"Diante da gravidade do quadro vivenciado pela cultura de Minas Gerais [na distribuição de recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura],
solicitamos a esta Secretaria algumas providências urgentes", diz a Carta.
2ª Carta Aberta endereçada à Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais
Belo Horizonte, 1 de setembro de 2014.
Exmª. Srª.
Eliane Parreiras
Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais
C.c. Governador do Estado de Minas Gerais
Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais
Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Imprensa
Senhora Secretária,
Agradecemos a V. Exª. e à equipe da Secretaria de Estado de Cultura pela divulgação das informações relativas à captação de recursos por intermédio da Leic - Lei Estadual de Incentivo à Cultura no ano de 2014. Desde já, cabe-nos solicitar que tais informações se tornem efetivamente públicas e passem a integrar um banco de dados acessível a todos os cidadãos, de modo a permitir o acompanhamento pari passu do desempenho desse mecanismo tão importante para a política cultural do Estado.
Nos últimos 30 dias, nós, agentes culturais de Belo Horizonte e do interior de Minas Gerais, debruçamo-nos em uma análise, ainda superficial, dos dados publicados. Reconhecemos que nos falta aparato técnico para que um diagnóstico minucioso seja apresentado. Entretanto, dados sobre os quais discorreremos a seguir já nos certificam do quão distorcido tem sido o uso do mecanismo e também de sua iminente falência. Aquilo que em nossa carta pública de 10 de julho era creditado à intuição, infelizmente confirma-se na prática. É bastante pertinente reafirmarmos que parte dos projetos aprovados e que conseguiram o mínimo necessário para o início de sua execução pouco ou nada acrescentam à cultura de Minas Gerais, uma vez que não se alinham a uma política cultural responsável e nem às diretrizes do Plano Estadual de Cultura que vem sendo construído no âmbito do Consec - Conselho Estadual de Cultura.
Como exemplo de distorção inaceitável, destacamos o fato de aproximadamente 7% do total de R$ 61 milhões aportados em projetos do edital 2014 terem sido destinados à ações relacionadas ao Carnaval e à Copa do Mundo, atividades que, por seu forte apelo comercial, deveriam ser financiadas diretamente pelos departamentos de marketing das empresas interessadas. Acreditamos que uma análise mais aprofundada, projeto por projeto, poderia revelar a existência de mais distorções igualmente absurdas. Os recursos que irrigam projetos de natureza meramente comercial são os mesmos que faltam a um grande número de artistas, grupos e instituições que não têm conseguido captar por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Outro dado alarmante é que cerca de 6% do total de recursos foram destinados a equipamentos do próprio Estado ou do Circuito Cultural Praça da Liberdade. É inadmissível que um Estado recordista em arrecadação como Minas Gerais não possa criar dotações orçamentárias específicas para tais projetos e acabe disputando com agentes culturais da sociedade civil recursos públicos provenientes de isenção fiscal. Acreditamos que esse contrassenso tenha chegado ao seu limite.
Diante dessas constatações, preocupa-nos especialmente a posição de V. Exª de que não é possível estabelecer critérios para a análise de projetos sem que haja mudanças na Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Entendemos que se trata de uma decisão política e que a legislação permite que a CTAP estabeleça nos editais os critérios públicos para essa avaliação, tendo como referência os objetivos da Lei, bastante claros em seu artigo 1º. Somente desse modo será possível minimizar ou corrigir as distorções no uso e na distribuição dos recursos.
Em carta-resposta de 15 de julho, V. Exª absteve-se de comentar o gravíssimo problema que identificamos como "efeito bola de neve", que consumiu 24% dos recursos de 2014 com projetos aprovados no ano de 2013, totalizando o montante de R$ 18 milhões. Reiteramos nossa preocupação e, mais uma vez, apontamos o que nos parece óbvio: se o ritmo indiscriminado de aprovações se mantiver, corremos o sério risco de, em 2015, os recursos se esgotarem no primeiro trimestre do ano. Em 2016 ou 2017 o mecanismo ficará comprometido antes mesmo da abertura dos anos fiscais.
Somando-se os 7% referentes aos projetos ligados ao Carnaval e à Copa do Mundo com os 6% destinados aos equipamentos do próprio Estado e ao Circuito Cultural Praça da Liberdade e ainda com os 24% da “bola de neve”, chegamos ao total alarmante de 37% do montante dos recursos da renúncia “desviados” de seu propósito original de fomentar atividades de agentes e instituições culturais por meio dos projetos inscritos no edital 2014.
Em sua resposta, V. Exª. se refere à nossa avaliação quanto à diminuição da contrapartida como "minoritária e pessimista" e afirma que o assunto foi "amplamente debatido". Manifestamos nossa discordância com ambas as posições. Acreditamos que falte a esta Secretaria uma percepção mais clara do elevado grau de descontentamento a que chegou a classe cultural de Minas Gerais com os rumos dados à Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Talvez os debates não tenham sido assim tão abertos quando esta Secretaria quer fazer crer.
Ressaltamos ainda que uma das instâncias de escuta formal da sociedade civil citadas pela Secretaria, o Conselho Estadual de Política Cultural, também se alinha com esta posição. Independentemente de concordância com todo o teor da nossa carta pública, oito dias após sua divulgação, o CONSEC e sua Câmara Regional Consultiva manifestaram-se favoráveis à “imediata revisão da Lei Estadual de Incentivo à Cultura antes que a mesma entre em colapso”. Este é mais um fato a reforçar a relevância de nossas críticas.
Portanto, diante da gravidade do quadro vivenciado pela cultura de Minas Gerais, solicitamos a esta Secretaria algumas providências urgentes:
1. Restabelecimento de critérios de avaliação dos projetos, tendo como referência os objetivos claramente expressos no artigo 1º da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
2. Ampliação significativa do teto da renúncia fiscal da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
3. Ampliação significativa do montante de recursos destinados aos editais do Fundo Estadual de Cultura, instrumento primordial para a correção das distorções naturais das leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal.
4. Encaminhamento imediato de discussão pública com agentes culturais da capital e do interior, com vistas à revisão da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
5. Abertura imediata de discussão pública com agentes culturais da capital e do interior, com vistas à implementação de novos mecanismos de estimulo à cultura no Estado.
Finalizamos nossas contribuições a esse debate reivindicando que sua continuidade se dê em âmbito mais amplo e que não se percam de vista os princípios republicanos que devem nortear a aplicação dos recursos públicos destinados à cultura.
Atenciosamente,
Grupo Galpão/Galpão Cine Horto, 1,2 na Dança, Associação Cultural Mimulus, Associação Curta Minas, Cia. de Teatro Luna Lunera, Grupo Armatrux, Grupo de Dança Primeiro Ato, Grupo de Teatro Trupe de Truões, Grupo Espanca!, Grupo Maria Cutia e mais 35 assinaturas.