Vivemos uma época em que as contradições do capitalismo estão muito agudas e as propostas de rumo estão em conflito cada vez maior. O neoliberalismo destruiu o Estado de bem-estar social, que o capital construiu depois da Segunda Guerra Mundial e da Crise de 1929. O Estado de bem-estar social faz parte de um mundo em que havia a União Soviética e o bloco socialista; em risco, o capital concedia benefícios aos trabalhadores. Com o fim do bloco socialista, o capital passou a reinar sozinho, com o mundo para dominar e pôde rever as concessões que tinha feito.
Há cinco anos a economia mundial -- capitalista -- está em crise. A crise mostrou o limite do neoliberalismo: o capital livre, como preconizam os liberais, está sempre em crise.
A crise econômica é só a contradição mais imediata do capitalismo, há outra muito maior e ameaçadora, a crise da destruição ambiental e das mudanças climáticas. As condições de vida no planeta estão ficando cada vez piores para uma população de humanos que não para de aumentar. Para nossos descendentes, a vida será muito pior, porque faltarão os recusos elementares, a começar pela água. O crescimento econômico contínuo, que o capitalismo gera, não é possível indefinidamente. Este crescimento distribui migalhas para muitos, mas concentra a riqueza nas mãos de pouquíssimos -- estudo de cientistas suiços mostrou que 147 empresas dominavam a economia mundial em 2011. O que a humanidade precisa não é de produzir cada vez mais, é de distribuir a riqueza que produz.
Grande parte da população mundial e as cabeças mais lúcidas sabem disso, mas na luta política contemporânea a comunicação ganhou papel preponderante, como o verdadeiro partido da direita, do capitalismo atrasado que se diz progressista.
E a propriedade dos veículos de comunicação, assim como das demais empresas, está extremamente concentrada. Isso faz com que a visão que temos da realidade seja muito diferente da visão real. Os grandes veículos de comunicação manipulam as informações. Por exemplo: há 60 anos os judeus perseguem e matam palestinos com apoio dos EUA. Quem se indigna com isso? Durante pouco mais de 10 anos os nazistas perseguiram e mataram judeus. Até hoje nos indignamos com isso.
No Brasil nem é preciso pensar muito sobre esse poder das grandes empresas de comunicação, ele é óbvio: Globo, Veja, Folha monopolizam a informação que recebemos. Basta citar o julgamento do "mensalão", um julgamento sem precedentes na história do País, para combater o governo do PT, uma vez que a direita não consegue mais vencer eleições para os poderes Executivo e Legislativo. O julgamento foi pautado pelas três grandes empresas que monopolizam a comunicação no Brasil.
É óbvio também para as pessoas mais lúcidas que é preciso democratizar a comunicação -- no Brasil e no mundo -- e que fazer isso é garantir a liberdade de expressão e não atacá-la. Mas a imprensa monopolista -- no Brasil e no mundo -- grita o contrário o tempo todo. E com seu poder de manipulação é capaz de formar mentalidades e até organizar manifestações de massas que vão às ruas protestar contra governos de esquerda, governos que na verdade são melhores para elas do que aqueles que a velha imprensa quer ver no poder. Basta comparar, no caso brasileiro, os governos do PT e os tucanos.
Em defesa dos seus interesses particulares, essa velha imprensa monopolista -- cujo poder é crescentemente contrabalançado pelo poder da internet, uma nova, democrática e revolucionária forma de comunicação -- ataca ferozmente qualquer tentativa de democratização da comunicação.
Daí a importância desse relatório, feito por quem não pode ser considerado de esquerda, e que desmente a ladainha da imprensa monopolista. O que ele diz sobre a Inglaterra vale em escala muito maior para o Brasil, onde televisões, jornais e revistas publicam as mentiras que quiserem e sequer há direito de resposta para os caluniados.
Como diz a matéria, reclamar que impôr limites a isso é atacar a liberdade de imprensa é o mesmo que um estuprador alegar que a polícia é uma ameaça ao amor livre. "O verdadeiro problema é que, quando se declara a guerra, o diabo alarga o inferno. Esse debate não passará a ser resolvido com fatos e argumentação razoável, ele será conduzido sob as já conhecidas regras: falsidade, distorção e ameaças. Algum governo se levantará contra isso? Talvez more aí o verdadeiro pesadelo."
Do The Guardian, via Agência Carta Maior.
Relatório Leveson: um pesadelo para a velha guarda da mídia
Nick Davies
O governo não está sendo convidado a assumir o controle da imprensa. Todos as propagandas de página inteira que ligavam o lorde Brian Leveson a Robert Mugabe e Bashar Assad, toda a cobertura dos jornais The Sun e Daily Mail sobre a "imposição de uma coleira à mídia" e a ameaça de "regulação estatal da imprensa livre britânica" se provou não mais do que bobagens ditas por marqueteiros, não mais do que outro round da velha distorção que, afinal, tanto fez para a criação deste inquérito.
O relatório tampouco afirma que Fleet Street deva ser recompensada pelo repetido abuso de poder com concessão de ainda mais poder. Este, aliás, era o plano criado pelo lado conservador de Fleet Street, ainda cegamente confiante de que seriam nomeados os que tornariam a fiscalização da mídia confortabilíssima para Richard Desmond, proprietário do Express (que, quando perguntado sobre a ética que a imprensa deve seguir, respondeu "não conhecer o significado da tal palavra"), e que executivos do News International de Rupert Murdoch – que enganaram a imprensa, o público e o parlamento – ocupariam cargos nas investigações. Lorde Leveson rejeitou esse plano com uma frase só: "assim, a indústria se manteria dando nota para a própria lição de casa".
Também, não estamos diante de uma catástrofe para o jornalismo britânico. Do ponto de vista de um repórter, o núcleo do Relatório Leveson, seu sistema de "auto-regulação independente", não apresenta problemas óbvios.
Esse sistema desempenha três funções. Em primeiro lugar, ele lida com as reclamações. Mas o faz com um corpo organizado que nem é indicado nem responsável pela Fleet Street. A parte mais obscura da indústria reclama que essa é uma ameaça terrível à mídia livre, situação análoga à de um estuprador alegando que a polícia é uma ameaça ao amor livre.
A íntegra.
Da Carta Capital.
No mundo de Murdoch
Luiz Gonzaga Beluzzo
Arrisco a dizer: o relatório Levenson é a mais corajosa e serena crítica aos abusos e malfeitos da mídia contemporânea. O relatório é tão destemido em sua ousadia como a Areopagítica de John Milton ao pregar a liberdade de impressão em 1644, no auge da Revolução Inglesa. Milton resistia a Cromwell e à reintrodução da "licença de publicação", hoje conhecida como censura prévia.
Esta edição de CartaCapital também corajosamente disseca os pontos mais importantes do relatório. Não vou repetir a narração dos fatos, exaustivamente tratados nas cinco páginas anteriores. Peço, no entanto, licença ao leitor para reproduzir argumentos que já esgrimi nos anos 1990 a respeito das diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
Vou começar com Paul Virilio, importante pensador francês da atualidade. Ao analisar as transformações do papel dos meios de comunicação na moderna sociedade capitalista de massa, Virilio chegou a uma conclusão tão óbvia para os cidadãos de boa-fé quanto negada pelos senhores do aparato midiático. A mídia, diz ele, é o único poder que tem a prerrogativa de editar as próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Mas a liberdade de expressão não se esgota na liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa só se justifica enquanto realização da liberdade de expressão dos cidadãos livres e iguais, os legítimos titulares do sagrado e inviolável direito à opinião livre e desimpedida.
Essa reivindicação da cidadania torna-se mais importante na medida em que os meios de divulgação e de formação de opinião têm se concentrado, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes impérios capitalistas, como os construídos pelo australiano Ruppert Murdoch. Esse imperador midiático não trepidou em utilizar a chantagem contra políticos pusilânimes, como o “novo” trabalhista Tony Blair e o janota conservador David Cameron.
Metido até o pescoço em negócios que envolvem o Estado e seus funcionários, Murdoch mobilizou suas forças para conseguir o controle da emissora de televisão BSkyB valendo-se dos serviços e pareceres de certo Adam Smith, conselheiro do então ministro da Cultura Jeremy Hunt. Os Smith de nome Adam já foram melhores.
A íntegra.