Um ótimo texto do José Simão.
As dunas de Gal
José Simão, 30/6/2005
Até hoje uma amiga comenta: "É mesmo, os tempos mudaram. Eu também era
esquálida e todos me achavam gostosíssima. Agora eu tenho o corpo da
Matilde Mastrangi e ninguém repara". E pano rápido. Porque gostosa mesmo
era a Gal. O símbolo da gostosura dos seventies, dos 70.
Engraçado, editor pensa que colaborador é repentista. Dá um tema e a
gente sai cantando. Em disparada, na maior embolada. E na maior
embolada, no ritmo rápido e rap do repente eu vou cantar pra vocês as dunas da Gal, uma verdadeira lisergia tropical.
É que outro dia eu estava na Rádio Cultura comentando o disco da Gal, o LeGal,
quando me perguntaram o que eu estava fazendo no início da década de
70. Ai minha Santa Periquita do Bigode Louro, santa ingenuidade! É claro
que eu não estava fazendo nada. N-A-D-A. Nada! A maioria das pessoas na
década de 70 não fazia nada. Só faziam a cabeça. Como eu, que tinha de
fazer e bater a cabeça todas as manhãs nas dunas da Gal, vulgo dunas do
barato, píer de Ipanema. Depois eu tinha que esticar na areia minha
sábia preguiça solar e bolar alguns capítulos do meu livro-espetáculo Folias Brejeiras.
E depois tinha de fazer a chamada pra ver se ninguém tinha pirado no
dia anterior. E depois tinha de bater palmas pro pôr-do-sol. Sair da
praia antes do pôr-do-sol era blasfêmia! E ainda por cima tinha que ir
em romaria todas as noites assistir o show Gal a Todo Vapor. Era Pouco? Ufa! Bem que o Groucho Marx tinha razão quando disse: "Como sofre uma baiana".
Gal a Todo Vapor, o grande sucesso da temporada, todas as
noites, lá no Teresão. A todo vapor mesmo. Era só a banda dar os
primeiros acordes que a turma das dunas desfiava o resto, de cor. E
pior, ninguém queria pagar. Pagar era um insulto. O teatro era o Teresa
Raquel, vulgo Teresão, lá em Copacabana. E o diretor do show era o Waly
Salomão. E dá-lhe convites. Principalmente quando descia o Morro de São
Carlos com o Melodia e toda aquela roda de bambas e compositores de
sambas. E ficavam na porta. Aí o Waly dava uns abraços psicodélicos na
Teresa Raquel e ficava falando loucuras no ouvido dela. Ai convite
virava chuva de confete. Os convites eram tantos que a Teresa Raquel
ficava nervosa, andando pelo saguão do teatro, num cáften até os pés,
gritando: "Eu não sou Jesus Cristo".
A íntegra.
(Melhor ainda ler ouvindo esta música da época.)