A coluna do Jânio de Freitas é o último sinal da dignidade da Folha de S. Paulo. Não que o jornal a tenha, ao contrário, aderiu com todos os préstimos ao pior da ditadura militar, mas quando viu que era inevitável vislumbrou corretamente a possibilidade de vender mais exemplares e aderiu à campanha das diretas, abrindo suas páginas democraticamente a todo tipo de opiniões. Mais tarde voltou ao seu leito original para se tornar o que é hoje quase sempre: um panfleto de direita. Mas jornais têm isso, essa fidelidade aos seus ícones, e este Jânio é o oposto do mais famoso, um sujeito, como se dizia antigamente, reto. Assim, octogenário, o decano dos colunistas de política do Brasil torna seu minifúndio diário um dos poucos (único?) espaços da Folha em que se pode respirar ar puro. Na Folha e em outros jornais: entre outros prejuízos, a atual fase da "grande" imprensa tornou o jornalismo político -- um exercício diário de reflexão sobre o País, que resiste ao tempo e se transforma em registro histórico, como é o caso do falecido Castelinho no JB -- uma atividade em extinção. Além do Jânio de Freitas, só me ocorrem dois outros nomes que fazem essa análise imparcial dos fatos políticos, hoje: Mauro Santayana, outro idoso, e o Marcos Coimbra.
Da Folha de S. Paulo
Velhas ideias
Jânio de Freitas
Liguei o rádio no carro. Entrou de sola: "é crucial e não é bom!". Um susto. O que seria assim dramático? A caminho do almoço, o susto devorou o apetite. Claro, era mais um dado da realidade terrível que o Brasil vive. As vendas no comércio de varejo, no primeiro trimestre ou lá quando seja, caíram a barbaridade de 0,1%.
O comércio vendeu, no período, menos R$ 0,10 em cada R$ 100. Pois é, crucial e nada bom.
Os preços, como o seu e o meu bolso sabem, vêm subindo à vontade há tempos, o que fez com que o comércio precisasse vender muito menos produtos para completar cada R$ 99,90 do que, na comparação com o passado, precisara para vender R$ 100. Mas, na hora, não tive tempo de salvar o apetite com esse raciocínio, porque à primeira desgraça emendava-se a notícia de outra. A queda desanimadora nas vendas para o Dia das Mães, comparadas com 2012: queda de 1%.
É preciso lembrar o quanto os consumidores encararam em aumentos de preços de um ano para cá? O comércio brasileiro está lucrando formidavelmente, com o maior poder aquisitivo das classes C, D e E, aplicado na compra dos tênis aos eletrodomésticos, dos móveis às motos, quando não aos carros.
O terrorismo do noticiário e dos comentários econômicos martela o dia todo. Não sei dizer se o governo está aturdido com isso, como parece das tão repetidas quanto inconvincentes tranquilizações do ministro Guido Mantega. Ou se comete o erro, por soberba ou por ingenuidade, de enfrentar a campanha que está, sim, fazendo opinião.
A íntegra.