A morte do dono nos possibilita conhecer um pouco mais sobre o Estado de S. Paulo, neste artigo escrito por um jornalista que conhece bem o jornal. E também um pouco mais sobre o governo Dilma, que se manifestou economicamente; eu não faria melhor, não acrescentaria uma palavra nem tiraria nenhuma, se estivesse na posição política do porta-voz, que, por dever de ofício, tem de emitir uma nota de pesar. Diz Nogueira: "O verdadeiro epitáfio de Ruy Mesquita diria o seguinte: foi um homem que defendeu os interesses de poucos, e nisso foi tão inepto que não soube defender sequer os seus, representados nos jornais da família. De quebra, contribuiu vigorosamente para que o Brasil se transformasse num dos campeões mundiais da desigualdade".
Do Diário do Centro do Mundo.
O legado de Ruy Mesquita
A morte de um barão da imprensa que quis ser jornalista e executivo ao mesmo tempo e fracassou em ambas as áreas.
Paulo Nogueira
Dilma definiu Ruy Mesquita bem melhor do que Lula definiu Roberto Marinho, e isso é de alguma forma um sinal animador.
Pode sugerir que o governo já não está imobilizado, de joelhos, diante das grandes empresas de mídia, brindadas ao longo dos tempos com espetaculares mamatas por sucessivas administrações.
A conta sempre foi paga pelos contribuintes – em operações como a isenção de impostos sobre o papel ou em empréstimos a juros maternais pelos bancos públicos.
Lula, em seu elogio fúnebre, disse que Roberto Marinho era um brasileiro que esteve sempre “a serviço”, e comparou-o ao pobre Carlitos Maia, que ainda hoje deve estar se chacoalhando em sua última morada por conta da comparação.
Dilma, bem mais comedida, disse que Ruy Mesquita foi um “homem de convicções”. Só não disse, inteligentemente, quais eram estas convicções.
Ruy Mesquita, morto aos 88 anos, pertenceu à geração que arruinou o Estado de S. Paulo. Se você, com algum esforço, pode atribuir o declínio da Folha à internet, no caso do Estadão não existe esta atenuante.
O Estado foi vítima de si próprio e de uma família controladora que quis administrar o negócio e o conteúdo ao mesmo tempo sem ter talento para uma coisa e nem para a outra.
Não bastasse a falta de competência, os ramos em que a família se dividiu acabaram se atracando numa guerra civil em que o objetivo parecia ser destruir os primos e os tios que estavam do outro lado.
A miopia editorial se traduziu na incapacidade de perceber que o país mudara no final da ditadura militar, sob Figueiredo.
Os militares estavam já extraordinariamente enfraquecidos depois de uma obra desprezível em todas as áreas – na economia, na política, no campo social.
Enquanto o Estadão publicava receitas num gesto oco e vazio para responder à censura, a Folha erguia a bandeira das Diretas Já.
Você tinha de um lado um jornal velho, ou dois, se incluir o Jornal da Tarde, também dos Mesquitas, e de outro um jornal que captara ardilosamente o espírito do tempo – embora mais adiante o perdesse também.
A morte do Estadão começou ali, há mais de 30 anos.
A íntegra.