Chico Buarque salva Fados, o (nem tão) novo (2007) filme de Carlos Saura, que bem poderia se chamar Enfado. Nada contra o velho e premiado cineasta espanhol, que talvez não mais tenha pique para filmar películas movimentadas, mas... A gente espera ver um pouco de Portugal, quiçá a história do fado, mas o que vê são clipes em série, gravados em estúdio, com coreografias. Aquele rapaz do Cidade Negra, acho, canta um lundu, vá lá como curiosidade, mas arrastado demais, e Caetano Veloso, com sua voz de falsete imitando fadistas, também não compensa. O filme é um desfilar de fadistas careteiros, modulando suas lindas vozes de olhos fechados. E é legendado! Legenda em filme português! Está certo que não compreenderíamos boa parte do que cantam, mas bem mais do que eu esperava. Legenda é um horror, porque nos distrai da imagem. Preferia ouvir apenas as músicas - como tocam bem os instrumentistas! Como são belas as melodias! Foi o que fiz, fechei o olhos. E até dormi um pouco... Vem então Chico, quase no fim, e canta Fado Tropical, aquela linda canção, quase alegre, que tantas memórias boas nos evoca. Inda mais que segue Grândola Vila Morena e é acompanhado de imagens da Revolução dos Cravos. A revolução portuguesa é uma das minhas melhores lembranças da juventude e as cenas (em p&b, se não me engano) que vemos no filme nos fazem revivê-la. Abril de 1974, ditadura militar no Brasil, golpe sangrento recente no Chile, o mundo parecia feito de escuridão, quando então os militares portugueses, esquerdistas, ao contrário dos nossos, derrubam a ditadura salazarista. Foi como o sol nascendo na noite. Uma revolução cuja senha foi uma canção e o símbolo, uma flor vermelha. A população portuguesa, depois de décadas de repressão, silêncio forçado e obscurantismo, saiu às ruas e se confraternizou com os soldados, entregando-lhes cravos. E Chico cantava: "Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal". Ironia fina e clara. Palavras que em tempos coloniais (a música é de uma peça que se passa no Brasil Colônia) seriam de jugo, em 1974 tornam-se revolucionárias. Como a ditadura poderia consurá-las? Mas censurou. A partir de então esperei o dia em que também nós brasileiros faríamos a revolução e nos confraternizaríamos nas ruas. Isso nunca aconteceu, nunca tivemos essa emoção histórica, o mais próximo que chegamos foi a posse de Lula, em 2003, mas não foi pra mim. Fado Tropical é um corpo estranho no filme de Saura, que teve, porém, a sensibilidade de não excluí-lo. Salva o filme.
PS1: O filme está no Usina, em BH.
PS2: Fui olhar nos créditos: o outro cantor brasileiro é Toni Garrido.