O nazismo não nasceu em um dia. Quem relê a imprensa de décadas atrás toma um susto constatando como essa atividade piorou. Rigorosamente falando, já não se faz jornalismo, pois a informação está sempre contaminada -- e de que vale um jornal ou revista no qual não se pode confiar? Ao mesmo tempo, há a internet, uma comunicação libertária como jamais houve antes. Fazer jornalismo hoje é fazer subversão -- contra a própria imprensa, como mostra este artigo de um veterano e conceituado jornalista investigativo. Na época da ditadura, havia uma pressão do governo contra a informação: quem ousasse falar ou escrever a verdade era tachado de subversivo. Hoje, a pressão contra a verdade -- uma pressão difusa, repleta de preconceitos e dourada como uma pílula, para a qual colaboram até mesmo jornalistas "de esquerda" -- vem da própria imprensa. A Rede Globo sempre manipulou informações, mas a Veja nasceu honesta e a Folha teve sua fase a favor das Diretas Já. Como resistir à mentira agora que à manipulação da superpoderosa e onipresente Globo fazem coro Veja, Folha, Estadão e todos os demais veículos sem capacidade de produzir noticiário próprio ou de destoar da voz geral? Como não acreditar nas mentiras insinuadas por artistas sorridentes, bonitos, admirados, queridos aos nossos corações? Como contestar as mentiras repetidas por autoridades intelectuais que ajudaram a formar nossa visão do mundo? A batalha mais importante do século XXI talvez seja a da informação.
Da Agência Carta Maior.
Indícios de conspiração contra a democracia em todo o mundo
J. Carlos de Assis
Em 1983, bem antes do fim da ditadura, denunciei três grandes escândalos
financeiros urdidos nos bastidores do sistema autoritário, os quais
ficaram conhecidos como o caso Delfin-BNH, o caso Coroa-Brastel e o caso
Capemi. Foi a inauguração do jornalismo investigativo na área econômica
no Brasil, contribuindo fortemente para a desmoralização do regime. Era
investigação jornalística crua: sem Polícia Federal, que só pensava em
prender opositores políticos; sem Ministério Público, sem CPI, sem
quebra de sigilos, sem escuta telefônica.
Trabalhei
exclusivamente a partir de documentos vazados por empregados e
funcionários públicos insatisfeitos com a corrupção em suas empresas ou
instituições, e com depoimentos verbais rigorosamente conferidos por no
mínimo três testemunhas. Nunca fui processado por civis que
eventualmente questionassem minhas afirmações. Fui processado, sim, por
dois ministros de Estado com base na antiga Lei de Segurança Nacional,
aquela que criminalizava a intenção subjetiva, e não só os atos
supostamente contra o regime.
Escapei de condenação porque o juiz
militar de primeira instância entendeu que, ao contrário do que a LSN
não previa, me devia ser dado fazer a prova da verdade. Não precisei
fazer. Na verdade, já estava feita nas reportagens. Com isso os
ministros, um deles chefe do SNI, o outro da Agricultura, desistiram da
ação. Comparo isso, em pleno regime militar, com o jornalismo dito
investigativo que tem sido feito no Brasil em pleno regime democrático. É
o jornalismo da espionagem, da invasão da privacidade, da exposição
pública de suspeitos, do achincalhe de inocentes, da opinião
prevalecendo sobre a informação.
Na verdade, não existe hoje no
Brasil (e no mundo) algo que mereça mais uma investigação jornalística
séria do que o próprio jornalismo. Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim
vêm fazendo esse papel. Eu costumo rejeitar teorias conspiratórias, mas
neste caso as evidências são óbvias. Uma delas vem de fora, o caso
Murdoch, da Fox. Na Inglaterra, ele montou um sistema de espionagem de
centenas de personalidades para alimentar um jornalismo de chantagem do
sistema político. Nos EUA, ele tentou inventar um candidato a presidente
da República que seria apoiado por seu império de comunicação.
Qual é o pano de fundo dessas atividades jornalísticas criminosas, que põem em risco até as maiores e mais antigas democracias do mundo? A pista é o próprio Murdoch, o bilionário das comunicações. A articulação da grande mídia com as grandes corporações mundiais, notadamente os bancos, constitui uma base de poder incomparável nas democracias. Os bancos financiam a mídia para que a mídia faça a lavagem cerebral nos eleitores em defesa de seus interesses. A isso se deveu o sucesso ideológico espetacular do neoliberalismo nas últimas décadas. (Vejam aqui as críticas da mídia à queda dos juros!)
A íntegra.