Quarenta anos depois? A resposta está no nome: a verdade.
Enquanto prevalece a história contada pela ditadura (e seus pupilos estão aí, soltos, mandando, roubando), ela continua dominando as mentes. A ponto de o maior jornal do País dizer que não houve ditadura, mas ditabranda. Tornar a verdade predominante é fundamental para que andemos para a frente e não aceitemos novos golpes e novas ditaduras.
Do jornal GGN.
Comissão da Verdade ouve mulher presa quando era bebê
Mônica Ribeiro
Era uma noite de setembro, mais especificamente a terceira daquele mês, em 1973. Carmen de Souza Nakasu, 40 anos, tinha um ano de idade e estava na companhia dos pais, Elzira Vilela e Licurgo Nakasu, na estação da Luz, no centro da capital paulista.
A viagem da família foi interrompida por uma equipe de policiais da Operação Bandeirantes. No momento da prisão, antes de ser encapuzada e levada às dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), a mãe de Carmen só conseguiu ouvir um grito: "Entrega a menina!". Mesmo contrariada, ela entrega a criança às mãos de uma investigadora e fica três meses afastada da filha.
Os pais de Carmen ficaram 90 dias nas dependências do DOI-Codi e, durante este tempo, a menina foi usada pelos policiais para fazer chantagem - eles queriam que o casal delatasse os companheiros de luta. A resistência dos pais é reconhecida por Carmen, que nasceu, sob uma identidade falsa, em Valinhos, no interior do estado. Carminha, como é chamada pela mãe, diz que até um tempo atrás ainda tremia só de ouvir o barulho de uma simples descarga de vaso sanitário.
Se isso faz parte de uma possível sevícia à época da prisão, nem ela nem os pais podem dizer, mesmo havendo uma infeliz coincidência do pavor de Carmen com a técnica de afogamento usada pelos militares durante as sessões de tortura.
Aos três anos, por ter se tornado uma criança introspectiva, ela começou a fazer terapia psicológica. Durante as sessões, a terapeuta constatou que a pequena Carmen tinha, por repetidas vezes, sonhos em que era arrancada dos braços da mãe por soldados. Até aquele momento, nunca ninguém tinha contado a ela as circunstâncias em que tinha sido detida com os pais.
Aos 19 anos, Carmen passou por uma sessão psicoterapêutica que a ajudou a superar parte do trauma que guarda até hoje. Durante uma espécie de regressão, ela pôde se deparar com um bebê, muito assustado, que havia sido separado brutalmente dos pais. Ao se deparar com a criança, ela disse que pôde "acalmar" o bebê e dizer que estava tudo bem. A lembrança do procedimento faz Carmen sentir todo o pavor que estava guardado em algum espaço de sua memória. Às lágrimas, ela afirma que, mesmo com a sombra da ditadura em sua vida, teve a sorte de ter tido de volta seus pais.
A íntegra.