sábado, 26 de julho de 2014

Ariano Suassuna, nosso Shakespeare

Ariano Suassuna, Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro... O Brasil está mais pobre. Perdeu em uma semana três grandes escritores. Mais que um escritor, Rubem Alves é uma referência filosófica. Ariano Suassuma é o nosso Shakespeare, um gênio da dramaturgia, autor de tramas tão geniais quanto as do inglês. E também uma personalidade simpática, inteligente, bem humorada.

Do Diário de Pernambuco, via jornal GGN. 
A carta de Matheus Nachtergaele para Ariano Suassuna
O ator Matheus Nachtergaele, que interpretou o personagem João Grilo na adaptação para a TV e cinema de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, publicou uma carta para o escritor. No texto, publicado no jornal Diário de Pernambuco, o ator descreve a importância do papel em sua carreira, além de destacar o afeto que mantém pelo escritor.
Veja a carta, na íntegra.

Carta para Ariano,

Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo. 
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Shakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, a pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cercas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você, Ariano, e teu João Grilo me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro. 
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele