Pra quem tem dúvida do caráter de classe da "grande" imprensa: enquanto setores sociais diversos protestam contra os males da administração de Belo Horizonte, uma revista quinzenal distribuída gratuitamente nas residências, com farta publicidade de grandes empresas, dá capa ao prefeito Lacerda e proclama que ele é o melhor do Brasil. Melhor pra quem, cara pálida? Para os mesmos que apoiaram a candidatura Serra à Presidência em 2010.
Os interesses se misturam: fazendo o réveillon na Praça da Estação, a prefeitura tentou apagar a imagem de ter proibido o uso público do local com um decreto autoritário; Globo e prefeitura são parceiras no réveillon, realizado na Praça da Estação; Globo é amena no trato da administração municipal; Globo anuncia na revista. A mesma revista dedica páginas e páginas ao prefeito, ao ex-prefeito agora ministro Pimentel, ao governador Anastasia e à presidente Dilma. Todas as matérias enchem os políticos de elogios, exceto a que trata de Dilma, em tom crítico.
Numa seção da revista, o colunista observa que o PT está abandonando a prefeitura, mas ressalta que não é por divergência administrativa (obviamente, o "prefeito é excelente" e o PT não tem do que reclamar), mas por "interesses políticos": teria percebido que Lacerda é candidato à reeleição e que sua composição não inclui o partido, nem com o cargo de vice, como tem atualmente. Assim se constata como o capital está feliz em Minas Gerais, com Aécio, Anastasia, Lacerda e Pimentel – este porque propiciou o quadro atual, no acordo de 2008.
Lembremos que em 1992, quando Patrus Ananias, do PT, foi eleito prefeito de Belo Horizonte, derrotou Aécio Neves, que ficou em terceiro lugar. Dezesseis anos depois, sem precisar disputar votos, a prefeitura foi finalmente entregue a Aécio por Pimentel. Lacerda se converteu no cavalo de troia pelo qual a direita retornou à administração de Belo Horizonte. Candidato desconhecido, milionário que nunca tinha disputado uma eleição, sem qualidades populares como simpatia e carisma, Lacerda foi poupado da árdua tarefa de conquistar os eleitores, uma vez que estava ungido pelo governador Aécio (PSDB) e pelo prefeito Pimentel (PT), pertencentes a partidos adversários – mesmo assim, quase perdeu o pleito para o jovem aventureiro Leonardo Quintão (PMDB).
Primeiro timidamente, pois estava numa posição que só alcançou graças a Pimentel, Lacerda começou a dar à administração a sua cara, muito diferente daquela que na campanha eleitoral se propagandeou, de "continuidade" da administração popular petista. Pôs em prática o conhecido receituário da direita: corte de despesas, redução de pessoal, "eficiência" administrativa, descaso com cultura e outras áreas "inúteis", "parcerias" com grandes empresas privadas e com a "grande" imprensa.
As eleições de 2010 reforçaram o prefeito, com a vitória de Anastasia, a eleição de Aécio para o Senado e o fracasso dos candidatos petistas (Patrus, como vice de Hélio Costa, e Pimentel, para o Senado). No segundo turno, Dilma perdeu em Belo Horizonte, sua cidade natal – por 1%, mas perdeu. Qual o significado disso? Lacerda ficou sempre do lado vencedor: apoiou Anastasia, Dilma e Aécio. Um desastre para o PT mineiro, dividido pela trama de Pimentel em 2008, que entregou a prefeitura, que não lançou candidato a governador e não elegeu o candidato que apoiou, que não elegeu sequer um candidato a senador. Pimentel ganhou da presidente Dilma, como prêmio de consolação, um ministério, que o mantém longe de Minas.
A administração de Belo Horizonte em nada mais se parece com a longa gestão petista. Tudo que sobrou ao PT em Belo Horizonte é o cargo de vice-prefeito. Lacerda afastou, primeiro, os petistas que, divergindo da trama de Pimentel, não o apoiaram. Agora, dois anos depois, na sua reforma administrativa, afasta também os pimentelistas – os que ficarem é porque se converteram em fiéis lacerdistas. Não é à toa que o deputado estadual eleito Rogério Correia diz que o PT está sendo humilhado pelo prefeito. Teoricamente, em 2008, o PT teria feito uma aliança com o PSB, legenda em que se abrigou Lacerda para se candidatar. Foi essa a justificativa do então prefeito Pimentel para abrir mão da candidatura petista: a continuidade, "o melhor para a cidade".
O que aconteceu de fato nesses dois anos foi que, uma vez no poder, Lacerda mostrou quem é – e ele não é nenhum Patrus, nenhum Célio de Castro, nenhum Pimentel, sequer. Ele é Lacerda, um político muito mais próximo de Aécio e Anastasia do que do PT. Será como candidato dos tucanos que Lacerda tentará a reeleição, caso isto aconteça. Ou então apoiará o candidato tucano. O petismo foi afastado da administração municipal, que segue agora outro rumo e pratica outro tipo de política, dedicada ao capital – em 2012 não lhe será oferecido nem mesmo o cargo de vice-prefeito. "Grande" imprensa, grandes empresas e demotucanos perfilam satisfeitos com o prefeito.
Ao PT, só resta uma atitude digna, como diz o deputado Correia: sair da prefeitura por conta própria e, mais do que fazer oposição, reorganizar-se para tentar recuperar o poder para os interesses populares. Tarefa dificíl, que muitos petistas, transformados em acomodados funcionários públicos, não querem enfrentar. Mais que difícil, tarefa penosa, pois começa pelo reconhecimento de que foram os próprios petistas que construíram, de forma oportunista, o cavalo de troia da direita. É, no entanto, a única atitude coerente com os ideais petistas. Quanto ao pimentelismo, ainda é cedo para dizer se permanece petista ou se já se confunde com o lacerdismo e o aecismo.