Um belo relato sobre o Haiti, do repórter da Agência Brasil. Não há violência, as casas dos ricos não ruíram, os soldados americanos jogaram alimentos ao povo como jogamos milho para galinhas.
Haitianos começam a reabrir o comércio em meio ao caos
Rivadávia Severo
Enviado Especial
Porto Príncipe - A população haitiana continua sem luz e água. Só há energia elétrica para quem tem gerador próprio e a única luz à noite é a dos automóveis que transitam pelas ruas ou a de velas. Mesmo assim, aos poucos, os serviços estão sendo retomados. Os bancos começaram a reabrir as portas no sábado (23), o mesmo ocorreu com os supermercados e o porto da capital teve uma parte reativada no último fim de semana.
Na rua, o comércio informal ganha cada vez mais adeptos. Barraquinhas vendem de tudo. O clima é de tranquilidade, não há violência e vandalismo. Os incidentes de violência são causados pela própria distribuição de ajuda humanitária, feita sem a devida logística, como as primeiras executadas por militares norte-americanos que jogavam os alimentos para a população, em vez de entregar a ajuda na mão de cada pessoa.
Apesar da catástrofe, o povo haitiano tem mostrado resignação e espírito coletivo “Falar de violência quando os haitianos retiram mercadorias das lojas que ruíram e que as retroescavadeiras começam a limpar é, no mínimo, um erro de interpretação”, diz a embaixatriz brasileira Roseana Kipman.
Na parte baixa da cidade, que continua totalmente sem luz, um batalhão de desempregados vaga pelas ruas em busca de trabalho. “Um trabalho, por favor” é uma das frases mais ouvidas na capital. O trânsito continua um caos, como era antes do tremor. Na capital, Porto Príncipe, a população refugiada é de cerca de 400 mil pessoas que vivem em acampamentos precários.
No bairro de Petion Ville, onde residem os ricos que não fugiram para a República Dominicana, o impacto do terremoto foi muito menor que na parte baixa da cidade. Lá, as construções são mais sólidas, o que ajudou a preservar o casario, explica o subtenente Hélio dos Anjos, da Companhia de Engenheiros do Exército. Ele conta que no hotel em que estava hospedado na hora do terremoto só uns livros caíram. No bairro, só ruíram os altos muros que protegem os ricos dos pobres. Quando a terra tremeu, esses muros caíram.
A residência do embaixador brasileiro, Igor Kipman, que fica no bairro, não sofreu estragos. A embaixatriz relatou que os estragos atingiram apenas quadros e louças da casa. Ativista social no Haiti, foi ela quem retirou o corpo da médica sanitarista e fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, dos escombros da Igreja Sacré Couer, situada na região central da cidade, próxima ao Palácio Nacional que também foi abalado.
Em favelas vizinhas, no entanto, o estrago foi total. A favela de Angentine foi destruída. A terra cedeu e levou junto os barracos que desceram o morro. A situação antes do terremoto, tampouco era alentadora em um país onde a classe média é minúscula, apenas 30% têm renda e só a metade desses de forma fixa. Sessenta por cento dos cerca de 9 milhões de haitianos vivem na área rural e o analfabetismo atinge 47% da população.