domingo, 12 de abril de 2020

Por que os militares apóiam o presidente

A matéria abaixo é antiga, mas toca num assunto fundamental. Não informa o que eu queria saber: ao passar para a reserva, em 1988, o atual presidente continuou recebendo salário dos cofres públicos, pago por nós, contribuintes, sem no entanto trabalhar, e ainda acumulado com outro salário, também custeado pelos cofres públicos, isto é por nós, o de de deputado federal? Se continuou, isso é corrupção, embora uma corrupção legal. 

Corrupção legalizada chama-se privilégio, e o Brasil é uma nação de castas privilegiadas. Privilégio e corrupção estão entranhadas na sociedade brasileira. Por controlar o Estado e influenciar governos, as castas privilegiadas estabelecem legalmente benefícios que os comuns do povo não têm. Tudo bancado pelo dinheiro público. 

Há ainda o "jeitinho", outro tipo de corrupção, benefício que também é dado a quem tem amigos influentes, parentes influentes, enfim, quem é da turma, da casta. Eu e você, seguindo o caminho normal, não conseguimos, mas aqueles que conhecem as pessoas certas conseguem. 

Aquela corrupção que a larva jato dizia combater é só a ponta do aicebergue. A corrupção institucionalizada e legalizada, que beneficia as castas, é muito maior, é a que realmente importa, mesmo porque a corrupção descarada -- benefícios em troca de propina -- só é investigada e punida quando interessa às castas. A larva jato não existiu para combater a corrupção, como disse, mas para tirar o PT do poder, um poder que já ia para o quarto mandato consecutivo, sujeito a mais dois, com a volta e reeleição do Lula, o que desesperou a oposição derrotada, incomodou os interesses dos americanos (leia-se pré-sal e Brics) e atiçou o ódio da direita. A larva jato cumpriu seu papel político e a corrupção continua a pleno vapor, como se vê em notícias esparsas. Levou ao poder outros corruptos e liberou a corrupção dos privilégios, das castas.

A corrupção descarada sempre foi tolerada no Brasil e a corrupção institucionalizada é considerada normal pela ideologia dominante. O juiz da larva jato, por exemplo, tentou continuar professor da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, trabalhando como assistente de uma ministra do STF, em Brasília. Dois empregos públicos, duas elevadas remunerações pagas com o dinheiro público, nosso, da imensa maioria, dos que não recebem quase nada do Estado, só pagam impostos. 

Como é que um sujeito ia cumprir duas jornadas de trabalho em duas cidades diferentes? Isso não é possível para nenhum trabalhador comum, apenas para as castas privilegiadas, porque elas não trabalham de fato, não têm que produzir, não são remuneradas pelo seu trabalho, elas têm empregos públicos. Tem funcionário público que trabalha muito, tem funcionário público que trabalha mais do que trabalhador da iniciativa privada, mas uma coisa não depende da outra, mesmo porque funcionário público não pode ser demitido, outro privilégio.

A pretensão do juiz foi barrada pelo Conselho Universitário da UFPR e ele teve que optar, mas continuou recebendo dois salários, acumulando dois empregos, o de professor e o de juiz, o que também é absurdo: ele trabalha 16 horas por dia, 88 horas por semana, como qualquer trabalhador comum? Argumenta-se que fez concurso, que é mérito. Mas não existe essa meritocracia para trabalhador comum, não há trabalhador comum que, nem passando em concurso, possa ter dois empregos totalizando 88 horas semanais em duas empresas privadas. O que as castas privilegiadas chamam de meritocracia muitas vezes seria melhor definido como privilégio e corrupção.

Agora, ministro todo-poderoso, é bem provável que o juiz continue recebendo os dois salários, mesmo não dando aulas, e é bem provável que a lei lhe garanta esse privilégio; aliás, talvez acumule três salários, os dois que já recebia e mais o de ministro. 

De qualquer forma, sua situação é privilegiada, como a de qualquer integrante das castas. Qualquer sujeito simples, quando ingressa na política, fica deslumbrado com a quantidade de privilégios que passa a ter quando assume um mandato. Isso é corrupção, na essência; o sujeito ganha uma nova condição social e se afasta do que era, da sua classe social, das pessoas e interesses que o levaram ao mandato, que votaram nele, e se vê envolvido pelos interesses das elites que detêm o poder. O sujeito se corrompe. Por isso a sabedoria popular diz que político é tudo igual, porque percebe essa corrupção essencial dos privilégios de casta. 

Para que isso não aconteça, para que políticos e autoridades em geral não se corrompam, eles não podem ter privilégios. Assim, político com mandato popular deve manter o salário original da sua profissão, por exemplo, e cultivar hábitos simples, sem poder nomear um exército de auxiliares (parentes, amigos, cabos eleitorais), usar carro oficial, ter gastos de gabinete, verba para isso, verba para aquilo, diárias etc. 

Juízes, que devem dar exemplo de honestidade, devem ter o mesmo regime de trabalho, assistência social e aposentadoria que os demais trabalhadores, sem décimo quarto salário, férias-prêmio, quinquênio etc. Trabalhador comum, cujo salário é pago com o lucro do patrão, recebe quinquênio? Recebe férias-prêmio? Por que os funcionários pagos com o dinheiro público recebem? Patrão não divide lucro, mas nós contribuintes dividimos fartamente nosso dinheiro pagando impostos que mantêm os privilégios das castas. 

Por que é assim? Porque juiz brasileiro não é juiz para servir à justiça, é juiz para ter uma posição social de privilégios. E não é qualquer um do povo que se torna juiz, é uma posição reservada aos filhos das elites. Isso vale também para as demais castas. E as castas se perpetuam no controle do Estado e no usufruto dos privilégios que não aceitam perder. O brasileiro comum, diante dessa realidade irremovível, ou se conforma ou se esforça para fazer parte de alguma casta privilegiada; raríssimos conseguem, naturalmente.

Juízes brasileiros receberam no ano passado até R$ 1,5 milhão em salários "atrasados", férias "acumuladas" etc. Que trabalhador brasileiro comum pode em algum momento da sua vida ganhar isso? Os privilégios das castas não têm nada a ver com meritocracia ou outros argumentos que tentam justificá-los -- as justificativas vêm depois, os privilégios são obtidos pela influência no poder. Em algum momento importante da "nossa" história, um grupo social se afirmou e começou a construir seus privilégios. Foi o caso dos militares. 

Por que os militares brasileiros têm privilégios? Não é porque vivem em guerras, como os militares americanos. É difícil saber o que fazem os militares brasileiros, já quem não têm de defender o país em conflitos armados. Na verdade, durante três décadas, ficamos satisfeitos por não ter notícias deles; é como se os pagássemos para não fazer nada -- mas ficar bem longe da política.

Os militares brasileiros têm privilégios porque fizeram a República, a Revolução de 1930 e a ditadura de 1964-1985. Eles conquistaram privilégios conquistando o poder e se impondo à sociedade. Se o povo brasileiro quiser ter privilégios também, vai ter de conquistar o poder e se impor.

O Exército brasileiro ganhou importância na Guerra do Paraguai. O Exército brasileiro é um dos fenômenos da formação do povo brasileiro. Para enfrentar o pequeno Paraguai, o Império foi obrigado a formar um exército recrutado no povo. Fazendeiros mandaram homens do povo e escravos para lutar no seu lugar. Assim, o Exército foi a primeira instituição brasileira com participação popular. Vitorioso, o Exército voltou a guerra com status, reconhecimento, importância política, líderes. No seu seio desenvolveram-se ideias republicanas. 

Quando os fazendeiros decidiram se livrar da família real, uma extravagância brasileira nos trópicos, foram os militares que fizeram o serviço. O golpe de 1889, que implantou a República, gerou dois presidentes generais e teve um começo chamado de jacobino, com demandas populares, nacionalistas, progressistas. Não durou, logo os fazendeiros se livraram também dos militares e implantaram seu projeto nacional aristocrático, baseado na exportação de café, produzido em latifúndios. Foi a República Velha, que durou 41 anos (1889-1930). 

Os militares, também chamados de florianistas, por serem seguidores de Floriano Peixoto, o segundo general presidente, continuaram perturbando a República Velha com levantes e tentativas de golpes, até que em 1930, numa situação de desarranjo econômico provocado pela Grande Depressão, que enfraqueceu o poder dos latifundiários, tomaram o poder novamente e nele colocaram Getúlio Vargas. Seguiu-se uma ditadura de 15 anos, garantida pelo poder militar, com os ideários fascinazistas e stalinistas da época, e o projeto nacionalista industrialista. Nesse período os militares começaram a construir seus privilégios de casta -- tiveram tempo de sobra pra isso. O decreto-lei que cria a reserva remunerada e outros privilégios, por exemplo, é de 1938.

Foram os militares que derrubaram o ditador; o primeiro presidente pós-ditadura foi outro general e outros oficiais do mais alto posto disputaram a presidência em todas as eleições seguintes, perdendo sempre para os civis Getúlio, Juscelino e Jânio. Em 1964 deram o golpe e implantaram uma ditadura que durou 21 anos -- tiveram então muito mais tempo para construir privilégios corporativos, sem falar na repressão, na direção de estatais e serviços públicos, na influência, e ainda na anistia, pela qual entregaram o governo assegurando que não seriam punidos pelos crimes que cometeram. 

Agora, depois de 31anos de democracia, estão aí de novo, com um presidente e um vice, além de vários ministros. Outra notícia, de um saite especializado em concursos, que pode ser lida clicando aqui, informa que o salário dos militares (diz-se soldo) foi reajustado em até 48,9% depois do golpe de 2016 (que trabalhador brasileiro teve reajuste assim? Ao contrário, no mesmo período, os trabalhadores brasileiros perderam renda, e não foi pouca, além de terem perdido emprego e serem empurrados para a informalidade).

Para completar, o atual presidente voltou a reajustar os salários dos militares a partir de janeiro deste ano, ao sancionar a reforma da previdência dos militares -- isso mesmo, quando todos os trabalhadores perderam remuneração, ao se aposentar, e passaram a aposentar mais velhos, os militares ganharam. A matéria pode ser lida clicando aqui. A imprensa não fala no assunto e os próprios militares terão muitas justificativas para isso, talvez com razão -- mas todos os trabalhadores têm motivos para ganhar mais, a diferença é que não têm a influência sobre o Estado para conseguir isso.

O Tesouro Nacional gasta com cada militar inativo 17 vezes mais do que gasta com o trabalhador aposentado comum, diz a matéria do Nexo. Mais da metade dos militares se aposentam com menos de 50 anos. Militares aposentados continuam recebendo os mesmos salários dos militares da ativa, não tem isso de teto do INSS ou outro tipo de cálculo, como o da última reforma da previdência, que cortou um terço do valor da aposentadoria. 

De fato, e esta é a questão de fundo, metade da política brasileira é a disputa das castas e classes pelo dinheiro público, para manter ou ampliar privilégios, cada uma abocanhando o seu conforme sua força e sua influência. Os militares estão na carreira -- e na política -- por motivos bem prosaicos e primitivos: salário, benefícios, privilégios. A parte do ideal ou da ideologia fica por conta da ficção, da máquina de ideologia da mídia. E é por isso que os militares apoiam o atual presidente. 


Qual a diferença entre militares da ativa, da reserva e reformados

Confusão sobre situação de Bolsonaro e de Mourão foi comum na campanha eleitoral. Regime especial de militares inativos será desafio para novo governo. 

O verbete “Jair Bolsonaro” na Wikipedia, uma das maiores fontes de consulta na internet, identifica o presidente eleito como “militar da reserva”. O mesmo ocorreu em textos jornalísticos — incluindo muitos do Nexo — e em materiais impulsionados na própria campanha eleitoral de Bolsonaro, como no refrão do funk “O Proibidão do Bolsonaro”, do MC Reaça, que tem mais de 2 milhões de visualizações no YouTube, e foi tocado na festa da vitória do candidato do PSL na avenida Paulista, em São Paulo, no dia da eleição.

Bolsonaro, porém, não é mais “da reserva” das Forças Armadas. Isso desde o dia 21 de março de 2015, quando passou a ser “capitão reformado” do Exército. Mas qual a diferença entre essas duas expressões? 

A reserva e a reforma

A confusão no uso dos termos é comum porque o equivalente ao regime de aposentadoria dos militares é diferente dos civis.

A diferença entre um oficial “da reserva” e um “reformado” é principalmente sua disponibilidade para, em caso de necessidade, ser reincorporado ao serviço ativo das Forças Armadas em situações extremas como “estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização”, nos termos da Lei 6.880, de 1980.

Nos empregos civis, isso não acontece. Um advogado, jornalista ou professor, por exemplo, não pode, uma vez aposentado, ser convocado de volta ao serviço.

Já o militar na reserva segue à disposição das Forças Armadas, enquanto o militar reformado está definitivamente afastado ou aposentado.

O Exército Brasileiro explicou ao Nexo que Bolsonaro foi para a reserva em 1989 e, em seguida, em 2015, tornou-se “capitão reformado”, “por haver atingido a idade limite de permanência na reserva remunerada do Exército”. Essa idade varia dependendo da patente do militar. No caso de Bolsonaro, capitão, a idade é de 60 anos.

O vice de Bolsonaro, general Antonio Hamilton Mourão, acabou de ir para a reserva, em 23 de fevereiro de 2018. O pedido foi feito por ele mesmo, após atingir 30 anos de serviço ativo, como previsto na lei. Mourão, diferentemente de Bolsonaro, ainda está “na reserva” e poderá ir para a inatividade, como “reformado”, em seguida.