segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

As tragédias e o lucro

Empreendedores em busca de lucro e descuidados com as consequências do seu negócio. Funcionários prevaricadores que não cumprem suas obrigações. Publicitários que iludem o público prometendo produtos que não correspondem à realidade. Veículos de comunicação que divulgam anúncios sem se preocuparem se são verdadeiros ou falsos. Consumidores que se enganam com propaganda em busca de prazeres que o dinheiro proporciona e vão na onda, sem usar a cabeça para pensar no que estão fazendo. Empregados que seguem ordens dos chefes e não têm discernimento para descumpri-las. E um acidente.
As grandes tragédias sempre têm esses ingredientes. Quem passa por elas em geral aprende -- outros se enganam com a justificativa da fatalidade -- e se empenha por mudanças, como os argentinos da matéria abaixo. Mudanças -- na consciência, nas leis, no comportamento -- que acontecem, mas nem sempre são capazes de evitar novas tragédias. Porque o embate entre o lucro -- motor da sociedade -- e a vida continua, em toda parte, a toda hora, em tudo. E a maior tragédia ainda está por vir: um planeta incapaz de oferecer condições de vida para os seres humanos, representados por nossos filhos, nossos netos, nossos descendentes.
Entre os argentinos e os brasileiros existe uma diferença cultural importante, da qual as ditaduras militares são o melhor exemplo: eles levam a sério os acontecimentos e tiram consequências, para seguir em frente; nós seguimos em frente fingindo que não aconteceu e procurando não lembrar. Talvez por isso a justiça argentina seja mais avançada do que a brasileira, que não pune empreendedores gananciosos.
A compreensão da realidade tem limites sociais: a classe média -- brasileira ou argentina -- só enxerga até a corrupção, não consegue ver sua origem.

Da Agência Brasil. 
Tragédia em Santa Maria causa indignação na Argentina, que enfrentou problema semelhante
Monica Yanakiew, correspondente da EBC na Argentina
Buenos Aires – O incêndio que matou e feriu centenas de pessoas na cidade gaúcha de Santa Maria causou indignação na vizinha Argentina, onde um acidente parecido causou 194 mortes há oito anos. "Mais uma vez, vemos que a vida dos jovens não é levada em consideração, o que importa é o lucro", disse um comunicado emitido pela organização Que No Se Repita Mas (Que Não Se Repita Mais), formada por sobreviventes e pais de vítimas da tragédia do Cromanon – a boate do centro de Buenos Aires que pegou fogo em 2004.
"Sentimos que a história está se repetindo e que ninguém aprendeu com os nossos erros", disse Eduardo Azevedo, em entrevista à Agência Brasil. Desde que seu filho de 19 anos morreu no incêndio do Cromanon, o advogado tem dedicado o tempo a buscar os culpados para levá-los ao banco dos réus. "É triste reconhecer isso, mas temos muita experiência em lidar com a dor da perda e com a busca e punição dos responsáveis. Vamos colocar nossa experiência à disposição do Brasil".
A Boate Cromanon, que fica a metros da sede do governo de Buenos Aires, continua fechada. Ao lado, foi erguido um altar em homenagem aos mortos e 700 feridos da tragédia. O incêndio ocorreu no dia 30 de dezembro de 2004, quando milhares de jovens assistiam ao show do grupo Callejeros. Minutos depois de começar o espetáculo, soltaram um sinalizador, que provocou um incêndio. Quando os jovens tentaram escapar, descobriram que a porta de emergência estava trancada com cadeado – uma proteção contra penetras, que não pagam entrada.
"As coincidências das duas tragédias são enormes: um show público, em um lugar lotado de gente, sem suficientes saídas para escapar em caso de emergência", disse Azevedo. "No fundo, o culpado é um só, a corrupção. Se os locais noturnos fossem controlados como devem ser, esse tipo de imprevisto não teria consequências tão graves", acrescentou.
Por causa da tragédia do Cromanon, mais de 20 pessoas – entre elas o empresário dono da boate e os músicos do grupo Callejeros, além de funcionários públicos, policiais e bombeiros – foram presos e condenados a penas até dez anos. "O que nos chama a atenção é que cometemos o mesmo erro mais de uma vez", disse Azevedo. Ele lembrou que houve incidente parecido no Peru.
A íntegra.

Do G1 Rio. 
Autor de livro sobre incêndio de circo em Niterói lamenta tragédia no RS
José Raphael Berrêdo
Logo depois da notícia do incêndio na boate em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, que deixou mais de 230 mortos na madrugada deste domingo (27/1/13), o telefone do jornalista Mauro Ventura começou a tocar. Ele é autor do livro "O espetáculo mais triste da Terra", lançado no fim de 2011, que lembra outra tragédia semelhante, ocorrida em 1961 em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e é considerada a maior da história do país. Em 17 de dezembro daquele ano, mais de 500 pessoas, sendo 70% crianças, morreram após o fogo se alastrar pelo Gran Circo Norte-Americano.
"É lamentável constatar que mais de 50 anos depois aquilo não serviu de lição, que a gente continue perpetuando os mesmos erros", diz Ventura, em entrevista ao G1, sobre as falhas que causaram tantas mortes. "Um dos meus objetivos do livro, mesmo que ilusório, era mostrar o que aconteceu para que o fato não se repetisse. Lamentavelmente, não se pode falar em fatalidade. É uma sucessão de erros, imprevidências, negligências."
A íntegra.