Folheio uma revista Veja de 19 anos atrás, auge do governo Collor. Na capa, a chamada de quina: "Collor, nervos à flor da pele". Refere-se à principal matéria da política nacional: ao descer a rampa e ser vaiado, o presidente fez um gesto obsceno com o dedo médio. A matéria já manifesta preconceito, característica da linha editorial da revista, ao dizer que o gesto é "bastante comum no Nordeste", mas ainda assim está longe do que Veja faz hoje. Podemos imaginar como "a maior revista do país" trataria o mesmo fato, caso fosse praticado por Lula.
Páginas adiante, com o título "Com a boca no trombone", outra matéria conta que ex-assessor do então ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, acusa auxiliares de Collor de forjar lista de marajás da Previdência. Um box informa que a Força Sindical, "entidade criada por (Luiz Antônio) Medeiros para combater a CUT", embolsou 1,5 bilhão de cruzeiros, moeda da época, do governo federal. Que tratamento Veja daria ao assunto, se auxiliares de Lula forjassem uma lista qualquer com nomes de figurões? E se presidente ex-sindicalista desse 15o milhões de reais (valor mais ou menos correspondente hoje) para a CUT?
A matéria seguinte revela que dois irmãos de um deputado do PTB de Rondônia foram presos traficando cocaína e que um deles tinha carteira funcional da Câmara. Faz a gente pensar: mas não é o atual o Congresso mais corrupto da história?
Mudando de assunto, a revista conta o fim "nebuloso" do sequestro do filho do empresário Wagner Canhedo, então dono da Vasp. Mais à frente, notícia de que a Polícia Federal explodiu uma bomba descoberta numa mala que embarcaria num avião em Guarulhos (SP). A bomba só foi descoberta por acaso, num aeroporto "com várias falhas no esquema de segurança". Mas a violência e a ineficiência no país não foram inauguradas no governo Lula?
A Coluna Radar, assinada por Ancelmo Gois, conta que "a cúpula tucana promete descer do muro ainda neste segundo semestre" e apoiar o governo Collor "em troca do afastamento de dois ou três figurões manchados pela pecha de corrupção"...
Apesar da convulsão que gerou o impeachment do presidente, aqueles eram tempos mais amenos, na política e na "grande" imprensa. No meio do caminho da sua história, em 1991 Veja ainda era uma publicação jornalística, mais próxima da revista criada por Mino Carta em 1968 do que do panfleto fascistoide de hoje.