em 2014, PSDB e Aécio Neves contestaram o resultado das urnas; seis anos do golpe incentivado pela globoetc., reforma trabalhista, destruição dos sindicatos, teto de gastos; quatro anos de horror sob o bozo, quase 700 mil mortos na pandemia, destruição acelerada da Amazônia e todos os biomas, fome, miséria, desemprego, inflação, liberação da criminalidade e da corrupção, desmonte da estrutura do Estado; passado todo esse tempo, quem aprendeu com esses erros e horrores?

Quem se cansou da violência e do ódio entre os brasileiros? Quem se cansou da ignorância? Quem aprendeu a não acreditar em informações de redes sociais? 

A globoetc. aprendeu que imprensa tem que ser independente e imparcial? Que suas opiniões devem vir em editoriais, explicitamente, mas informações precisam ser equilibradas, buscar a imparcialidade, ouvir todos os lados possíveis e ter compromisso exclusivamente com o leitor, o ouvinte, o telespectador, o público? 

O PT aprendeu que a renovação de lideranças e a alternância no poder são fundamentais para a democracia? 

A direita e o centro democráticos aprenderam que impeachment não é instrumento de derrubar governo eleito? 

Alguns comportamentos indicam que sim, outros que não. 

Alguns defeitos já voltam a aparecer nos políticos (inclusive os do Judiciário, porque nossos juízes, desembargadores e ministros atuam como políticos) e na imprensa, sem a exacerbação de tempos atrás, a não ser por parte da extrema direita. 

A estúpida discussão ideológica sobre o teto de gastos é um péssimo exemplo de que muitos continuam com a mesma cabeça velha que levou ao golpe de 2016.  

Felizmente, no meio da disputa polarizada e acirrada que mais parece futebol do que política, também surgem e se fortalecem vozes sensatas, razoáveis e equilibradas. Que estas prevaleçam! 

O que precisa vencer no Brasil não é um partido ou outro, não é uma ideologia ou outra, é a democracia, os interesses da maioria e as perspectivas de futuro para as novas gerações. 


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Proposta de Regime Fiscal Sustentável

Uma proposta razoável, óbvia e principalmente urgente para o governo que vai começar. 

Ele vai fazer diferente ou a campanha eleitoral foi só conversa fiada?

terça-feira, 15 de novembro de 2022

A democracia é a única bandeira e a única arma da esquerda

Mobilizar massas e derrubar a ordem burguesa eram ideias de esquerda, agora são de extrema direita. É o bozo que põe massas nas ruas, é ele quem questiona o sistema de dominação, é ele quem quer substituir as autoridades. Ele armou seus seguidores e eles estão infiltrados nas forças armadas e nas polícias. Se ele der uma ordem, as massas marcham para fazer a revolução, as forças armadas e as polícias se dividem, e a vitória ou derrota da revolução bozoísta vai depender da reação das autoridades e do seu controle sobre as forças armadas e polícias. E a esquerda, o que fará? 

Faz parte da tradição da esquerda usar esse método de ação. Faz parte da ideologia da esquerda exaltar a revolução. Até anteontem era ela quem colocava as massas vestidas de vermelho nas ruas. Agora é o bozo, com suas massas vestidas de amarelo. Vermelho é a cor da revolução, mas a revolução agora veste amarelo. Amarelo, verde, azul, branco, as cores nacionais. Os amarelos se mobilizam aos milhares para defender a pátria e seus valores falsamente ameaçados: a família, a moral, a religião cristã, a propriedade privada. E a esquerda vestida de vermelho, defende o quê? 

A esquerda defende o presidente eleito, o sistema eleitoral, as instituições burguesas capitalistas, a lei e a ordem. 

Tudo está virado de cabeça para baixo. A extrema direita se mobiliza, é capaz de pegar em armas e, a um sinal do bozo, recorrer à violência para sustentar o governo derrotado nas urnas e implantar uma revolução reacionária. A esquerda segue a lei e se alia ao centro e à direita na defesa do sistema. 

Nós sabemos, a grande maioria sabe, todas as pessoas lúcidas sabem que a extrema direita mente, deturpa e inventa notícias para mobilizar e radicalizar seus seguidores. Copiando modelos estrangeiros, a extrema direita brasileira montou uma fábrica gigantesca de produção de textos, áudios e vídeos falsos para conquistar simpatizantes e militantes. Seu sucesso é impressionante, assustador, ameaçador. Um sucesso assentado em mentiras, falsificações, manipulação, preconceitos, ofensas, violências, crimes. 

A devastação que um governo de extrema direita faz nós a vimos nos últimos quatro anos, nos quase 700 mil mortos de covid-19, na destruição sem precedentes da Amazônia e de todos os biomas brasileiros, na matança de índios, pretos, favelados, pobres, mulheres, minorias sexuais, no desmanche do SUS, da educação pública e da estrutura estatal em geral, na corrupção desenfreada em todas as áreas, no avanço do crime organizado e na liberação do criminalidade, e, não menos importante, na incompetência para administrar, no aumento do desemprego, da inflação, da miséria, da fome.  

E a esquerda? O que ela faz? O que ela defende? Quais são seus valores? Quais são suas ideias? Quais são seus planos de governo? Qual é seu projeto para o país? 

A esquerda defende a democracia, mas parece não saber disso. Seu projeto de nação e seu plano de governo são a democratização do Estado, do poder, das instituições, da riqueza, das oportunidades, das relações humanas. No entanto, no governo e na oposição, a esquerda se coloca na defensiva, não alardeia seu projeto político, não conquista simpatizantes, não mobiliza as amplas massas às quais interessa a democracia. 

A esquerda está confusa porque a extrema direita usa seus métodos, porque mobiliza bases populares que deveriam ser suas, porque se apodera dos símbolos da nação que cabe a ela construir. 

Enquanto a extrema direita mobiliza as massas para fazer a civilização retroceder, a esquerda se une às forças da ordem para defender o sistema. 

A esquerda precisa abandonar falsos métodos e símbolos ultrapassados, que não a levam a nada, precisa compreender de uma vez por todas que a única coisa revolucionária é a democracia e defendê-la com todas as suas forças. Com a força da verdade e da fraternidade, com a força da coragem e da ciência, com a força da honestidade e da justiça, com a força da união e da igualdade. 

Só a democracia é capaz de impedir a extrema direita de empurrar a humanidade para o precipício da barbárie e da catástrofe ambiental, só a democracia pode nos dar um futuro melhor. A democracia é a única bandeira e a única arma da esquerda.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Homenagem a Gal Costa (1945-2022)


"Lembrei da noite em que a encontrei no show de Gal Costa, no Teatro Francisco Nunes; Gal cantava acompanhando-se ao violão, sentada num banquinho, em tom intimista, sozinha, iluminada por um facho de luz no palco escuro, até que no meio do show, quando repetia a letra de Vapor Barato, entraram guitarra, baixo e bateria, o palco clareou e aquela apresentação se transformou numa explosão de rock and roll. Os gritos lancinantes da cantora provocaram uma catarse coletiva e eu pensei que Sandra gostaria de estar ali. Ato contínuo, a avistei, um pouco à minha frente, linda. Ficou feliz em me ver, me abraçou radiante, me deu a mão e compartilhamos aqueles momentos mágicos." 

(Trecho do livro 1972, segundo volume da trilogia Cadernos do Calbercan, publicado em 2021.)

O show Fa-tal Gal a Todo Vapor e o disco homônimo são para mim o mais marcante símbolo da resistência dos artistas e do jovens nos opressivos anos de chumbo da ditadura militar.