A presidente Dilma Rousseff anunciou hoje (14/10/11) em Porto Alegre R$ 1 bilhão em recursos federais para construção do metrô da cidade. No mês passado, em visita à terra natal, a presidente também anunciou investimentos do seu governo no valor de R$ 3,16 bilhões para o transporte coletivo em Belo Horizonte; o pretexto, como tudo que se faz na cidade atualmente, é a Copa do Mundo de 2014, a copa da máfi(f)a. Não sei quanto a Porto Alegre, mas em Belo Horizonte, o sistema pode ser melhor custando certamente muito menos, se o objetivo for o interesse da população e não os das concessionárias das linhas de ônibus, das montadoras de veículos, das empreiteiras e dos políticos.
A história do transporte coletivo em Belo Horizonte tem diversas fases, acompanhando o crescimento da cidade. No mesmo ritmo Dorival Caymmi* em que sucessivos governos federais, estaduais e municipais constroem o metrô, iniciado nos anos 70, a prefeitura de Belo Horizonte implanta o BHBus, um novo sistema de transporte rodoviário para a capital. Ineficaz, como se verá. Primeiro, havia na cidade o transporte por bondes elétricos, charmoso e lento, adequado a outros tempos menos corridos, mas inteligente: o bonde ia ao centro e retornava, uma linha só em cada percurso. Havia também ônibus elétricos. Depois vieram os ônibus movidos a petróleo e linhas que também ligavam os bairros ao centro, onde os passageiros que quisessem se deslocar para outro bairro tomavam outro ônibus. O número de linhas aumentou. Mais tarde veio o sistema bairro a bairro, que funciona ainda hoje e liga um bairro a outro. O modelo seguinte é o BHBus, com linhas chamadas alimentadores levando passageiros para linhas maiores, as alimentadas, sendo a baldeação feita em estações regionais.
O curioso desta "evolução" (exemplo de que as palavras não podem ser consideradas como valor: evolução aqui não significa "para melhor", como se supõe) é que um sistema não substitui outro, mas se superpõe ao anterior (exceto bondes e ônibus elétricos, que foram suprimidos), de forma que o número de linhas em circulação só aumenta, beneficiando as concessionárias e a indústria automobilística. Uma prova de que o sistema não funciona para o bem comum, mas para o bem dos mais fortes, mais ricos, mais poderosos, economica e politicamente. O BHBus, em vez de simplificar, complica ainda mais.
Basta atinar para o mapa do município e pensar em longo prazo e nos interesses da coletividade, coisas de que o capital é incapaz. O metrô transporta multidões, rapidamente -- por que não fazer o mesmo com ônibus? Os bondes e ônibus elétricos, que tinham linhas exclusivas, eram mais eficientes. A questão é: para que tantas linhas de ônibus passando pelos mesmos lugares? Por que uma linha de ônibus atravessando a cidade inteira? Obviamente, é inviável ligar todos os bairros da cidade uns aos outros, pois o número de linhas para isso seria absurdo. O passageiro, porém, pode ir de um ponto a qualquer outro, desde que faça baldeações.
Num eficiente transporte coletivo em Belo Horizonte, nenhuma linha precisa ir ao centro da cidade, muito menos usá-lo como simples travessia, para tumultuar seu trânsito e poluir seu ar de fumaça e barulho, como acontece hoje. A Avenida do Contorno foi concebida para ser a via de interligação entre todas as regiões da cidade e é para isso que serve. Basta que tenha uma -- UMA -- linha eficiente de ônibus (ou melhor, duas: uma em cada direção). O "anel de contorno" tem a mesma função dos anéis da cidade futurista sem veículos do vídeo publicado aqui. Atualmente, a Contorno recebe quatro linhas de circulares que se sobrepõem, além de centenas de outras que a atravessam, e o intervalo entre dois ônibus da linha principal (Circular 1) é de 20 minutos. Isso mesmo: 20 minutos marcados no relógio! É evidente que o interesse da prefeitura não é a eficiência do transporte de passageiros.
De acordo com o saite da BHTrans, em 2009 rodavam na capital 2.854 ônibus em 298 linhas. Numa cidade cuja população é de 2,3 milhões de habitantes, há uma linha para cada 7.971 moradores. Um ônibus para 832 passageiros. São 769 mil viagens por mês e 16 milhões de quilômetros percorridos. E apenas 425 passageiros por veículo por dia. Tudo segundo o saite da BHTrans. A empresa não informa a média de passageiros por viagem, mas calculamos para ela: 48 (36.928.982 divididos por 769.469). Este é o número mais importante e é um número muito baixo. Principalmente se consideramos que nos horários de pico os ônibus transportam mais de cem passageiros. Os números confirmam o que vemos na cidade durante a maior parte do dia: ônibus quase vazios, rodando como enormes táxis de luxo. O sistema é totalmente irracional.
Um sistema racional teria a Avenida do Contorno com uma linha integradora, com veículos grandes rodando a intervalos curtos, como os metrôs, e linhas também exclusivas nos principais corredores de trânsito, as avenidas largas que atravessam a cidade. Estas linhas terminariam na Contorno, onde os passageiros fariam baldeação para tomar outro ônibus em direção a outro bairro. Para completar, linhas de microônibus partiriam dos corredores para o interior dos bairros, cujas rtuas são mais estreitas. Da mesma forma, algumas linhas de microônibus circulariam no interior da Avenida do Contorno. Sempre uma linha só em cada percurso.
Qual a dificuldade de se implantar um sistema simples e barato como este? Eliminar linhas, empresas e dinheiro que beneficiam empresários e políticos corruptos? O sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte atual é uma verdadeira "caixa preta": quem sabe quanto custa, quantas empresas o operam, quem são seus donos e quanto ganham? Tais informações, de suma importância para o público que sustenta o sistema, não estão disponíveis no saite da BHTrans. A passagem é muito cara e seu preço é injustificável.
As estatísticas da BHTrans, que pararam algumas em 2009, outras em 2001 (mais uma demonstração da incompetência da administração Lacerda), informam que os ônibus convencionais (excetuando o transporte suplementar e o de vilas e favelas) transportam quase 37 milhões de passageiros por mês, em média. Ao preço da tarifa atual mais comum (R$ 2,45), dá uma receita em torno de R$ 90 milhões mensais -- mais de R$ 1 bilhão por ano. Para comparação, o orçamento total da prefeitura para 2011 é de R$ 7,5 bilhões. Impressionante é que embora movimente mais de R$ 1 bilhão o sistema é incapaz de fazer investimentos na sua melhoria, o dinheiro precisa vir do governo federal. A pergunta volta: quanto ganham as concessionárias?
*Diz a lenda que na Bahia as coisas funcionam em três volocidades: devagar, quase parando e Dorival Caymmi.