quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Olhar para Cuba

Por que os alunos de Cuba, um país pobre e pequeno, obtêm notas muito melhores nas avaliações internacionais do que os alunos dos outros países latinoamericanos, inclusive de um gigante como o Brasil? A resposta é simples: o Estado socialista caribenho trata a educação com a mesma seriedade que os capitalistas dedicam a suas empresas, para que deem lucro, sejam eficientes e produzam boas mercadorias. Esta conclusão não é de um revolucionário ou um comunista, sequer de um reformista, mas de um cientista americano típico de Stanford e Chicago, consultor do BID, do Bird, da Unesco e da OCDE, o engenheiro e doutor em economia Martin Carnoy, e estão no livro "A vantagem acadêmica de Cuba", publicado no Brasil pela Fundação Lemann em parceria com a Ediouro, em 2009.

Academia é o lugar onde se escreve o óbvio, com citações. Para confirmar o que já sabemos, os acadêmicos recorrem a pesquisas. Crianças que não trabalham fora de casa, que têm alimentação, saúde e moradia garantidas pelo Estado podem se concentrar nos estudos e aprender mais. Professores que gozam de prestígio social e apoio para sua formação tormam-se melhores educadores. Métodos focados nos alunos e na avaliação permanente da aprendizagem têm melhores resultados. Há algum mistério nisso? Algum educador se surpreende com tais afirmações?

Carnoy chegou a conclusões semelhantes comparando os sistemas educacionais do Brasil, do Chile e de Cuba, bem como as condições sociais dos alunos dos três países. Seu estudo levou vários anos e incluiu entrevistas com autoridades e professores, filmagem de aulas, análise de currículos e políticas educacionais. Contraditoriamente, constatou o cientista americano, os países capitalistas estudados – Brasil e Chile – não buscam na educação a eficiência que as empresas privadas se esforçam em obter.

Comparar Brasil, Chile e Cuba é uma boa escolha. São três países latinoamericanos muito diferentes: o Brasil, um país continental; Chile, uma tripa na costa do Pacífico; Cuba, uma ilha com população igual à de São Paulo capital e área um pouco maior que a de Pernambuco. Cuba, um país que há mais de 50 anos vive uma revolução socialista; Chile, um país com tradição democrática, que passou por um terremoto político que liquidou a oposição e do qual não se recuperou até hoje; Brasil, um país de tradição autoritária que só recentemente começou a construir sua democracia. Chile, um país economicamente dependente da exportação de cobre; Cuba, um país pobre, com poucos recursos, que vivia da agroexportação de cana de açúcar e agora depende do turismo; Brasil, uma economia diversificada, rica, industrializada, agroexportadora, mas agora também com um grande mercado interno em expansão. Com todas essas diferenças que tornam o Brasil um país privilegiado, somos também o que tem a pior educação dentre os três. Cuba, a ilhota pobre, tem a melhor.

O Chile, nosso irmão de invejável história democrática e uma página trágica, bela e dolorosa, o governo Allende e sua derrubada sanguinária, no começo dos anos 1970, se destaca entre as nações latinoamericanas, incluindo o Brasil, que enfrentaram grave crise econômica nos anos 80, submeteram-se ao FMI e aderiram ao neoliberalismo, antes de guinarem novamente, uma a uma, para políticas econômicas mais à esquerda. A especificidade do Chile é ter antecipado todo o processo de privatizações, a partir dos anos 70, por obra da ditadura militar, que impôs pela força uma política econômica neoliberal, que os governos que a sucederam mantiveram.

A educação chilena tem forte presença privada desde o período ditatorial. Toda a universidade chilena é privada. O sistema educacional é descentralizado e dirigido pelos municípios. No ensino fundamental, há três tipos de escolas: particulares, subvencionadas e públicas. As famílias escolhem a escola dos filhos e recebem do Estado bolsas para pagar escolas particulares. É mais ou menos o modelo alardeado pelo PSDB, que acha que o mercado resolve melhor os assuntos, que o Estado não deve se meter, apenas distribuir recursos para que as famílias "façam sua escolha" e criar condições para a expansão da iniciativa privada. No Chile, não deu certo.

Em Cuba, país também singular na América, porque realizou e mantém uma bem sucedida revolução socialista, a educação é totalmente diferente e, segundo o pesquisador americano, a melhor. Há apenas o sistema estatal, igual para todos, mas educação é considerada prioridade nacional. A "distribuição igualitária da pobreza", tão ridicularizada entre nós, garante que todas as crianças e todos os jovens cubanos tenham o principal: moradia, alimentação, saúde e educação. Este paisinho pobre tem a menor desigualdade da América, enquanto o rico Brasil tem a maior. No Brasil, onde há tanta riqueza, tantas oportunidades, tanta variedade de opções, grande parte das crianças passa fome, mora em condições terríveis, não tem saúde, se vende ao tráfico de drogas, morre de forma violenta, não frequenta a escola. Foi isso que o governo Lula – o ministro Patrus Ananais à frente – enfrentou. Recebeu críticas da direita demotucana e dos barões da mídia, que chamam a ajuda a essas crianças miseráveis de "esmola" e "escola de vagabundos".

A qualidade do sistema educacional cubano se traduz no que o economista americano chama de "vantagem acadêmica" de Cuba: os resultados alcançados por seus alunos nas avaliações internacionais. A educação cubana começa pelo essencial, a igualdade, mas vai muito além: o número de horas que os alunos permanecem na escola, a formação dos educadores e seu prestígio social, o método de ensino focalizado no aluno, o pequeno número de alunos por sala de aula (15), o comprometimento dos alunos e as exigências que lhe são feitas. Não é à toa que os médicos cubanos estão em todas as partes do mundo, salvando vidas em situações de catástrofes, como a do Haiti atual; não é à toa que tanta gente recorre a tratamentos médicos num país de poucos recursos tecnológicos, mas que dedica grandes esforços na medicina preventiva e na pesquisa.

Eximir o Estado de responsabilidade na educação, como fez o Chile, modelo de sistema neoliberal, é uma estupidez óbvia. Ignorar o problema, como faz o Brasil, é uma irresponsabilidade característica das elites nacionais, que fizeram a abolição em 1888, mas deixaram os libertos ao deus-dará, formando uma legião de miseráveis, mão de obra farta e barata.

Há ainda um aspecto que o livro não destaca e que iguala todos os países contemporâneos: as transformações na família. As condições de desamparo em que crescem as crianças de hoje é mais um fator a exigir a presença do Estado na educação. A educação precisa ser pública e igual para todos para que todas as crianças e jovens tenham as mesmas oportunidades. Mas precisa também ser em tempo integral e oferecer os melhores educadores, porque as crianças não encontram mais em casa as condições favoráveis que possibilitavam a melhor educação nos lares estruturados.

A ausência cada vez mais comum do pai na família, a mãe que passa o dia no trabalho, os filhos únicos, a moradia em apartamentos, a televisão e a internet ocupando espaços que as famílias deixaram vazios, tudo isso são condições desfavoráveis à educação, que estão a exigir solução. E a resposta óbvia é a presença do Estado, oferecendo educação pública de qualidade em tempo integral para todos.

O exemplo cubano não é exótico e extravagante, é um exemplo com o qual todos os países devem aprender. Na educação como na medicina, a simplicidade do pobre socialismo cubano resolve desafios que o rico e complexo capitalismo não consegue resolver. Quer? Não quer nem pode. Um governo com preocupações sociais, como o que agora começa no Brasil, tem obrigação de enfrentá-los. Olhar para Cuba, como olhou o pesquisador americano, é uma necessidade.