quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O jornal, o desempregado, o banco e a honestidade

Por acaso o Estado de Minas de hoje me veio às mãos. Nunca tive o hábito de ler o EM, exceto por obrigação, quando trabalhava em redação. Me chamou atenção a manchete, o presente de Natal que o governador candidato-a-presidente-Aécio Neves vai dar ao funcionalismo: redução na jornada de trabalho de oito para seis horas, como forma de tornar atraente a mudança para o Centro Administrativo. Notícia política relevante com inúmeras implicações e evidentemente eleitoreira. O candidato caça votos: já tem no ar uma campanha de apoio ao idoso, eleitorado mais conservador e crescente que ele tenta conquistar. Imagino o comportamento escandaloso do jornal se fossem ações do governo Lula, a começar pelo próprio Centro Administrativo, obra faraônica nunca questionada.
Fui primeiro, porém, a outra chamada de capa: jovem desempregado saca seus últimos R$ 5 no caixa eletrônico, este lhe entrega R$ 9,6 mil e ele devolve o dinheiro ao banco. Notícia deliciosa. Na verdade, a notícia está além da notícia, no que não está dito, ou escrito, no que o leitor pode interpretar, deduzir, acrescentar. A última informação da notícia torna-a ainda mais interessante: o banco se negou a dar informações sobre o caso. Banco realmente, sem trocadilho, se lixa para o público. Tivesse pelo menos uma direção inteligente e ofereceria emprego ao rapaz, fazendo disso um episódio de marketing. Mas como é que pode valorizar a honestidade uma organização que vive de extorquir os clientes, com juros e taxas? Era preciso também vir a público prestar contas do funcionamento maluco do caixa eletrônico, em cuja segurança se sustenta grande parte da credibilidade das operações bancárias contemporâneas. Mas o banco também não se deu a esse trabalho.
A honestidade do rapaz de 26 anos, casado, cuja mulher ganha R$ 300 como monitora de uma escola (como assim? Menos do que o salário mínimo?), é tocante. O rapaz vacilou, o que torna a história mais interessante. E se divertiu. Ele conta que pediu R$ 5 e a máquina lhe deu R$ 10. Então resolveu experimentar: digitou R$ 100 - e a máquina lhe deu R$ 300! Aí ele extrapolou: digitou R$ 2 mil. E a máquina maluca começou a despejar dinheiro. Tanto que ele só contou ao chegar em casa: R$ 9.600! Levou o dinheiro para casa, refletiu, não conseguiu dormir, e no dia seguinte procurou o banco. O que será que o fez decidir? O jornal não pergunta.
(Conhecendo o EM como conheço, tendo o fato ocorrido em Sete Lagoas e sendo a foto que ilustra a matéria de autoria de um fotógrafo de outro jornal, imagino como a notícia foi apurada. Provavelmente uma rádio deu e o jornal correu atrás. Afinal, concorre com o Super, líder em vendagem e que vive de notícias assim. Lembro que ontem ouvi um homem na rua comentando o assunto com outro, mas não compreendi, porque peguei apenas trecho da conversa, enquanto passava, mas agora o que ouvi se encaixa. A matéria do EM está cheia de furos - não ter a palavra do banco é apenas uma delas. Merece pelo menos uma suíte (continuação) amanhã. Que o leitor a acompanhe.)
A honestidade é um valor, um traço de caráter. O dinheiro é a tentação, porque é o maior valor da sociedade, ele compra tudo, inclusive gente. Instituições com banco e jornal não vacilam na hora de serem desonestos para lucrarem mais ou atingirem seus objetivos. Wilson Geraldo da Silva – esse o nome singelo do rapaz, que se autodefine como vigilante – vacilou diante do do inesperado, pensou e decidiu ser honesto. Fez bem; caso tivesse ficado com o dinheiro se daria mal. Pelo cartão, o banco o identificaria, a polícia ficaria na sua cola e sua vida se tornaria um inferno, fazendo-o passar da pobreza à marginalidade. É assim, comparando as dificuldades de viver honestamente e as facilidades da vida desnonesta que muitos pobres se lançam ao crime. Wilson fez bem, não só para sua consciência, mas também porque a desonestidade é um apanágio dos ricos. Só os ricos a sociedade protege para a prática do ilícito. Wilson, na melhor das hipóteses, teria de subornar um policial, uma autoridade, para ficar com o dinheiro. Suborno é uma prática corriqueira entre os ricos, mas o dinheiro de Wilson era episódico e acabaria logo, deixando-o manchado por uma conduta ruim e mal acostumado, por ganhar dinheiro fácil. Ganhar dinheiro fácil é coisa para ricos. Estes dirigem máquinas de fazer dinheiro, explorando o trabalho. Nelas, o suborno é apenas uma espécie de pedágio, faz parte do "investimento", está contabilizado, junto com os impostos.
Wilson preferiu tirar vantagem da sua honestidade, alardeando-a, usando o episódio como uma espécie de qualificação no seu currículo profissional. Afinal, ele é vigilante. Quem sabe, conhecendo sua honestidade, alguém não lhe dá um emprego?