O julgamento do "mensalão" ignorou a Constituição de 1988, fez o Brasil retroceder às ditaduras de 64-85 e 37-45 e produziu um processo inspirado no totalitarismo stalinista.
Do jornal GGN.
Culpados por suspeita
Fábio de Oliveira Ribeiro
A Constituição Federal, de 1988, prescreve expressamente que ninguém pode ser condenado por suspeita, sendo garantido a todos os cidadãos o devido processo legal e meios lícitos de prova. É o que consta expressamente do art. 5º:
"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"
Nossa CF/1988, art. 5º, também garante aos réus três outras coisas consideradas indispensáveis pela civilização ocidental desde o século XVIII:
"XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;"
Tudo isto foi para o ralo da cultura jurídica brasileira quando Luiz Fux proferiu seu famoso voto condenando José Dirceu (réu do Mensalão petista) "porque ele não provou que era inocente".
As palavras de Luiz Fux ecoaram pela eternidade na infâmia. Mas o princípio da culpa presumida não é novo no Direito Brasileiro. De fato ele já existiu nos anos 1930. Com efeito, a reação policial à revolta de 1935 foi instantânea e brutal.
"Como nas limpezas de 1925 e nas denúncias apresentadas perante o Tribunal de Segurança Nacional, as prisões eram determinadas por uma simples classificação de delito. Não é a realização do crime, mas a sua expectativa provável fundada na periculosidade construída sobre os delitos perpetrados anteriormente." (Paulo Sérgio Pinheiro, Estratégias da Ilusão, Companhia das Letras, 2ª edição, 1992).
Mais adiante o referido autor detalha melhor o expediente policial em tudo semelhante ao que parece ter justificado o famigerado voto proferido por Luiz Fux:
"É o currículo do antigo criminoso ou o potencial criminoso de um suspeito que determina a prisão. É o antigo sonho de uma lei penal que prevê e impede que o cidadão pratique o crime." (Paulo Sérgio Pinheiro, Estratégias da Ilusão, Companhia das Letras, 2ª edição, 1992).
Há uma evidente semelhança entre esta antiga tradição brasileira enterrada pela CF/1946 e CF/1988 (infelizmente renovada por Luiz Fux) e o princípio da culpa presumida até a prova de inocência feita pelo réu utilizado pelos soviéticos durantes os Processos de Moscou dos anos 1936/1938. Andrey Januarevich Vyshinsky ficaria bastante satisfeito ao ver e ouvir Luiz Fux proferir o voto que confirmou tudo aquilo que os juristas brasileiros têm rejeitado desde os expurgos realizados a mando de Stalin.
A íntegra.