Este julgamento é de um tipo de aborto específico, de fetos anencéfalos, por isso mesmo revela a intolerância e a hipocrisia. O aborto é uma experiência dolorosa. O Estado, religiões e celebridades têm direito de explorar esse sofrimento? O Estado brasileiro é laico. Isto significa que não pode adotar ponto de vista de uma religião, porque atingiria os direitos daqueles que professam outras religiões ou nenhuma. Uma religião pode impor mandamentos aos seus fiéis, não a quem não a segue. O aborto é um desses assuntos, assim como uso de drogas, em que os vilões posam de mocinhos -- os Demóstenes estão aí para provar. A igreja católica que defende a vida do feto é a mesma que queimou na fogueira quem discordava dela, que matou muçulmanos nas Cruzadas, que foi cúmplice do genocídio de indígenas e africanos, que apoiou o nazismo enquanto ele envenenava judeus e inúmeras ditaduras criminosas. Pesquisas mostram que o aborto é mais frequente nos países onde é proibido. Ser contra a legalização do aborto é ser cúmplice do aborto clandestino, que move uma indústria criminosa e corrupta, garante aborto seguro para mulheres ricas e mata mulheres pobres. Ser a favor da vida é promover a educação sexual e o uso de métodos anticoncepcionais, assistir a jovem que engravida, lhe garantir gravidez e parto saudáveis, assistência ao recém-nascido, saúde, alimentação, educação e condições de vida dignas. E lhe fornecer meios seguros de interromper a gravidez, caso seja essa a sua decisão.
Da Agência Brasil.
Cármen Lúcia é favorável à interrupção da gestação em caso de fetos anencéfalos
Carolina Pimentel e Daniella Jinkings
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia votou a favor da interrupção da gravidez de feto anencéfalo e que o aborto não seja considerado crime nesses casos. Para a ministra, a mulher que não tem opção de interromper esse tipo de gravidez sofre com o medo e a vergonha. "A mulher que não pode interromper essa gravidez tem medo do que pode acontecer, o medo físico, psíquico e de vir a ser punida penalmente", alegou a ministra. Cármen Lúcia destacou que o julgamento de hoje não trata de estimular a prática do aborto no país, mas de interromper uma gestação em que o feto não têm condições de sobreviver fora do útero. A sessão foi interrompida. Na retomada, irão votar os ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. Os cinco que já proferiram seus votos -- Marco Aurérlio Mello (relator), Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia -- foram favoráveis à ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede a descriminalização do aborto em casos de feto com anencefalia (malformação do tubo neural).
A íntegra.