domingo, 5 de abril de 2020

Militares se preparam para enfrentar o povo, não inimigos externos, diz historiador

Publico a entrevista abaixo não por admiração ao seu conteúdo, mas pela perplexidade que me causa a indigência intelectual da esquerda. As coisas que o historiador -- um sujeito com passado de militância em organização de esquerda clandestina durante a ditadura e depois com experiência, não só política, mas como intelectual acadêmico -- diz me impressionam. É muito pouco para tanto tempo. Estamos dentro de outro golpe e a esquerda ainda está discutindo a ditadura! Ainda não a compreendeu e superou! Ficou mais de trinta anos de democracia sem conseguir acertar as contas com a ditadura e agora faz autocrítica do que não fez! É muita indigência intelectual.

Quem leu "O homem que amava os cachorros" sabe o estrago que o stalinismo fez em três gerações de revolucionários em potencial em todo o mundo, mas já tivemos quase um século para superá-lo -- primeiro no momento mesmo em que acontecia; depois na revisão feita por Kruschev; por fim com o desmoronamento da URSS. Parece, porém, que muitos (inclusive mais jovens do que eu) nunca conseguirão entender o significado do stalinismo-leninismo-marxismo para a humanidade, nunca conseguirão pensar com a própria cabeça.
Enquanto isso, o neoliberalismo continua conduzindo a humanidade para a autodestruição, sem encontrar oposição de verdade, sem ter outro projeto econômico, social e político para rivalizar com ele.


Em conversa sobre o passado e o presente, Manuel Domingos Neto reflete sobre o cenário das Forças Armadas no Brasil

Brasil de Fato: Em comparação a outros países da América Latina, como o Chile e a Argentina, onde torturadores foram punidos e o povo tem mais sensibilidade às vidas ceifadas pelos militares, no caso brasileiro, isso não acontece. Ao contrário, Ustra é exaltado por Bolsonaro, parlamentares, e parte da nação. Nos últimos dias, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, seguiu a interpretação do governo em relação ao golpe, e declarou que ele foi um  "marco para a democracia brasileira". Isso lhe surpreende?

Manuel Domingos Neto: Como nós sabemos, a ditadura acabou através de um pacto. Esse pacto incluía a anistia e, portanto, incluiu a liberdade dos torturadores. Foi o pacto possível e, a partir de então, nós vivemos persistentemente um problema não resolvido. Os crimes de lesa-humanidade configurados na tortura e praticados pelos agentes do Estado não poderiam ser esquecidos ou se passar um pano em cima e acabou-se. Isso persistiu o tempo todo, tensionando, sendo, inclusive, uma das causas da animação dos militares pra retirar a esquerda de cena, porque eu acho que, no auge da legitimidade dos governos Lula, deveria ter sido feita alguma coisa. Não foi feito.

Estava muito vivo, nessas circunstâncias, o desgaste profundo dos militares e se tentou pôr panos quentes até na Comissão da Verdade, já no governo Dilma Rousseff (PT), aí o incômodo foi terrível porque, durante todo esse período de democratização ou de democracia, a formação dos militares, a cabeça dos militares, as suas narrativas não foram mexidas, não foram tocadas. No máximo, eles silenciaram, ficaram, digamos, hibernando, e surgem, com o reacionarismo gritante apenas nos últimos anos.

Agora, eu não acredito que o retorno dos militares como agentes políticos, como protagonistas da cena política se deva apenas a isso. Acho que isso merece uma análise bem mais complicada porque entram outros fatores. Mas, sem duvida, o fato de não ter havido uma prestação de contas, esses panos quentes em cima da tortura contribuíram pra ferocidade com a qual eles retornam agora, paraninfando um regime infame.

No dia de hoje, nós temos essa ordem do dia do ministro da Defesa, que é repugnante sob todos os aspectos. Ela é mentirosa, é falsa, desrespeitosa com os brasileiros, é desrespeitosa com a inteligência do homem comum. Não é preciso ser genial pra entender que essa ordem do ministro Fernando é um acinte. Como é que o sujeito assina um papel dizendo “instalamos uma ditadura pra defender a democracia”? Isso é ridículo, não tem fundamento, não tem cabimento.

Clique aqui para ler a íntegra.