segunda-feira, 16 de abril de 2018

Atlético = passar raiva


Vi do começo ao fim o jogo do Galo contra o Vasco, ontem. Confirmei, depois de muito tempo, uma situação que não mudou: torcer para o Atlético é passar raiva.

Não gosto de ver jogo do Galo pela televisão. Na televisão vejo jogos de outros times, por prazer, sem sofrimento, sem torcer. Para mim, lugar de torcer é no estádio. Lá, mesmo que o time perca, a raiva é extravasada, não volta comigo para casa, não fica acumulada.

O Galo, desde 1978, é especialista em fazer seu torcedor passar raiva e ter decepção. Falta ao clube espírito de vencedor, capacidade de se impor a rivais de primeira categoria. Exceto nos títulos locais, o Atlético sempre entrega nas finais. Basta lembrar daquela verdadeira seleção de Reinaldo, Cerezzo, Luisinho e companhia, que brilhou durante uma década, mas não ganhou nada, a não ser títulos estaduais. 2013 e 2014 foram pontos fora da curva. A partir de 2015 o clube voltou ao normal.

Em 2018, depois de um começo promissor com o treinador caseiro, cuja continuidade tem minha simpatia, o time entregou duas vezes seguidas, de virada -- com o intervalo de uma goleada, para um time pequeno, característica do Galo para iludir sua torcida --, uma delas no campeonato estadual, o que não é normal.

Contra o rival, com o resultado nas mãos (ou nos pés), Otero consegue ser expulso no começo do primeiro tempo! O melhor jogador do time! Num momento em que poderia definir o jogo a nosso favor, com a falta violenta que levou, revida e deixa o time com um a menos, e não um qualquer, mas o um que é o jogador mais importante do time desde o ano passado. Parece até que foi de propósito.

Ontem, contra o Vasco, o time jogou 90 minutos na defesa. Depois de fazer um gol, não teve capacidade de acertar um contra-ataque e matar o jogo.

Qual a culpa do treinador Thiago Larghi? Em primeiro lugar, contra o Cruzeiro, não mexeu no time para garantir o resultado em condições adversas, característica dos times vencedores -- o Corinthians está aí ensinando esta lição, ano após ano; contra o Vasco, mexeu mal.

Em segundo lugar, o comportamento de Otero, Silas, Cazares e Guedes talvez demonstre como o treinador não tem domínio do grupo.

Thiago Larghi me parece um bom treinador, mas mostra que não controla o grupo e mexe muito mal. Ontem, tirou o melhor jogador, Gustavo Blanco, e colocou Yago, que imediatamente levou cartão amarelo. Só tirou Cazares porque o próprio jogador abandonou o campo, contundido (?). E colocou no lugar aquele Roger Guedes, que matou um contra-ataque dando um calcanhar ridículo e ao mesmo tempo armou o contra-ataque do Vasco que levou ao pênalti e ao gol da virada, no último minuto da partida.

O Atlético é nitidamente um time formado por dois tipos de jogadores: os sérios (Victor, Gabriel, Fábio Santos, Luan, Gustavo, Ricardo Oliveira) e os enganadores, os morcegos (Cazares, Elias, Guedes e outros que já foram para o banco ou afastados). Otero é um caso à parte, porque corre, marca, se esforça, decide, embora entregue também, como aconteceu contra o Cruzeiro. O grupo de morcegos compromete o desempenho coletivo.

Tem alguma coisa errada no ambiente do Atlético que faz com que craques não queiram trabalhar, a não ser em casos excepcionais, como em 2013 e 2014. Se quiser montar um time vencedor outra vez, a administração do clube -- que hoje se pretende profissional, mas tem no currículo a mancha de ter censurado um jornalista da Rádio Inconfidência, no episódio destemperado do treinador Oswaldo de Oliveira -- pode começar dando poder ao treinador Larghi para se impor aos enganadores.

Se quiser continuar no cargo, Larghi tem que afastar imediatamente o grupo de morcegos. Ou enquadrá-los -- já cansei de ver jogadores nós cegos no Galo que depois foram bons jogadores em outros clubes. (Está aí o André, dando a vitória para o Grêmio contra o Cruzeiro, no Mineirão, sábado; Renato é uma espécie de Cuca, que faz craques enroladores, como Ronaldinho, renderem.)

Pelo que li, no entanto, Larghi preferiu fazer o mais fácil: culpar a arbitragem, xingar o jogador adversário que mudou o jogo (que passou pelo Galo e foi um fracasso, uma espécie de Roger Guedes, só que ontem foi vencedor), em vez de reconhecer seus erros e os defeitos do time. Ao mesmo tempo, o presidente do Atlético tuitava uma ameaça indireta ao treinador, dizendo que faltou competência (a quem? A algum jogador especificamente? Ao time? Ao treinador? Ao presidente, que não efetiva o treinador nem contrata outro melhor?).

A posição expressada por Larghi na coletiva, de preservar Guedes, é correta; o problema é que, se ele não tem confiança no jogador, não deveria colocá-lo em campo e nem mesmo deixá-lo no banco. Se tivesse tido essa atitude, pouparia provavelmente uma derrota ao time. Não se trata de Larghi precisar de Guedes, trata-se dele precisar da torcida, e para isso precisa ter atitudes corretas.

Um bom treinador deve ter duas qualidades: a primeira é entender de futebol, armar o time em torno de uma proposta de jogo, treinar essa proposta exaustivamente, treinar jogadas, corrigir defeitos dos jogadores e depois executar tudo isso nos jogos, com convicção, do começo ao fim, sendo capaz de perceber quem está mal, quais os pontos fracos do time e fazer mudanças e substituições para vencer; a segunda qualidade é ter o grupo nas mãos, o que significa ter liderança, ser capaz de motivar, ser respeitado, fazer com que o time jogue por ele, para corresponder à confiança que ele transmite.

Thiago Larghi me parece um bom treinador, é possível perceber a evolução do time no toque de bola e em jogadas ensaiadas, mas ele tem dois defeitos: mexe mal durante o jogo e não tem o controle do time. Enquanto jogadores como Elias, Cazares e Roger Guedes (e outros mais, talvez) fizerem parte do grupo, não há chance do Atlético se transformar num time vencedor.

No futebol contemporâneo não há mais lugar para times meia bomba. Ou seja: há, é claro, porque os times vencedores sempre vão precisar dos perdedores. O que o Atlético continua fazendo, embora 2013 e 2014 tenham iludido a torcida, é se qualificar para ser um perdedor, enquanto outros, como o Corinthians, o Grêmio e o Cruzeiro se qualificam para ser vencedores. Para entrar nesse time, o Atlético precisa não só ter "o melhor centro de treinamento da América do Sul", precisa ter uma proposta de jogo, precisa ter uma mentalidade e um elenco vencedores.

Nesse sentido, Thiago Larghi pode ser uma boa solução, assim como Carille e outros jovens treinadores, inclusive o do Vasco, que ontem derrotou o Galo. Se ele é qualificado, pode ser o treinador pelas mãos do qual o Atlético vai implantar uma proposta de jogo, na qual todos os jogadores deverão se enquadrar.

Um das piores defeitos do Atlético é não saber contratar. Aí estão os jogadores citados acima para demonstrar, mas o problema vem de longe. Parece até que a diretoria do clube sai pelo país e pelo mundo procurando jogadores problemas, nós cegos, morcegos, enganadores. Isso começará a ser resolvido quando o clube tiver uma proposta de jogo e um treinador -- ou melhor, uma equipe de treinamento, com um chefe -- que implante essa proposta e fizer contratações adequadas, sendo que tanto o treinador quanto a proposta de jogo devem estar acima de qualquer estrela.

Quando fizer isso, o Atlético começará a se transformar de um time perdedor, um clube de segunda, em um clube vencedor, para ocupar os primeiros postos nos campeonatos nacionais, voltando a ser campeão brasileiro e disputando as copas para vencer, sempre.

Não parece ser essa a mentalidade dos dirigentes atleticanos, porém. No mesmo momento em que, com Ronaldinho, Víctor, Tardelli, Cuca, Levir Culpi e Kalil, o Atlético conquistou dois dos três maiores títulos da sua história (a Libertadores e a Copa do Brasil -- o outro é o Brasileiro de 1971), tomou a decisão que começou a matar o clube e transformá-lo em time pequeno: mudou do Mineirão para o Independência. Com isso, reduziu sua torcida apaixonada de 50 mil, no mínimo, para 20 mil, no máximo. Pior: tornou-se um time de ricos, de uma elite branca, moradora da zona sul da cidade, que pode pagar R$ 100 ou mais por um ingresso, afastando a Massa, nome pelo qual ficou conhecida sua torcida.

Para voltar a ser um time grande, o Atlético precisa voltar a jogar no Mineirão e cobrar ingressos a preços populares.

A atual administração do Atlético não se importa com a torcida, em mantê-la e aumentá-la, preocupa-se apenas com arrecadação, com ingressos caros, patrocínios etc., sem entender que uma coisa está ligada à outra. O Atlético poderia ser um clube de massa e vencedor, mas optou por ser um clube de elite e perdedor. Há algum tempo veio com a ideia de construir seu estádio, como se o Brasil ainda vivesse nos bons tempos do governo Lula, e não sob o golpe que destrói a economia.

O futebol brasileiro é um futebol decadente, ainda que a seleção seja uma das melhores do mundo e possa até ganhar a copa da Rússia. Continuamos tendo grandes jogadores, exportados para todos os países do mundo, e um bom treinador pode montar um time competitivo com eles. No Brasil, no entanto, a decadência é evidente.

A copa do mundo de 2014 foi o atestado do fiasco do futebol brasileiro, assim como foi o tiro no pé que começou a derrubar o PT. Em vez de construir escolas, Lula preferiu construir estádios, em aliança com a CBF, a Fifa, grandes empresas internacionais e construtoras. Cometeu crimes contra o povo, tanto em remoções de populações para obras quanto na expulsão dos torcedores dos novos estádios luxuosos, elefantes brancos, e ainda na corrupção das obras superfaturadas, como sempre fazem as empreiteiras e os empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos. A copa 2014 matou o futebol brasileiro e derrubou o PT.

O Brasil é o país do futebol, a tragédia brasileira se confunde com a tragédia do futebol. O maior presidente brasileiro, o único que veio do povo, menosprezado pelas elites, e que realizou o melhor governo da história, que elevou o Brasil a potência emergente, líder e admirada no mundo inteiro, esse mesmo presidente fez um pacto com as elites, afastou o povo do futebol, prejudicou populações com as obras da copa, e depois foi traído e perseguido pelas elites, até ser preso.

Enquanto o Brasil afunda, no golpe, o futebol brasileiro decai, sem povo. Alguns clubes -- o principal deles é o Corinthians, ironicamente o clube do ex-presidente preso -- estão encontrando seu caminho, aparentemente, ainda que em estádios elitizados, reduzidos a 40 mil torcedores. O Atlético pode encontrar também -- e parar de fazer sua torcida apaixonada passar raiva --, mas terá de mudar sua mentalidade, de time perdedor para time vencedor, de clube de elite para clube de massa.

No futebol contemporâneo, os grandes clubes combinam uma escola de futebol com uma estrutura comercial bem administrada e ainda com uma identidade, que é o que atrai o torcedor. Dessa forma se tornam potências empresariais e esportivas, ganham dinheiro e títulos. O torcedor, no entanto, não pode ser esquecido. Clubes brasileiros não podem vender ingressos a preços de ingressos de jogos de clubes europeus, porque o torcedor brasileiro não tem o poder aquisitivo do torcedor europeu. Para lotar estádios, os clubes precisam vender ingressos que os brasileiros podem pagar, como acontecia antes da copa de 2014 e suas arenas suntuosas. Por que Atlético, Cruzeiro e América não podem dividir o Mineirão? Basta organizar uma agenda de consenso -- depois de recuperar para o futebol esse patrimônio público que foi entregue a uma empresa privada numa falcatrua política.

Estádios são um ponto à parte. A copa de 2014 destruiu o futebol brasileiro, elitizando-o e criando essa corrupção neoliberal dos estádios de clubes. A não ser para favorecer as empresas corruptas, não havia por que mudar a tradição brasileira -- implantada pela copa de 1950 e pela ditadura, é verdade -- de estádios públicos, nos quais cabiam e conviviam todas as torcidas. A proposta neoliberal para o futebol, que o cavalo de troia da copa 2014 introduziu no Brasil, é do estádio propriedade de clube, estádio negócio, obra faraônica, administrada por empresa privada, ou em "parceria", que reduz o público e encarece o preço do ingresso. Isso pode ser bom para a Europa, mas não vale para o Brasil.

Sob o pretexto de impedir a violência, os jogos de duas torcidas, que fazem parte da nossa tradição, foram proibidos pela PM. Só no Brasil a polícia tem tanto poder que decide até o público dos jogos. Ora, se há violência, o objetivo e o papel da polícia, da justiça e dos clubes devem ser impedi-la, combatê-la, punir os infratores rigorosamente, e não impedir os torcedores de ir ao estádio.

É a mesma lógica da lava jato, que, alegando combater a corrupção, destruiu a Petrobrás e as empreiteiras, jogando a economia no buraco, entregando as riquezas nacionais aos estrangeiros, atirando os brasileiros no desemprego.

Assim como em relação à corrupção deve ser bandeira da democracia combatê-la punindo rigorosamente os corruptos, preservando, porém, as empresas, que são patrimônio nacional (como, aliás, acontece em todos os países desenvolvidos), em relação ao futebol, deve ser bandeira da democracia manter os estádios públicos, a serviço dos clubes, frequentados por todos os torcedores, garantidos pelo combate rigoroso às torcidas organizadas, verdadeiras milícias que funcionam à sombra da corrupção no esporte.

A esquerda brasileira, no entanto, não tem um programa para o Brasil, e quando assume o governo faz o que fez o PT, uma "carta aos banqueiros", assume o programa da direita e conchava com as elites. Constrói estádios em vez de escolas, expulsa os pobres de áreas urbanas nobres e afasta os torcedores do futebol. 

(Crédito da foto: Armando Paiva / Raw Image. Publicada no Lance!)