De um dia para o outro, o prefeito Márcio Lacerda reajustou as passagens dos ônibus urbanos de Belo Horizonte em 6,5%. O jornal Hoje em Dia informou no dia 25/12 que o reajuste previsto era de 4,5%, mas a palavra final caberia ao prefeito. E Lacerda decidiu aumentar mais 2%. A decisão é mais uma demonstração de como o prefeito empresário milionário que não mora na cidade que administra lida com a coisa pública e preza a população que o elegeu. O reajuste já está valendo nesta quarta-feira, 29/12.
6,5% podem parecer pouco, mas não são. São mais do que o reajuste previsto para o salário mínimo (5,88%), de acordo com o orçamento da União de 2011, aprovado pelo Congresso, no dia 22/12. É também um índice maior do que a inflação anual, prevista para 5,9% em 2010. Maior ainda foi o reajuste da tarifa do táxi-lotação, que opera nas avenidas do Contorno e Afonso Pena: 8,33%, passando de R$ 2,40 para R$ 2,60. Os preços das passagens dos ônibus intermunicipais e metropolitanos, administrados pelo estado, também subiram, mas os aumentos – 5,86% e 5,52%, respectivamente.
Com o reajuste, o transporte passará a pesar mais no bolso do trabalhador belo-horizontino. Em 2010, considerando a tarifa mais comum, R$2,30, quem tomou duas conduções para ir e voltar do trabalho, gastou R$ 138 – ou 27% do salário mínimo atual (R$ 510). Em 2011, com a tarifa reajustada para R$ 2,45, passará a gastar R$ 147 por mês – 27,22% do salário mínimo de R$ 540. Muitos trabalhadores tomam quatro conduções, o que aumenta ainda mais o peso desse "imposto".
Transporte é uma taxa que o trabalhador é obrigado a pagar. É inclusive descontado do salário, na forma de vale transporte, parcialmente custeado pelo empregador. Os cartões eletrônicos amenizam essa despesa, mas ela não deixa de ser um imposto. Tal condição já torna um escândalo o transporte coletivo caro e de má qualidade, como o oferecido pela administração de Belo Horizonte. Quando o reajuste da tarifa supera a inflação e o salário mínimo, converte-se em política social de concentração de renda: dinheiro que será tirado dos mais pobres e transferido para os mais ricos (as empresas de ônibus). Empresas que têm um sócio, o Estado, no caso a administração municipal, com poder de regular a tarifa.
A pergunta óbvia é: por que a passagem de ônibus de Belo Horizonte é tão cara? O sistema de transporte coletivo da capital é uma caixa preta. É também um sistema completamente irracional: os trajetos das linhas se confundem e inúmeras fazem o mesmo percurso, formando um emaranhado na malha viária da cidade. O trânsito fica congestionado, a poluição do ar e sonora aumenta, muitas viagens são feitas com veículos praticamente vazios, a passagem fica mais cara.
Os números falam por si. Segundo a BHTrans, Belo Horizonte tem 296 linhas de ônibus operadas por 4 concessionários, com um total de 2.832 veiculos. Isso mesmo: apenas 4 concessionários para 296 linhas! Trata-se de um sistema extremamente concentrado e com altíssimo número de linhas que se superpõem.
Uma confrontação simples mostra que tem alguma coisa errada nisso. Segundo a BHTrans, a média de passageiros pagantes em 2010 foi de 1.493.000 usuários por dia útil. Isto significa que cada ônibus transportou, em média, 527 passageiros. Os 285 microônibus das 25 linhas do sistema suplementar transportaram 110.000 passageiros. Significa que cada microônibus transportou 386 passageiros por dia. Ora, a capacidade do ônibus convencional é mais do dobro da capacidade do microônibus.
Se considerarmos as linhas, a relação fica ainda mais escandalosa: cada linha de ônibus convencional transportou, em média, 5.044 passageiros por dia, enquanto cada linha de microônibus transportou 4.400! Será que o pessoal altamente qualificado e bem remunerado da BHTrans não faz contas? O sistema suplementar, que nasceu de forma improvisada, para combater o transporte irregular em kombis, é muito mais eficiente do que o sistema convencional! Como isso é possível?
A incompetência, marca da BHTrans, não é suficiente para explicar por que o sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte é tão ruim. Se o sistema é assim é porque dá lucro para as empresas. Onde o lucro é baixo, o grito dos empresários é alto. Belo Horizonte, que até alguns anos atrás tinha três tipos de ônibus, os azuis, os amarelos e os vermelhos, agora tem uma infinidade de cores, com novas linhas e novas empresas, o que serve só para confundir o passageiro. Racionalizar o sistema significa cortar lucros das empresas de ônibus, provavelmente eliminar várias delas, desnecessárias. A administração municipal tem competência, coragem e honestidade para isso?
(Ilustração: Latuff.)