segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O desprezo da prefeitura de Belo Horizonte e do governo de Minas pela habitação popular

Administração Lacerda e administração Anastasia são cada vez mais parecidas. Afinal, trata-se do mesmo grupo no poder, com a mesma lógica e a mesma política. A propósito da excelente reportagem abaixo, assim funciona o capitalismo, assim funciona o Estado a serviço do capital:
1) Construtora falida não significa que seus proprietários faliram, em geral significa que administraram mal e seu negócio foi à bancarrota, mas o prejuízo fica com os compradores e com o Estado, que bancaram o empreendimento, os donos salvam seu patrimônio e seus lucros em contas fora do país;
2) A expulsão dos moradores das Torres Gêmeas segue a mesma lógica do fechamento do Parque Municipal "por tempo indeterminado, para vistoria": os interesses da população não são levados em conta, porque a prefeitura e o estado não servem a interesses coletivos e populares, mas a interesses particulares do capital, no caso os da indústria da construção imobiliária – Lacerda e Anastasia consideram que "ali não é lugar para pobre", como diz a urbanista Margarete Leta, professora da UFMG, que participou do projeto técnico para ocupação dos edifícios por famílias sem teto;
3) O prefeito Lacerda não recebe movimentos populares e seus secretários não atendem a reportagem porque a população e a imprensa popular não fazem parte dos interesses que a administração municipal serve, mas atendem a imprensa capitalista, que os representa: Globo e "grandes" jornais; com estes fazem parcerias, como o réveillon 2011, eventos "culturais" e esportivos, a estes destinam polpudas verbas publicitárias (em 2011, o orçamento de publicidade da prefeitura foi multiplicado por oito!), que os mantêm; em contrapartida, essa imprensa (que também não defende interesses populares, mas interesses do capital) não fala mal do governo e ainda enche o prefeito de elogios, preparando terreno para sua reeleição e assegurando a continuidade do atendimento desses mesmos interesses; (Lacerda recebeu Rolnik porque ela trabalha para a ONU e os serviçais provincianos do capital se curvam tradicionalmente às instituições estrangeiras.)
4) A administração neoliberal trata as cidades como negócio e a prefeitura como empresa. Não à toa Lacerda faz uma reforma administrativa que corta despesas e reduz salários em áreas consideradas improdutivas, como cultura – para o atual prefeito, cultura é "parada Disney", é copa do mundo, é réveillon 2011, enfim, "evento" rentável, que se paga com patrocínio de grandes empresas. Belo Horizonte precisa se tornar uma cidade atraente para o turista e para as grandes empresas, isto é, para "investidores", a prefeitura não precisa atender cuidar de uma cidade melhor para os moradores (por isso pode fechar a principal área de lazer popular por tempo indeterminado e vedar espaços publicos para manifestações populares não lucrativas – a Praça da Estação está reservada aos "grandes eventos" patrocinados e ao museu particular da empresária Ângela Gutierrez, que atrai turistas e não pode ser prejudicado pela presença de pobres).

Da revista Fórum.
As ameaças ao direito à moradia em BH
A história de dois despejos arbitrários em Belo Horizonte mostra a força das pressões imobiliárias nas grandes cidades e o desprezo do poder público pela habitação popular.
Por Douglas Resende e Felipe Magalhães
No começo da noite de 20 de setembro de 2010, o Corpo de Bombeiros foi acionado para cuidar de um incêndio em um dos prédios das chamadas Torres Gêmeas, no Bairro Santa Tereza, região leste de Belo Horizonte. Os dois prédios começaram a ser ocupados, espontânea e paulatinamente, em 1995, depois que a construtora LPC faliu e abandonou as obras já no final. Até a noite do incêndio viviam 164 famílias nos dois edifícios, principalmente pessoas que estavam em situação de rua e outras vítimas do déficit habitacional da capital mineira. Embora o fogo não tivesse se alastrado para além do 7º andar do número 100 das Torres Gêmeas, os bombeiros, por uma questão de segurança, evacuaram todos os 17 andares do prédio. E, logo em seguida, veio o golpe contra os moradores – a tropa de choque da Polícia Militar cercou o edifício com a ordem de não permitir que voltassem a seus apartamentos. Mais de três meses depois, o lugar continua cercado, com policiais fortemente armados, 24 horas por dia. O caso desse despejo arbitrário expõe o modo como a prefeitura municipal de Belo Horizonte tem lidado com a histórica questão, comum nas grandes cidades brasileiras, da fragilidade das políticas públicas para a habitação de interesse social e do planejamento urbano de modo geral. E alertou os movimentos sociais e os sujeitos diretamente atingidos pelo problema para a iminência de outras ações de remoção na cidade. Nove dias depois, articulados pelas Brigadas Populares (organização que atua, entre outras frentes, na luta pelo direito à cidade, moradores de mais três ocupações fizeram um acampamento na porta da prefeitura, numa forma pacífica de chamar a atenção das autoridades e da população para o risco de perderem suas moradias. A preocupação é que uma remoção em massa iria causar um grande trauma social na cidade, dada a dimensão que essas ocupações ameaçadas abrangem, envolvendo cerca de 20 mil pessoas. Nenhuma das duas secretarias municipais procuradas para se posicionar em relação ao tema – a secretaria de Habitação e a de Governo – respondeu à solicitação da reportagem. O silêncio, neste caso, significa também omissão. A urbanista Raquel Rolnik, professora da USP e relatora especial da ONU para o direito à moradia, visitou as Torres Gêmeas e a Ocupação Dandara, em outubro, e testemunhou a postura negligente da prefeitura. Ela foi uma das poucas pessoas que o prefeito Márcio Lacerda aceitou receber para tratar do assunto.
A íntegra.