Repórter processa a empresa decadente.
Por que o embate entre Carlos Dornelles e a Globo é de grande interesse público
Paulo Nogueira
Carlos Dornelles é um verbete grande no espaço de memórias do site da Globo. Ali ficamos sabendo que Dornelles, gaúcho de Cachoeira do Sul nascido em 1954, fez muitas coisas na Globo.
Bem, tanta coisa não foi suficiente para que Dornelles não fosse demitido, em 2008. Dornelles, algum tempo antes, tinha manifestado publicamente seu incômodo com a forma como a Globo vinha cobrindo política. Antes de ser mandado embora, passou pelo exílio jornalístico siberiano do Globo Rural, encostado e visto por agricultores sem muito que fazer nos domingos pela manhã.
Tanta coisa, também, não foi suficiente para que Dornelles, a partir de um determinado momento na Globo, desfrutasse dos direitos trabalhistas nacionais. Dornelles foi instado a se tornar, como tantos outros funcionários graduados da Globo, o chamado "PJ" – pessoa jurídica. É uma manobra comum entre as empresas jornalísticas, com raras e caras exceções como a Abril.
Usar PJs é uma gambiarra de discutível legalidade e indiscutível imoralidade. O objetivo é simplesmente não pagar o imposto devido. A empresa simula que o funcionário presta serviços eventuais, e com isso economiza consideravelmente. Dornelles era um PJ ao deixar a Globo, embora isso não esteja em seu verbete.
Para os cofres públicos, a proliferação de PJs é uma calamidade. Falta dinheiro que poderia construir escolas, ou pontes, ou hospitais. Para o empregado, é nocivo. Fundo de garantia, 13º salário, férias etc. simplesmente desaparecem. É bom apenas para os acionistas.
O que leva uma empresa como a Globo a isso? Falta de dinheiro? Ora, a Globo – por causa de outro expediente de duvidosa ética, os chamados BVs, algo que mantém as agências de publicidade numa virtual dependência da empresa – fica, sozinha, com praticamente metade de toda a receita publicitária brasileira. (Os BVs — bonificações por volume — explicam em boa parte o milagre de a receita publicitária da Globo aumentar no ano em que teve a pior audiência de sua história. De Xuxa a Faustão, do Jornal Nacional ao Fantástico, o Ibope marcha soberbamente para trás.)
Isso, para resumir, significa o seguinte: a Globo teria que ser administrativamente muito inepta para não ser muito lucrativa com tanto faturamento. Por que, então, tornar PJs funcionários como Carlos Dornelles, se não é por sobrevivência? A melhor resposta é: por ganância, associada a um sentimento de impunidade comum em quem tem muito poder de retaliação e intimidação. E esperteza: fazendo este tipo de coisa, a empresa ganha vantagem competitiva sobre as rivais seus custos diminuem. A Abril, que não tem PJs, já foi maior que a Globo. Hoje é algumas vezes menor.
O risco para a empresa é que, em algum momento, em geral na saída, o PJ a processe. Foi o que Dornelles fez. Ele reivindica mais de 1 milhão de reais da Globo na Justiça.
A íntegra.