É como eu tenho repetido: quem quiser concordar com Joaquim Barbosa e seus colegas (exceção honrosa feita ao ministro Lewandowski) e achar que José Dirceu e os demais réus do "mensalão" devem mesmo ir pra cadeia, pode, é um direito, mas tem que encontrar sua própria argumentação para isso, porque o que se fez não foi justiça e o processo foi uma aberração. E quem quiser se informar de verdade deve ler mais do que Veja, Folha e Globo, para ser levado a sério. Nem que seja pra dizer: "eu sou reacionário mesmo, odeio petista e acho ótimo que tenham sido presos por um crime que não cometeram. Quero que morram na prisão, são todos comunistas" etc. e tal, como dizem aqueles que continuam na era da ditadura e da guerra fria.
Do blog Retrato do Brasil.
Mensalão: o terceiro absurdo
Primeiro, o STF não aceitou julgar os réus separadamente: alegou que seus crimes eram inextricáveis. Depois, fatiou o julgamento. Por fim, esquartejou também a sentença
Raimundo Rodrigues Pereira
Em meio à preparação de nossa edição especial sobre o "mensalão", que
circulará no próximo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu não
aguardar o julgamento dos embargos infringentes previsto para meados do
ano que vem, quando serão reexaminados alguns dos crimes dos quais são
acusados vários dos réus. Decidiu "fatiar" a aplicação das sentenças,
considerando, na linguagem forense, "transitadas em julgado", ou seja,
prontas para serem executadas, todas as "fatias" das penas a que foram
condenados réus para as quais não houvesse mais possibilidade de
recurso. Com isso, foram presos, na sexta-feira (15), vários dos
julgados, entre os quais José Dirceu, o mais famoso deles. Dirceu foi
preso por uma das duas "fatias" de sua condenação: a de sete anos e onze
meses de prisão, referente ao crime de "corrupção ativa", para a qual
não haveria mais apelação. E aguardará o julgamento da outra "fatia", na
qual recebeu sentença condenatória de dois anos e 11 meses, pelo crime
de "formação de quadrilha", a ser revista em 2014, no julgamento do
respectivo embargo infringente aceito pelo tribunal.
O fatiamento das sentenças dos réus completou o tripé de arbitrariedades no qual o julgamento da Ação Penal (AP) 470 foi assentado. No início da ação, quando ela foi aceita pelo STF em 2007, a Procuradoria-Geral da República, por meio de Antônio Fernando de Souza, seu então titular, e o ministro Barbosa, relator do caso, sustentaram que seu desmembramento seria impossível, tendo em vista a imbricação dos crimes cometidos e o fato de os acusados formarem três quadrilhas intimamente relacionadas. Posteriormente, no acordão do julgamento, Barbosa confirmou a inextricabilidade do caso ao dizer que o chefão dos três bandos era um só – Dirceu, que teria desempenhado papel "proeminente", não junto a um, apenas, mas a "todos os acusados".
Qual o grande crime chefiado por Dirceu e para a realização do qual comandou três quadrilhas, uma de seu partido, o PT, outra de publicitários e a terceira, de banqueiros? Segundo a acusação, a compra de votos de parlamentares. Com que dinheiro foi feita essa compra? Não com os empréstimos fictícios forjados pelos quadrilheiros banqueiros , disse a acusação, mas com 74 milhões de reais desviados do Banco do Brasil (BB) pelos quadrilheiros publicitários.
Cabia então, indubitavelmente, à acusação apresentar a prova material do crime – a existência de desvio de dinheiro do BB. E cabia ao pleno do STF cobrar tal prova – a da existência de instrumento material indispensável à execução do crime. Nenhum dos dois procuradores-gerais da República que tocaram o caso – Souza, já citado, e Roberto Gurgel, a seguir – fez a prova. E, pasmem, nenhum dos juízes do STF a exigiu, embora se saiba que, desde a Idade Média, a primeira tarefa do Estado acusador, ao privar uma pessoa de sua liberdade, é a de provar a materialidade do crime.
A íntegra.