A Krupp, indústria alemã que colaborou com o nazismo (equivale dizer:
lucrou muito com a indústria da morte na II Guerra Mundial -- e antes
também, fabricando canhões para a I G G), montou uma siderúrgica no
litoral do Rio, recebeu incentivos e dinheiro do governo brasileiro,
destruiu o mangue, poluiu o mar, prejudicou populações locais, depois
fechou, porque não consegue mais vender aço para a indústria
automobilística americana em crise, sua cliente, e quer que o BNDES
financie a compra da siderúrgica por outra empresa. Trata-se, como diz o
artigo (esse Saul Leblon é um dos melhores analistas políticos em
atividade no Brasil), uma aula de capitalismo: como essa baboseira de
atrair investimentos estrangeiros, competência da iniciativa privada e
desenvolvimento não passa disso, baboseira para enganar trouxas e pegar
dinheiro público para enriquecer empresários. Governantes e empresários
-- e jornalistas -- não acreditam no que dizem e escrevem, mas lucram
com isso, esta é a razão de repetirem a ladainha sem parar e,
principalmente, continuarem distribuindo dinheiro público barato para
"investidores privados".
Da Agência Carta Maior.
Krupp: duas ou três lições sobre capitalismo
Saul Leblon
Celso Furtado dizia que o carrasco das nações no mundo globalizado era a perda dos instrumentos endógenos de decisão.
Sem eles tornar-se-ia virtualmente impossível subordinar os interesses do dinheiro aos da sociedade.
A reinvenção dessa prerrogativa seria quase uma pré-condição para regenerar a agenda do desenvolvimento no século 21.
O
fato de o Ministério do Planejamento no Brasil ter se reduzido a uma
sigla ornamental ilustra o quanto a sociedade ainda se ressente desse
difícil processo de reconstrução.
O fiasco do projeto siderúrgico
da Krupp (Tyssenkrupp) no país é mais uma evidência da visão arguta de
Furtado, cuja pertinência histórica a ortodoxia nativa desdenha e
inveja.
Fundada em Essen, há 201 anos, a lendária siderúrgica
alemã, anexada por Hitler ao esforço de guerra nazista, está se
desfazendo de uma unidade no Rio de Janeiro.
A Companhia
Siderúrgica do Atlântico começou a ser planejada pela Tyssenkrupp em
2005; entrou em operação em 2010 e custou US$ 15 bi.
A previsão de produzir cinco milhões de toneladas de placas de aço por ano revelou-se um fracasso.
Não um fracasso qualquer.
O
tropeço da gigante alemã no país condensa algumas coisas que os
crédulos dos mercados racionais e autorreguláveis precisam aprender
sobre o capitalismo.
A CSA nasceu como uma perfeita obra da globalização do capital.
Nela, como se sabe, nações e povos figuram como mero substrato logístico ou entreposto de insumos baratos.
Arcam com as externalidades do projeto e participam de forma lateral dos lucros.
Mas são coagidos a engolir o grosso dos prejuízos quando ele ocorre.
É o caso.
Num
país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, a CSA foi erguida sobre
um solo pantanoso, ao lado de um mangue, na Baía de Sepetiba, zona oeste
do Rio de Janeiro.
A escolha singular elevou em cerca de 60% o custo de implantação.
Exigiu um exército de bate-estacas para as fundações que mobilizariam quase um terço da oferta desses equipamentos na região.
Havia lógica, a do dinheiro, por trás da aparente excentricidade.
Ocupar
um terreno próximo à fonte de matéria-prima, trazida do Espírito Santo
pela Vale do Rio Doce (sócia com 23% do capital), era uma motivação.
A disponibilidade de um porto exclusivo para intenso movimento de embarques rumo aos EUA, outra.
Uma
siderúrgica complementar à CSA foi erguida pela Krupp no Alabama. As
placas brutas enviadas de Sepetiba seriam laminadas nessa unidade para
abastecer o parque automobilístico norte-americano.
A indústria automotiva dos EUA entrou em coma com o colapso da ordem neoliberal em 2008.
A espiral recessiva desligou seus altos-fornos e criou um elefante branco no Alabama.
A mesma condição foi estendida à siderúrgica gêmea brasileira.
Os impactos sociais e ambientais do projeto, porém, permanecem ativos.
Reportagem da Carta Maior durante a Rio+ 20,
no ano passado, revelou que, entre outras 'externalidades', a
localização inadequada contaminou o mangue e o mar com resíduos de
metais despejados pela usina.
A vida marinha, a pesca e o turismo local foram golpeados.
Em novembro último, a CSA foi multada em R$ 10,5 milhões de reais pela secretaria estadual de Meio Ambiente do Rio.
Motivo:
ter proporcionado aos moradores locais e à vida aquática um evento
tóxico conhecido pelo nome poético emprestado aos fogos de artifício:
'chuva de prata'.
Nem a população de Sepetiba, nem o Brasil,
tampouco os metalúrgicos do Alabama têm motivos para estourar fogos
diante do fiasco global da Tyssenkrupp.
A íntegra.