Ariano Suassuna, Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro... O Brasil está mais pobre. Perdeu em uma semana três grandes escritores. Mais que um escritor, Rubem Alves é uma referência filosófica. Ariano Suassuma é o nosso Shakespeare, um gênio da dramaturgia, autor de tramas tão geniais quanto as do inglês. E também uma personalidade simpática, inteligente, bem humorada.
Do Diário de Pernambuco, via jornal GGN.
A carta de Matheus Nachtergaele para Ariano Suassuna
O ator Matheus Nachtergaele, que
interpretou o personagem João Grilo na adaptação para a TV e cinema de
Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, publicou uma carta para o
escritor. No texto, publicado no jornal Diário de Pernambuco, o ator
descreve a importância do papel em sua carreira, além de destacar o
afeto que mantém pelo escritor.
Veja a carta, na íntegra.
Carta para Ariano,
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu
Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias,
nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém, homem, mulher,
criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da
morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por
loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta
primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e
melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Shakespeare, de
Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei
perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos
eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas
de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e
estribo, a pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele
descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom
pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia
sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era
feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a
marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O
amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo
de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado,
que encontra saídas pelas cercas de arame farpado, e encontra sempre uma
sombra, um riachinho, um capim bom. Você, Ariano, e teu João Grilo me
levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada
dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois
do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho
dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra
brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns
cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na
cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda
estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele