quinta-feira, 25 de setembro de 2014

RPJ: a nova marcha da família?

Primeiro pensei que se tratava daqueles jogos, RPG.
A estética da cartilha lembra a TFP e outros movimentos de direita.
Siglas.
O globo da bandeira do Brasil com o mapa invertido e o lema positivista também alterado: "Desordem no Congresso".
Jogo de palavras.
As cores verde, amarelo, azul.
E a palavra mágica, presente em todos os discursos da direita, desde que o Brasil inaugurou uma democracia mais participativa, depois da II Guerra Mundial: corrupção.
Outras palavras fortes: "indignação", "covardia".
E o advérbio que remete à maior campanha política de massas que o Brasil já teve, pelas eleições diretas, em 1984: "já".
A cartilha de 12 páginas, grampeada, com boa qualidade de impressão, está sendo distribuída nas ruas.
Não é apócrifa. Logo no começo, na página 2 há uma lista de nomes de "fundadores" do "movimento". Não conheço nenhum, além do nome não há outra identificação.
RPJ são as iniciais de "Reforma Política Já", o movimento.
A "instituição" se chama Pró-Cidadania -- Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Cidadania. Seu presidente é Marcílio A. Moreira.
Tem página na internet (www.rpj.org.br), telefone (31-9122-4330) e email: m2augusto@hotmail.com.
Podem ser pessoas de bem, bem-intencionadas, como eram muitas que participaram da marcha da família em 1964 e em 1968 estavam de novo nas ruas querendo derrubar a ditadura.
Não dizem que querem derrubar o governo nem derrotar a "ameaça comunista", hoje em dia isso soa anacrônico e não tem apelo. Querem derrotar "os políticos".
Mas os políticos que estão no poder são de esquerda também, o partido no governo é o PT...
Antes, quando os políticos eram, por exemplo, do PSDB, será que eles também se indignaram?
Dúvida.
Comparam-se à campanha das diretas e à campanha contra Collor.
São duas coisas diferentes.
Uma campanha queria a volta de eleição direta para presidente.
A outra queria tirar o presidente eleito diretamente.
A emenda da eleição direta foi derrotada pelo mesmo Congresso de "políticos" que depois cassou Collor e que agora o RPJ quer derrotar.
O impeachment do Collor, visto em retrospecto, foi um equívoco político grave: transferiu o poder para o Congresso de "políticos", que respondeu a uma exigência pretensamente popular manipulada pela "grande" imprensa.
A entrevista do irmão do Collor na capa da maior revista do país foi uma aberração. Outras matérias da campanha diária contra o presidente também.
O "partido da oposição", o partido vampiro da "grande" imprensa provou sangue e continua querendo mais até hoje.
Mesmo fracassando em 2004, contra Lula.
Voltando ao RPJ: a cartilha é bem feita, bem impressa, bem escrita (embora tanto texto certamente afasta grande parte dos leitores), com poucos erros de português. Repete as mesmas coisas em textos curtos, frases objetivas e listas de diagnósticos e propostas.
O raciocínio é simplista: chega de corrupção, a corrupção é coisa de políticos, precisamos reformar a política para acabar com a corrupção, para isso o povo precisa ir para a rua.
Começando na véspera desta eleição: a cartilha convoca a todos para uma grande manifestação na Praça do Papa, dia 28, domingo.
Como na marcha de 64, convoca o leitor "e sua família".
Como na marcha de 64, conta com a proteção da PM mineira. "Pode vir tranquilo. A PM garantirá a nossa segurança."
É uma promessa estranha, pois todos sabemos, e todo mundo que foi para as ruas em 2013 se lembra muito bem, que a PM não vai para as ruas proteger manifestantes, mas para jogar bombas de gás, atirar balas de borracha, prender, bater, ferir, cegar. Por que com o RPJ será diferente? A PM é a favor do RPJ? O governo do estado, à qual a PM é subordinada, é a favor do RPJ?
A cartilha, que deve ter custado muito dinheiro, pede doações numa conta bancária -- de R$ 10, R$ 20 ou R$ 50.
Um movimento que combate a corrupção e prega a transparência, poderia começar informando como arrecadou dinheiro para imprimir a cartilha, quanto ela custou, como emprega o dinheiro das doações.
Sendo ou não coisa de uma nova TFP, de um novo Ibad, de um novo Ipes, reproduz o velho pensamento positivista que os militares legaram ao Brasil ao abolir a monarquia e inaugurar a república.
Um pensamento linear que vê doenças e remédios, que resolve tudo com leis e organização burocrática.
Estou muito velho para ser ingênuo, é óbvio que essa visão da história como bem e mal, dos políticos como diferentes de nós e da corrupção como a causa de todos os males não é discurso de gente "pura" e bem-intencionada.
Ora, os políticos não foram eleitos?
Por que os eleitores -- os integrantes do RPJ inclusive e pra começar -- são melhores do que os políticos?
Dá para começar a discussão por aí, se a intenção é realmente boa; nos distinguirmos deles, dizendo que somos os bons e que eles são os maus, é um raciocínio torto e suspeito.
A corrupção é sempre "do outro". As denúncias de corrupção aparecem sempre quando o governo é de esquerda. Coincidência? Por que a corrupção nos governos de direita não incomoda? Por que um "movimento" que aparenta tanta minúcia no levantamento de dados e na formulação de propostas não analisa igualmente se a corrupção aumentou, diminuiu ou é a mesma ao longo dos anos, dos governos, da história? Por que generaliza? De onde tira as informações sobre corrupção? Da "grande" imprensa? Por que não cita suas fontes? Uma única vez faz isso, e a fonte, como era de se esperar, é a revista Veja. Mas quem combate a corrupção desconhece os escândalos envolvendo a revista? Como basear denúncias numa revista suspeita?
Há poucos dias, um grande movimento de sindicatos, associações, organizações diversas e partidos políticos inclusive, todos identificados, promoveram um grande plebiscito a favor da reforma política. O mesmo objetivo que, aparentemente, o RPJ busca. O plebiscito pede a eleição de uma Constituinte exclusiva para a reforma política.
O resultado do plebiscito saiu ontem: foram 7,4 milhões de votos favoráveis à Constituinte (97,2% -- 2,7%, contrários), número bastante expressivo para um movimento organizado pela sociedade, sem participação governamental nem estatal.
O RPJ não participou. Por quê?