"Dá calafrios imaginar que o modelo de incentivo à construção do governo Lula e do governo Dilma é parecido com o modelo do governo Medici. [...] Expandir as cidades ad infinitum em um momento em que a taxa de natalidade está abaixo do nível de reposição implica cair na armadilha norte-americana de abandonar o centro. Isto só faz sentido na lógica do capital imobiliário que precisa continuar comprando terra barata e vendendo caro. E se for para fazer apartamentos de R$ 50 mil, que seja sem risco. A raiz desta ideia é a mesma em Belo Monte, no PAC ou no Minha Casa Minha Vida: tudo se resolve com mais asfalto e mais cimento." Vale a pena ler o artigo na íntegra.
Da revista Fórum.
O paradigma do asfalto
Por Fernando Luiz Lara.
[...] Demoramos quase um século para aprender que favela não é um problema, mas sim uma solução precária e incompleta. Mas a maior ironia (para não dizer tragédia) é perceber que o modelo persiste, agora rebatizado de Minha Casa Minha Vida. São R$ 12 bilhões por ano para construir habitação preferencialmente para famílias cuja renda esteja abaixo de R$ 1.600. Mas basta uma análise preliminar das diretrizes de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF) para perceber o atraso conceitual do programa. Para começar, a CEF dita um valor máximo de financiamento de R$ 58 mil por unidade no caso de SP e DF (os mais caros). Descontado o custo da construção (aproximadamente R$ 1 mil por m² ou cerca de R$ 45 mil por apartamento) sobram R$ 13 mil para pagar o terreno e todas as obras de infraestrutura interna, incluindo escadas e caixas d'água, por exemplo, que são, há de se convir, absolutamente fundamentais. No caso da infraestrutura externa ao edifício, cabe à prefeitura (quase sempre) ou às construtoras (absolutamente nunca) pagar por tudo. É como se calçadas, pontos de ônibus, áreas de lazer, parquinhos, campos de futebol ou mesmo a simples arborização fossem luxos e não componentes essenciais de qualidade de vida. Como no velho BNH, a CEF financia as construtoras e repassa a dívida na forma de hipotecas para os moradores qualificados. Como no velho BNH, as construtoras não têm nenhum risco. Elaboram projetos simplistas, muitas vezes cópias de desenhos que a própria CEF fornece. Compram terrenos baratos na periferia longínqua, aprovam um arruamento básico a ser executado com o uso de apenas uma máquina motoniveladora, convencem a prefeitura a estender as redes de água, luz e esgoto e constroem as casas ou apartamentos da forma mais barata e mais rápida possível. Terminada a obra e recebido o dinheiro, o lucro é simples, o risco é mínimo. A conta de verdade cai no colo da prefeitura, que no futuro próximo vai ser pressionada a fornecer toda a infraestrutura que devia ter sido feita junto com as unidades habitacionais. Praças, quadras de esporte, calçadas, linhas de ônibus, sinais de trânsito, escolas, creches, clínicas e parques. Tudo isso vai demorar anos, talvez décadas para ser construído, com efeitos negativos na qualidade de vida, na saúde e na produtividade de quem mora aí. E o primeiro a chegar vai ser o asfalto. Antes da creche ou do posto de saúde, antes do parque e infelizmente antes das árvores, chega o asfalto. O que não é de se estranhar, dado que os moradores das periferias das grandes cidades passam em média três horas por dia em ônibus e vans, um custo altíssimo que não é nunca computado nesta equação. Enquanto os centros das grandes cidades se esvaziam a olhos vistos, continuamos com esta expansão irracional.
A íntegra.